Ana Henriques - Público
Jornalistas que
cometam o crime podem ter a actividade suspensa. Dos 83 inquéritos abertos em
2011 e 2012 por violação do segredo, só nove resultaram em acusação.
A auditoria à
violação do segredo de justiça divulgada nesta sexta-feira pela
Procuradoria-Geral da República sugere escutas telefónicas a jornalistas e
buscas nas redacções para obtenção de provas deste crime.
O autor do
trabalho, o procurador João Rato, defende ainda que as fugas de informação
constituam crimes de natureza pública – ou seja, cuja investigação não depende
de queixa da vontade da vítima do crime –, semipública ou mesmo particular, “em
função do interesse determinante do segredo”. A auditoria defende multas
verdadeiramente dissuasoras para os órgãos de comunicação social e jornalistas
que cometam o crime, que podem igualmente ter a actividade suspensa.
Em declarações à
comunicação social no final da apresentação do documento, a Procuradora-Geral
da República, Joana Marques Vidal, revelou não concordar com todas as propostas
nele contidas. “Tenho reservas em relação à utilização de alguns meios de
prova” sugeridos, declarou relativamente às escutas e às buscas nas redacções,
interrogando em seguida: “Poder-se-á admitir que venham a ser admitidos em
casos mais graves e mais complexos? É um debate que tem de ser feito, uma vez
que se trata de matéria polémica”. Como é inferior a cinco anos de prisão, a
actual moldura penal para a violação do segredo de justiça não permite buscas.
"Têm-me
perguntado se a violação do segredo de justiça é a minha grande luta",
referiu ainda Joana Marques Vidal. "Há temáticas muito mais importantes,
como a luta contra a criminalidade organizada", admitiu. Mas perseguir
este crime, acrescentou, "é instrumental" para o bom desempenho da
justiça.
Segundo as
conclusões da auditoria, 83 inquéritos criminais foram instaurados por violação
do segredo de justiça num universo de 6696 casos abrangidos pelo segredo nos
anos de 2011 e 2012, em que foram movimentados mais de 1,3 milhões de
processos. Até ao momento, apenas foi deduzida acusação em nove casos, tendo 49
sido arquivados e mantendo-se 25 inquéritos em investigação.
A auditoria
concluiu ainda que os "momentos críticos" dos processos sujeitos ao
segredo de justiça e em que há fuga de informação são as buscas (15 casos),
interrogatório judicial (nove), comunicados de imprensa (seis) e escutas
(cinco). Contudo, "outros momentos" (40) não determinados estão na
dianteira desta lista.
Inquéritos no DCIAP
são os mais violados
Quanto à geografia do segredo de justiça, 1409 dos processos sujeitos ao segredo de justiça pertencem ao Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa, 489 ao Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) e 4798 ao "resto do país". Estes dados confirmam, assim, que o segredo de justiça é "mais decretado em Lisboa", onde também se concentra a maioria dos inquéritos crime abertos anualmente pelo Ministério Público.
"Proporcionalmente,
o DCIAP ostenta uma elevada percentagem dos casos que deram origem a novos
inquéritos crime por eventual crime de violação do segredo de justiça",
diz a auditoria.
Quanto à tipologia
dos crimes que estiveram sujeitos ao segredo de justiça, o tráfico de estupefacientes
(475 casos) lidera a tabela, seguido de abuso sexual de crianças (189) e
violência doméstica (102). A corrupção (com 51 casos) aparece em sétimo lugar
da lista.
A auditoria ao
segredo de justiça foi ordenada pela procuradora-geral há um ano e visou apurar
em que "momentos, fases ou locais tais violações tiveram lugar e avaliar
os procedimentos e percursos processuais habitualmente adoptados” pelo
Ministério Público.
"Importa fazer
um levantamento rigoroso e pormenorizado das violações do segredo de justiça
nos inquéritos-crime, por forma a apurar a respectiva autoria ou, pelo menos,
em que momentos processuais, por que forma e em que circunstâncias tiveram
lugar", referia uma nota então emitida pela PGR.
A PGR insta os
magistrados a levantarem o segredo de justiça sempre que ele já não se
justifica, pondo assim fim a alguma inércia que entende verificar-se da sua
parte nesta matéria. Recomenda ainda o uso parcimonioso deste mecanismo, que
deve ser aplicado "apenas quando as necessidades da investigação o
reclamam.
com Lusa
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