Manuel Tavares –
Jornal de Notícias, opinião
O povo já percebeu
duas coisas. A primeira: que vai ter de pagar o défice público acumulado até ao
último cêntimo e sem desconto. A segunda: que nenhum dos responsáveis pela
criação do monstro será responsabilizado, nem sequer pagando um pouco mais que
o mais inocente e indefeso dos cidadãos sem a mínima culpa no cartório.
Digamos que os
nossos brandos costumes permitem que façamos tábua rasa sobre as
responsabilidades e até nos prestemos a tirar a nação da situação de caloteira
sem olhar muito ao modo e à mais justa repartição dos sacrifícios.
Condescendermos com
este modorrento fado sem, pelo menos, termos claro qual é o resultado do
suplício e para onde nos levam como povo e nação já me parece algo que, para
além de nós, os nossos descendentes jamais perdoarão.
Não nos devemos
bastar com generalidades que parecem encerrar ideias da mais refinada e
laboriosa análise, mas não passam de atoardas que carecem de legitimidade, seja
ela a da lógica mesmo que dedutiva ou da matemática.
Refiro-me a frases
que estamos fartos de ouvir. Retenho apenas duas pela sua exemplar falta de
evidência científica e por isso legitimidade. A primeira: que estamos como
estamos porque todos gastámos acima das nossas posses. A segunda: que jamais
readquiriremos o que já desfrutámos.
A primeira destas
ideias é evidentemente uma tentativa de englobar honestos e desonestos,
governos assim ou assado, políticos que exerceram diretamente o poder ou os que
nunca lá estiveram. Como se tivéssemos andado todos loucamente a gastar o que
não tínhamos.
Todos devemos saber
que não foi assim que o monstro nasceu e cresceu: foram mais os desonestos em
conluio com o Estado e mais alguns governos que outros os grandes responsáveis
pelos défices acumulados, os quais acabaram por se misturar explosivamente com
os estilhaços da enorme vigarice que assaltou a alta finança americana e se
propagou à Europa, designadamente através da Irlanda, nossa irmã em troika.
Quanto à ideia de
que não voltaremos a ser o que fomos, também proclamada pela nossa ministra das
Finanças, trata-se apenas de um exercício de futurologia encravado no intervalo
de duas outras ideias igualmente populares: a de que o futuro a Deus pertence,
partilhada por todos os crentes, e a de que prognósticos só no fim do jogo,
tornada famosa pela boca de João Pinto, o antigo capitão da equipa profissional
de futebol do F. C. Porto.
Ainda assim,
tentemos raciocinar sobre este prognóstico da nossa ministra das Finanças:
então, não havendo futuro idêntico ao passado, valerá a pena continuarmos com o
sacrifício de 4 euros de austeridade para obtermos apenas 1 euro de
consolidação orçamental?
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