Em defesa de
Eduardo dos Santos
Orlando Castro –
Folha 8, 21 dezembro 2013
José Eduardo dos
Santos enfrenta, isto é como quem diz, críticas por não ter decretado um dia de
luto e não ter ido às exéquias de Nelson Mandela. Tudo sem razão. Afinal quem era,
ou é, Madiba para que o Presidente angolano (paladino das liberdades e da
reconciliação) se sentisse na obrigação de estar presente? Sim, num continente
onde Eduardo dos Santos é o maior, não fazia sentido a sua presença. Reconheça-se
também que mandar o Vice-Presidente foi um acto magnânimo que os sul-africanos nunca
esquecerão.
A ausência de
Eduardo dos Santos, em boa verdade, não espanta. O seu espírito de
reconciliação sempre foi bem visível. A partir do momento em que Nelson Mandela
recebeu esse temível terrorista, e inimigo público mundial, que dava pelo nome de
Jonas Malheiro Savimbi, foi riscado da lista dos grandes estadistas, que é –
obviamente – liderada pelo próprio José Eduardo dos Santos.
Diz-se, sem razão
porque ele pertence a uma classe divina que não pode ser julgada pelos simples mortais,
que o Presidente José Eduardo dos Santos está a ser criticado até no seio do
seu próprio partido. Nada mais injusto. O MPLA deve-lhe tudo que é e o que
será. Deveria, inclusive, reconhecer e louvar o facto de o seu Presidente não
se misturar com a escumalha mundial. Excluindo o Presidente e líder supremo da
Coreia do Norte, Kim Jong-Un, não se vislumbra quem chegue aos calcanhares de Dos
Santos.
O mundo sabe, e por
inerência também o MPLA, que Nelson Mandela não foi o ícone da luta contra o “apartheid”
na África do Sul, nem o paradigma das liberdade e reconciliação. Esse é um
atributo, entre muitos outros, exclusivo de Eduardo dos Santos. Espantam-se os
observadores que José Eduardo dos Santos nada tenha dito sobre o legado deixado
por Madiba e nem sequer tenha decretado meio dia de luto.
Santa ignorância.
A ter de decretar
luto, certamente o faria em sua honra, ou não fosse ele o líder histórico que,
para além de um ambicioso programa de reconstrução nacional”, sendo que
(citemos o Jornal de Angola) a “sua acção ter conduzido à destruição do regime de
“apartheid”, teve “um papel de primeiro plano na SADC e na CDEAO”, e “a sua influência
na região do Golfo da Guiné permitiu equilíbrios políticos, tal como permitiu
avanços significativos na crise de Madagáscar”.
O activista dos
direitos humanos, José Patrocínio, coordenador da ONG Omunga, citado pela Voz
da Alemanha, prefere colocar a questão numa outra vertente: “Não vejo a questão
com base no facto do Presidente ir lá ou não. Para mim o problema deve
centrar-se mais na questão dos nossos procedimentos em Angola e ter em conta,
por exemplo, que os discursos do Presidente não voltassem a ser agressivos e
que aprendesse isso com Nelson Mandela.” José Patrocínio exemplifica a sua tese
com uma entrevista dada pelo Presidente José Eduardo dos Santos: “Vimos
recentemente uma entrevista concedida a um canal televisivo brasileiro e
constatamos mais uma vez um discurso belicista. Isso é que seria interessante o
Presidente angolano adoptar como postura... os valores e procedimentos de
Mandela.” Na verdade, ao contrário do que diz José Patrocínio, Eduardo dos Santos
nada tem a aprender com Mandela. O contrário é que teria feito sentido. A
reconciliação encetada por Madiba é algo de arcaico que nunca fez sentido.
Modernamente,
reconciliar significa prender, torturar e assassinar. Significa estar no poder
dezenas de anos sem nunca
ter sido eleito (ainda hoje não o foi nominalmente), significa ter pelo menos duas
espécies de cidadãos, os de primeira (afectos ao regime) e os outros, escravos
ao serviço de sua majestade.
“Muito seriamente
acho que cada vez mais devemos pensar que a manutenção do cidadão José Eduardo
dos Santos no lugar de Presidente da República é um obstáculo sério à questão
da mudança em Angola,” diz José Patrocínio, julgando que o Presidente tem a
mesma estatura moral, cívica e ética de Mandela. Este sim, valorizava os que
não concordavam consigo porque, dizia, para estar sempre de acordo com ele bastava-lhe
a própria sombra.
Também à Voz da
Alemanha, o antropólogo, Carlos de Oliveira Vasconcelos, classificou a atitude do
Presidente José Eduardo dos Santos como uma traição à vontade soberana do povo
de Angola: “Não, não corresponde à vontade do povo. No dia em que se realizou a
cerimónia via-se mesmo um semblante de tristeza. Os angolanos reconheceram que perderam
um irmão africano, perderam um vizinho e perderam uma grande figura.”
Os angolanos
perderam de facto tudo isso. Mas, reconheça- se, para Eduardo dos Santos existem
valores muito mais relevantes. Comparar Nelson Mandela a Eduardo dos Santos é o
mesmo que dizer que os rios nascem no mar. Todos, ou quase, sabemos que não é
assim. Mas se, um dia, o “escolhido de Deus” assim quiser, um dia isso vai
acontecer.
Ao contrário de
Mandela, como dirão as páginas da biografia do Presidente, “José Eduardo dos Santos
não governa há trinta e tal anos. Ele é o líder de um povo que teve de
enfrentar de armas na mão a invasão de exércitos estrangeiros e os seus aliados
internos”.
“José Eduardo dos Santos
foi o líder militar que derrubou o regime do “apartheid”, o mesmo que tinha
Nelson Mandela aprisionado. José Eduardo dos Santos só aceitou depor as armas quando
a Namíbia e a África do Sul foram livres e os seus líderes puderam construir
regimes livres e democráticos”, recorda também o Pravda.
Não foi graças a
Mandela que Portugal adoptou a democracia, que a escravatura foi abolida, que
D. Afonso Henriques escorraçou os mouros, que Barack Obama foi eleito e que os
rios passaram a correr para o mar. Foi, isso sim, graças a José Eduardo dos Santos.
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