Tomás Vasques –
jornal i, opinião
O PS,
"excluído" da esquerda, pelo PCP e pelo Bloco, está por conta própria
à espera que o poder lhe caia no regaço por obra e graça do Espírito Santo
Quem conhece a
história da extrema esquerda ou da esquerda revolucionária, como lhe quiserem
chamar, por dentro ou por fora, por vivência ou por estudo, no final dos anos
sessenta e nos anos setenta, não pode deixar de ver, no que hoje se passa no
Bloco de Esquerda, uma vaga repetição, agora caricaturada, talvez como farsa,
daqueles anos do século passado.
É bom lembrar, para
quem está menos familiarizado com aquele período, que no final dos anos
sessenta, depois da prisão do grupo de dissidentes do PCP, encabeçados por
Francisco Martins Rodrigues, que fundaram o CMLP, em 1964, na sequência da
cisão do movimento comunista internacional, que opôs os comunistas chineses e
soviéticos, proliferaram dezenas de organizações políticas, fundadas por
"verdadeiros comunistas", sobretudo com origem no movimento
estudantil. Todas estas organizações políticas criadas neste período se
fragmentaram no seu curto trajecto, invocando invariavelmente
"divergências ideológicas profundas" e outras "chinesices"
próprias da altura, caldeados por ódios e comezinhas ambições pessoais. E cada
cisão correspondia à constituição de uma nova organização com o objectivo de
"reconstruir o verdadeiro partido comunista".
O Bloco de Esquerda
é, em parte, herdeiro do "património ideológico" dessa esquerda
revolucionária dos anos setenta - uns "sebastianistas" com a mania
das grandezas à procura da construção do "verdadeiro partido
comunista", mas tão desligados da realidade que o 25 de Abril de 1974 os
apanhou - pelo menos, grande parte deles - a dormir tranquilamente, sem a menor
noção do que se estava a passar. Ressalvando as distâncias do tempo político,
tudo se repete, de novo. Gil Garcia abandona o BE e funda um outro partido: o
Movimento Alternativa Socialista; Rui Tavares, o terceiro da lista dos
bloquistas nas últimas eleições europeias, diverge do partido pelo qual foi
eleito, e forma um novo partido: o Livre; Daniel Oliveira, sai do Bloco e,
pouco depois, alinha na formação do movimento 3 D; este fim-de-semana, Ana
Drago, uma protagonista incontornável do seu partido, demitiu-se da Comissão
Política invocando "divergências profundas quanto à estratégia
eleitoral", aguardando-se com expectativa se, no futuro, se arrumará a uma
das cisões já concretizadas ou se constituirá, também, "um novo
partido". Só falta a estes novos partidos ou movimentos a sigla m-l, entre
parenteses, a seguir ao nome, para percebermos que Caussidière foi substituído
por Danton e Luís Blanc por Robespierre, como assinalou Karl Marx.
O Bloco de
Esquerda, o único partido que, nestes quarenta anos de democracia, conseguiu um
espaço eleitoral no nosso anquilosado xadrez partidário, não está a conseguir
resistir aos fantasmas do seu passado, nem à mania das grandezas dos seus
principais dirigentes. O passado recente faz lembrar o passado remoto. Fazer de
Manuel Alegre o candidato do Bloco de Esquerda com o apoio dos socialistas,
numa clara inversão de papéis, resultou no desastre eleitoral que conhecemos.
Excluir o partido socialista da esquerda, igualando-o aos partidos de Passos
Coelho e Paulo Portas, para "justificar" o voto, na Assembleia da
República, ao lado do PSD e do CDS (e do PCP) para derrubar um governo
socialista, deu, em primeiro lugar, estes quase três anos de ofensiva da
direita em todos os domínios. E em segundo lugar, uma derrota eleitoral
estrondosa, reduzindo para metade o seu grupo parlamentar. Para um partido que
insiste em se considerar a "principal alternativa de esquerda", como
alguns dos seus actuais dirigentes, no passado, se julgavam os "verdadeiros
comunistas", não augura nada de bom para os bloquistas, como todos os dias
vamos tendo notícia.
O PCP, esse, vai-se
mantendo imperturbável, com a sua influência sindical. Não ultrapassou os sete
por cento dos votos nas últimas três eleições legislativas, mas isso não lhe
faz muito diferença: aguarda pacientemente pelo desmoronar do sistema. Por sua
vez, o PS, "excluído" da esquerda, pelo PCP e pelo Bloco, está por
conta própria à espera que o poder lhe caia no regaço por obra e graça do Espírito
Santo. Continuamos assim há, pelo menos, quarenta anos: à esquerda nada de
novo.
Jurista, escreve à
segunda-feira
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