quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

REGIME ENVERGONHA ANGOLA NÃO DECRETANDO LUTO EM MEMÓRIA DE MANDELA

 

Em defesa de Eduardo dos Santos
 
Orlando Castro – Folha 8, 21 dezembro 2013
 
José Eduardo dos Santos enfrenta, isto é como quem diz, críticas por não ter decretado um dia de luto e não ter ido às exéquias de Nelson Mandela. Tudo sem razão. Afinal quem era, ou é, Madiba para que o Presidente angolano (paladino das liberdades e da reconciliação) se sentisse na obrigação de estar presente? Sim, num continente onde Eduardo dos Santos é o maior, não fazia sentido a sua presença. Reconheça-se também que mandar o Vice-Presidente foi um acto magnânimo que os sul-africanos nunca esquecerão.
 
A ausência de Eduardo dos Santos, em boa verdade, não espanta. O seu espírito de reconciliação sempre foi bem visível. A partir do momento em que Nelson Mandela recebeu esse temível terrorista, e inimigo público mundial, que dava pelo nome de Jonas Malheiro Savimbi, foi riscado da lista dos grandes estadistas, que é – obviamente – liderada pelo próprio José Eduardo dos Santos.
 
Diz-se, sem razão porque ele pertence a uma classe divina que não pode ser julgada pelos simples mortais, que o Presidente José Eduardo dos Santos está a ser criticado até no seio do seu próprio partido. Nada mais injusto. O MPLA deve-lhe tudo que é e o que será. Deveria, inclusive, reconhecer e louvar o facto de o seu Presidente não se misturar com a escumalha mundial. Excluindo o Presidente e líder supremo da Coreia do Norte, Kim Jong-Un, não se vislumbra quem chegue aos calcanhares de Dos Santos.
 
O mundo sabe, e por inerência também o MPLA, que Nelson Mandela não foi o ícone da luta contra o “apartheid” na África do Sul, nem o paradigma das liberdade e reconciliação. Esse é um atributo, entre muitos outros, exclusivo de Eduardo dos Santos. Espantam-se os observadores que José Eduardo dos Santos nada tenha dito sobre o legado deixado por Madiba e nem sequer tenha decretado meio dia de luto.
 
Santa ignorância.
 
A ter de decretar luto, certamente o faria em sua honra, ou não fosse ele o líder histórico que, para além de um ambicioso programa de reconstrução nacional”, sendo que (citemos o Jornal de Angola) a “sua acção ter conduzido à destruição do regime de “apartheid”, teve “um papel de primeiro plano na SADC e na CDEAO”, e “a sua influência na região do Golfo da Guiné permitiu equilíbrios políticos, tal como permitiu avanços significativos na crise de Madagáscar”.
 
O activista dos direitos humanos, José Patrocínio, coordenador da ONG Omunga, citado pela Voz da Alemanha, prefere colocar a questão numa outra vertente: “Não vejo a questão com base no facto do Presidente ir lá ou não. Para mim o problema deve centrar-se mais na questão dos nossos procedimentos em Angola e ter em conta, por exemplo, que os discursos do Presidente não voltassem a ser agressivos e que aprendesse isso com Nelson Mandela.” José Patrocínio exemplifica a sua tese com uma entrevista dada pelo Presidente José Eduardo dos Santos: “Vimos recentemente uma entrevista concedida a um canal televisivo brasileiro e constatamos mais uma vez um discurso belicista. Isso é que seria interessante o Presidente angolano adoptar como postura... os valores e procedimentos de Mandela.” Na verdade, ao contrário do que diz José Patrocínio, Eduardo dos Santos nada tem a aprender com Mandela. O contrário é que teria feito sentido. A reconciliação encetada por Madiba é algo de arcaico que nunca fez sentido.
 
Modernamente, reconciliar significa prender, torturar e assassinar. Significa estar no poder dezenas de anos sem nunca ter sido eleito (ainda hoje não o foi nominalmente), significa ter pelo menos duas espécies de cidadãos, os de primeira (afectos ao regime) e os outros, escravos ao serviço de sua majestade.
 
“Muito seriamente acho que cada vez mais devemos pensar que a manutenção do cidadão José Eduardo dos Santos no lugar de Presidente da República é um obstáculo sério à questão da mudança em Angola,” diz José Patrocínio, julgando que o Presidente tem a mesma estatura moral, cívica e ética de Mandela. Este sim, valorizava os que não concordavam consigo porque, dizia, para estar sempre de acordo com ele bastava-lhe a própria sombra.
 
Também à Voz da Alemanha, o antropólogo, Carlos de Oliveira Vasconcelos, classificou a atitude do Presidente José Eduardo dos Santos como uma traição à vontade soberana do povo de Angola: “Não, não corresponde à vontade do povo. No dia em que se realizou a cerimónia via-se mesmo um semblante de tristeza. Os angolanos reconheceram que perderam um irmão africano, perderam um vizinho e perderam uma grande figura.”
 
Os angolanos perderam de facto tudo isso. Mas, reconheça- se, para Eduardo dos Santos existem valores muito mais relevantes. Comparar Nelson Mandela a Eduardo dos Santos é o mesmo que dizer que os rios nascem no mar. Todos, ou quase, sabemos que não é assim. Mas se, um dia, o “escolhido de Deus” assim quiser, um dia isso vai acontecer.
 
Ao contrário de Mandela, como dirão as páginas da biografia do Presidente, “José Eduardo dos Santos não governa há trinta e tal anos. Ele é o líder de um povo que teve de enfrentar de armas na mão a invasão de exércitos estrangeiros e os seus aliados internos”.
 
“José Eduardo dos Santos foi o líder militar que derrubou o regime do “apartheid”, o mesmo que tinha Nelson Mandela aprisionado. José Eduardo dos Santos só aceitou depor as armas quando a Namíbia e a África do Sul foram livres e os seus líderes puderam construir regimes livres e democráticos”, recorda também o Pravda.
 
Não foi graças a Mandela que Portugal adoptou a democracia, que a escravatura foi abolida, que D. Afonso Henriques escorraçou os mouros, que Barack Obama foi eleito e que os rios passaram a correr para o mar. Foi, isso sim, graças a José Eduardo dos Santos.
 

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