sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Portugal: O NARCOTRÁFICO DA DIREITA

 
 
Fernanda Câncio – Diário de Notícias, opinião
 
Em Espanha, o Governo PP apresentou uma lei para restringir o aborto a situações de risco de vida para a mulher e violação - malformação do feto (ou seja, trissomia, ausência de membros, etc.) e vontade da mulher deixam de ser "causas admissíveis". Em Portugal, o PSD propôs um referendo sobre coadoção por casais do mesmo sexo. Em Espanha, 80% dos espanhóis são, nas várias sondagens, contra a alteração da lei proposta pelo PP (cujo Governo chega, imagine-se, a alegar que esta visa "aumentar a natalidade" e portanto "melhorar a economia"). Em Portugal, de acordo com uma sondagem publicada ontem no i, maioria é contra referendo e a favor da coadoção (e até da adoção por casais de pessoas do mesmo sexo). Em Espanha, o PP está dividido sobre a lei do seu Governo e cada vez mais se crê que esta irá para a gaveta; em Portugal, o PSD anda ao estalo por causa do referendo, predizendo a toda gente que nunca terá lugar.
 
Vejamos, pois: que leva dois Governos de direita, com a popularidade em frangalhos, a fazer propostas destas, contrárias ao interesse da maioria dos cidadãos e controversas dentro dos próprios partidos, em países submetidos a brutais medidas de austeridade? Convicção ideológica? Se no caso do Governo espanhol é admissível, no do PSD português, cujo presidente e atual primeiro-ministro já defendeu publicamente não só a adoção por casais do mesmo sexo como reputou de inconstitucional a sua proibição (já referendar uma inconstitucionalidade, pelos vistos, não acha inconstitucional), é claro que não. Que vantagem viram então nestas manobras?
 
Óbvio: tanto o PSD como o PP espanhol estão apostados em satisfazer a única fação das sociedades portuguesa e espanhola que vê abominações no aborto e nas uniões homossexuais, a saber, a Igreja Católica. Não os católicos em geral, muitos deles discordando frontalmente da doutrina oficial da sua Igreja; a hierarquia e os integristas. Muito pouca gente, sim (como aliás se viu no referendo de 2007, que legalizou o aborto por vontade da mulher em Portugal), mas muito poder e dinheiro, e sobretudo aliados inestimáveis na pacificação e no controlo de uma sociedade cada vez mais empobrecida, controlo esse que em Portugal o Executivo está a passar a olhos vistos para as mãos das organizações católicas, tendo até recentemente o secretário de Estado da Segurança Social aventado que estas poderão passar a administrar a atribuição do RSI e outras prestações sociais.
 
A religião já não é de certeza o ópio do povo, mas o aborto e a homossexualidade são o ópio, pão e sal da Igreja Católica (como o próprio Papa já admitiu). E PSD e PP querem ser os reis desse narcotráfico, sonhando contar com os "samurais de Cristo" como aliados e braço armado. Seguindo o mote da Frente Nacional francesa, a direita da Europa Ocidental quer importar a intifada religiosa que vem de Leste. Se a ironia matasse.
 

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