Fernanda Câncio –
Diário de Notícias, opinião
Em Espanha, o
Governo PP apresentou uma lei para restringir o aborto a situações de risco de
vida para a mulher e violação - malformação do feto (ou seja, trissomia,
ausência de membros, etc.) e vontade da mulher deixam de ser "causas
admissíveis". Em Portugal, o PSD propôs um referendo sobre coadoção por
casais do mesmo sexo. Em Espanha, 80% dos espanhóis são, nas várias sondagens,
contra a alteração da lei proposta pelo PP (cujo Governo chega, imagine-se, a
alegar que esta visa "aumentar a natalidade" e portanto
"melhorar a economia"). Em Portugal, de acordo com uma sondagem
publicada ontem no i, maioria é contra referendo e a favor da coadoção (e até
da adoção por casais de pessoas do mesmo sexo). Em Espanha, o PP está dividido
sobre a lei do seu Governo e cada vez mais se crê que esta irá para a gaveta;
em Portugal, o PSD anda ao estalo por causa do referendo, predizendo a toda
gente que nunca terá lugar.
Vejamos, pois: que
leva dois Governos de direita, com a popularidade em frangalhos, a fazer
propostas destas, contrárias ao interesse da maioria dos cidadãos e
controversas dentro dos próprios partidos, em países submetidos a brutais
medidas de austeridade? Convicção ideológica? Se no caso do Governo espanhol é
admissível, no do PSD português, cujo presidente e atual primeiro-ministro já
defendeu publicamente não só a adoção por casais do mesmo sexo como reputou de
inconstitucional a sua proibição (já referendar uma inconstitucionalidade,
pelos vistos, não acha inconstitucional), é claro que não. Que vantagem viram
então nestas manobras?
Óbvio: tanto o PSD
como o PP espanhol estão apostados em satisfazer a única fação das sociedades
portuguesa e espanhola que vê abominações no aborto e nas uniões homossexuais,
a saber, a Igreja Católica. Não os católicos em geral, muitos deles discordando
frontalmente da doutrina oficial da sua Igreja; a hierarquia e os integristas.
Muito pouca gente, sim (como aliás se viu no referendo de 2007, que legalizou o
aborto por vontade da mulher em Portugal), mas muito poder e dinheiro, e
sobretudo aliados inestimáveis na pacificação e no controlo de uma sociedade
cada vez mais empobrecida, controlo esse que em Portugal o Executivo está a
passar a olhos vistos para as mãos das organizações católicas, tendo até
recentemente o secretário de Estado da Segurança Social aventado que estas
poderão passar a administrar a atribuição do RSI e outras prestações sociais.
A religião já não é
de certeza o ópio do povo, mas o aborto e a homossexualidade são o ópio, pão e
sal da Igreja Católica (como o próprio Papa já admitiu). E PSD e PP querem ser
os reis desse narcotráfico, sonhando contar com os "samurais de
Cristo" como aliados e braço armado. Seguindo o mote da Frente Nacional
francesa, a direita da Europa Ocidental quer importar a intifada religiosa que
vem de Leste. Se a ironia matasse.
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