Fernanda Câncio –
Diário de Notícias, opinião
O Governo não cabe
em si de contente com os números do desemprego, acusando quem não o felicita de
falta de patriotismo e mau perder. Mas o próprio, em março passado, previa
18,2% de desemprego para 2013 (chegando perto dos 19% no final do ano) e 18,5%
para 2014. Dito por um Gaspar que então afastava "novas medidas de
austeridade" e dois meses e meio depois se demitia, admitindo não ter sido
capaz de prever os efeitos da política que empreendera, a começar pelo desemprego,
cujo nível qualificava de "muito grave" e só previa começar a descer
em 2015 - para 18,1%.
Ou seja: no ano que
meses antes, no Pontal, o PM anunciara ser de retoma, o Governo admitia
implicitamente, ao prever uma maior contração da economia (2,3%, o que no conjunto
dos três anos apontava para 7% de crescimento negativo) e um desemprego brutal,
estar ante a espiral recessiva que explicitamente negava. A descida do
desemprego no segundo e terceiro trimestres não veio pois surpreender só a
oposição - surpreende antes de mais um Executivo que já não acreditava na sua
própria propaganda. E se insinuações do PS sobre manipulação estatística surgem
forçadas (e feias), reconheça-se que estes números, de tão inesperados, merecem
um exame atento.
Há, é claro, o
fator emigração e uma subida preocupante dos que deixaram de procurar trabalho
(só do segundo para o terceiro trimestre, foram mais 35 mil, chegando a 306 mil
- não sendo contabilizados como desempregados). E dúvidas sobre o tipo de
emprego criado (levantadas por exemplo pela distribuição do número de horas
trabalhadas) e sua sustentabilidade. Mas concentremo-nos na criação de emprego.
Claro que se a economia melhora é expectável que isso suceda - e a economia
melhorou (1,1% no segundo trimestre de 2013 em relação ao anterior e 0,2% no
terceiro, mesmo se em relação a 2012 continuou a cair). Mas porquê? O Governo
aponta o aumento das exportações (ou não fosse obcecado pelo "equilíbrio
da balança externa"). Ora se é certo que estas (que incluem o turismo) aumentaram
bastante em proporção do PIB, é-o também que o PIB encolheu. Será que o aumento
real verificado nas exportações explica tudo, ou mais alguma coisa aconteceu?
Recorde-se que o próprio Governo associou o aumento do desemprego à
"inesperada" queda da procura interna. Que está a animar: fomos o
país da zona euro onde mais cresceu, em novembro, a venda a retalho, e o Banco
de Portugal diz que um aumento do consumo privado de bens duradouros como
eletrodomésticos e automóveis (tipicamente importados) se teria verificado no
terceiro trimestre, apesar de o rendimento disponível das famílias ter
diminuído. Confuso? O BdP, prevendo até que em 2015 a procura interna duplique
o valor líquido das exportações no crescimento do PIB, explica: "Os
portugueses já estão preparados para gastar uma maior parte do seu
rendimento." Já? E nós, burros, a pensar que este castigo era por termos
gasto de mais.
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