sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Portugal: A GRANDE INVERSÃO

 

Fernanda Câncio – Diário de Notícias, opinião
 
O Governo não cabe em si de contente com os números do desemprego, acusando quem não o felicita de falta de patriotismo e mau perder. Mas o próprio, em março passado, previa 18,2% de desemprego para 2013 (chegando perto dos 19% no final do ano) e 18,5% para 2014. Dito por um Gaspar que então afastava "novas medidas de austeridade" e dois meses e meio depois se demitia, admitindo não ter sido capaz de prever os efeitos da política que empreendera, a começar pelo desemprego, cujo nível qualificava de "muito grave" e só previa começar a descer em 2015 - para 18,1%.
 
Ou seja: no ano que meses antes, no Pontal, o PM anunciara ser de retoma, o Governo admitia implicitamente, ao prever uma maior contração da economia (2,3%, o que no conjunto dos três anos apontava para 7% de crescimento negativo) e um desemprego brutal, estar ante a espiral recessiva que explicitamente negava. A descida do desemprego no segundo e terceiro trimestres não veio pois surpreender só a oposição - surpreende antes de mais um Executivo que já não acreditava na sua própria propaganda. E se insinuações do PS sobre manipulação estatística surgem forçadas (e feias), reconheça-se que estes números, de tão inesperados, merecem um exame atento.
 
Há, é claro, o fator emigração e uma subida preocupante dos que deixaram de procurar trabalho (só do segundo para o terceiro trimestre, foram mais 35 mil, chegando a 306 mil - não sendo contabilizados como desempregados). E dúvidas sobre o tipo de emprego criado (levantadas por exemplo pela distribuição do número de horas trabalhadas) e sua sustentabilidade. Mas concentremo-nos na criação de emprego. Claro que se a economia melhora é expectável que isso suceda - e a economia melhorou (1,1% no segundo trimestre de 2013 em relação ao anterior e 0,2% no terceiro, mesmo se em relação a 2012 continuou a cair). Mas porquê? O Governo aponta o aumento das exportações (ou não fosse obcecado pelo "equilíbrio da balança externa"). Ora se é certo que estas (que incluem o turismo) aumentaram bastante em proporção do PIB, é-o também que o PIB encolheu. Será que o aumento real verificado nas exportações explica tudo, ou mais alguma coisa aconteceu? Recorde-se que o próprio Governo associou o aumento do desemprego à "inesperada" queda da procura interna. Que está a animar: fomos o país da zona euro onde mais cresceu, em novembro, a venda a retalho, e o Banco de Portugal diz que um aumento do consumo privado de bens duradouros como eletrodomésticos e automóveis (tipicamente importados) se teria verificado no terceiro trimestre, apesar de o rendimento disponível das famílias ter diminuído. Confuso? O BdP, prevendo até que em 2015 a procura interna duplique o valor líquido das exportações no crescimento do PIB, explica: "Os portugueses já estão preparados para gastar uma maior parte do seu rendimento." Já? E nós, burros, a pensar que este castigo era por termos gasto de mais.
 

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