segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Portugal: À ESQUERDA NADA DE NOVO

 

Tomás Vasques – jornal i, opinião
 
O PS, "excluído" da esquerda, pelo PCP e pelo Bloco, está por conta própria à espera que o poder lhe caia no regaço por obra e graça do Espírito Santo
 
Quem conhece a história da extrema esquerda ou da esquerda revolucionária, como lhe quiserem chamar, por dentro ou por fora, por vivência ou por estudo, no final dos anos sessenta e nos anos setenta, não pode deixar de ver, no que hoje se passa no Bloco de Esquerda, uma vaga repetição, agora caricaturada, talvez como farsa, daqueles anos do século passado.
 
É bom lembrar, para quem está menos familiarizado com aquele período, que no final dos anos sessenta, depois da prisão do grupo de dissidentes do PCP, encabeçados por Francisco Martins Rodrigues, que fundaram o CMLP, em 1964, na sequência da cisão do movimento comunista internacional, que opôs os comunistas chineses e soviéticos, proliferaram dezenas de organizações políticas, fundadas por "verdadeiros comunistas", sobretudo com origem no movimento estudantil. Todas estas organizações políticas criadas neste período se fragmentaram no seu curto trajecto, invocando invariavelmente "divergências ideológicas profundas" e outras "chinesices" próprias da altura, caldeados por ódios e comezinhas ambições pessoais. E cada cisão correspondia à constituição de uma nova organização com o objectivo de "reconstruir o verdadeiro partido comunista".
 
O Bloco de Esquerda é, em parte, herdeiro do "património ideológico" dessa esquerda revolucionária dos anos setenta - uns "sebastianistas" com a mania das grandezas à procura da construção do "verdadeiro partido comunista", mas tão desligados da realidade que o 25 de Abril de 1974 os apanhou - pelo menos, grande parte deles - a dormir tranquilamente, sem a menor noção do que se estava a passar. Ressalvando as distâncias do tempo político, tudo se repete, de novo. Gil Garcia abandona o BE e funda um outro partido: o Movimento Alternativa Socialista; Rui Tavares, o terceiro da lista dos bloquistas nas últimas eleições europeias, diverge do partido pelo qual foi eleito, e forma um novo partido: o Livre; Daniel Oliveira, sai do Bloco e, pouco depois, alinha na formação do movimento 3 D; este fim-de-semana, Ana Drago, uma protagonista incontornável do seu partido, demitiu-se da Comissão Política invocando "divergências profundas quanto à estratégia eleitoral", aguardando-se com expectativa se, no futuro, se arrumará a uma das cisões já concretizadas ou se constituirá, também, "um novo partido". Só falta a estes novos partidos ou movimentos a sigla m-l, entre parenteses, a seguir ao nome, para percebermos que Caussidière foi substituído por Danton e Luís Blanc por Robespierre, como assinalou Karl Marx.
 
O Bloco de Esquerda, o único partido que, nestes quarenta anos de democracia, conseguiu um espaço eleitoral no nosso anquilosado xadrez partidário, não está a conseguir resistir aos fantasmas do seu passado, nem à mania das grandezas dos seus principais dirigentes. O passado recente faz lembrar o passado remoto. Fazer de Manuel Alegre o candidato do Bloco de Esquerda com o apoio dos socialistas, numa clara inversão de papéis, resultou no desastre eleitoral que conhecemos. Excluir o partido socialista da esquerda, igualando-o aos partidos de Passos Coelho e Paulo Portas, para "justificar" o voto, na Assembleia da República, ao lado do PSD e do CDS (e do PCP) para derrubar um governo socialista, deu, em primeiro lugar, estes quase três anos de ofensiva da direita em todos os domínios. E em segundo lugar, uma derrota eleitoral estrondosa, reduzindo para metade o seu grupo parlamentar. Para um partido que insiste em se considerar a "principal alternativa de esquerda", como alguns dos seus actuais dirigentes, no passado, se julgavam os "verdadeiros comunistas", não augura nada de bom para os bloquistas, como todos os dias vamos tendo notícia.
 
O PCP, esse, vai-se mantendo imperturbável, com a sua influência sindical. Não ultrapassou os sete por cento dos votos nas últimas três eleições legislativas, mas isso não lhe faz muito diferença: aguarda pacientemente pelo desmoronar do sistema. Por sua vez, o PS, "excluído" da esquerda, pelo PCP e pelo Bloco, está por conta própria à espera que o poder lhe caia no regaço por obra e graça do Espírito Santo. Continuamos assim há, pelo menos, quarenta anos: à esquerda nada de novo.
 
Jurista, escreve à segunda-feira
 

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