Ex-agente que
denunciou NSA indicado para Nobel da Paz. Em Washington, presidente debate-se
para preservar espionagem e salvar aparências
Cauê Seignemartin
Ameni – Outras Palavras, em Blog da Redação
Aos poucos vão
surgindo as evidências de que a história trabalha mais a favor do ex-agente
Edward Snowden, do que do presidente americano Barack Obama. Na quarta-feira
(29/01), o ex-agente que revelou a maior plataforma de vigilância da história,
foi indicado para concorrer o Prêmio Nobel da Paz. Oscar Wilde, escritor inglês
do século XIX, sintetizou uma vez a importância histórica de fatos como este:
“a desobediência, é aos olhos de qualquer estudioso da História, a virtude
original do homem. É através da desobediência que se faz o progresso, através
da desobediência e da rebelião”.
No outro lado da
corda, Obama admitiu pela primeira vez em público (17/01), a necessidade de
mudanças no trabalho da Agência de Segurança Nacional americana (NSA). Depois
de sete meses de revelações cada vez mais desconfortáveis e crescente clamor
público, ponderou: “nossa liberdade não pode depender das boas intenções de
quem está no poder, e sim da lei que restringe esse poder”. Num longo discurso,
apoiou alguns pontos do grupo de especialistas criado pela Casa Branca para
reformular o sistema de vigilância do governo. Mas ignorou as sugestões mais
importantes, mantendo-se em apenas dois pontos superficiais: 1) restringir
progressivamente o programa de armazenamento maciço de dados telefónicos nos
EUA, tal como existe hoje e; 2) limitar a espionagem sobre líderes aliados –
inimigos continuam sendo alvo – , que provocou uma tempestade diplomática com
países amigos.
Para vastos setores da opinião pública que
pedem o fim da perseguição a Snowden, o governo americano passou longe do
esperado. Em seu editorial, o próprio New York Times classificou o discurso
de Obama como “eloquente sobre a necessidade de equilibrar a segurança da nação
com privacidade pessoal e liberdades civis”, mas “frustrante em detalhas e vago
na implementação”. O jornalista Lorenzo Franceschi-Bicchierai, especialista nos
assuntos sobre ciber-política na revista digital Mashable Nova York, listou algumas mudanças importantes que foram completamente
ignoradas.
1. Todos os outros
programas de coleta em massa de dados contiuam
Obama apoia a
proposta do grupo de especialistas que criou, para retirar da NSA o banco de
dados sobre as chamadas telefônicas. No entanto, o governo não pronunciou uma
palavra sobre como restringirá a coleta em massa de metadados da Internet.
“Esse tipo de programa pode ser utilizado para obter mais informações sobre
nossas vidas privadas e abre as portas a outros programas mais intrusivos”, diz
o NYT.
2. O Defensor
Público, no Tribunal FISA
O grupo interno recomendou
a criação de um “Advogado Defensor do Interesse Público”, para lutar pela
privacidade e liberdades civis perante os juízes do “Tribunal FISA” – que podem
impedir a coleta de dados privados sobre cidadãos… Advogados e juristas
apoiaram a ideia, uma vez o “Tribunal FISA” não respeita direitos civis
básicos. Apenas os defensores do governo podem prestar depoimento; as sessões e
os vereditos são secretos. Obama porém, não confirmou a aceitação da proposta.
Apenas disse, vagamente, que um grupo de especialistas participará das sessões
secretas do tribunal. E que serão ouvidos só em “casos significativos…”
3. Revisão Judicial
das Cartas da Segurança Nacional
O FBI vem usando as
chamadas Cartas de Segurança Nacional há anos, para exigir que bancos, empresas
de internet e de telefonia entreguem dados de seus clientes e usuários.
Funcionam como uma espécie de “salvoconduto” administrativo, liberando o FBI
para requerer dados dos usuários diretamente às empresas, sem necessidade de
pedir uma autorização judicial. O grupo interno de Obama, sugeriu que mudasse
esse procedimento, reformando a lei, para tornar indispensável a aprovação de
um juiz em todos os casos. Porém, a Casa Branca apoiou apenas mais
“transparência” e não disse uma palavra sobre a necessidade de supervisão
judicial.
4. Espionagem nas
bases de dados de empresas comerciais norte-americanas em todo o mundo
Documentos vazados
em outubro por Snowden, revelaram que a NSA recolhia vasta quantidade de dados de
usuários na internet, sem que as empresas como Google e Yahoo soubessem. A
agência obtve acesso aos servidores onde os dados eram armazenados. Obama não
disse nada a respeito e o porta-voz da Casa Branca, contatado pelo site Mashable,
não quis comentar o assunto.
5. O trabalho da
NSA para derrubar os padrões de segurança e encriptação
Em setembro, o New
York Times revelou o enorme esforço da NSA para derrubar os padrões de
segurança e encriptação, de modo que os agentes tivessem acesso a comunicação
que usuários acreditavam estar protegidas.
A NSA e até o FBI
foram acusados de invadir sistemas criptografados, depois de terem solicitado
que empresas de software incluíssem “portas do fundos” nos programas vendidos a
consumidores, uma espécie de entrada secretas, por meio das quais espionavam os
usuários da nova versão do Windows, por exemplo.
O grupo para
reformular a NSA, apoiou a criação de tecnologia mais forte de encriptação,
argumentando que o governo não pode “de modo algum subverter, minar,
enfraquecer ou trabalhar para tornar vulneráveis, softwares oferecidos à venda
a consumidores como se fossem seguros.” Obama nada disse sobre o caso.
Graves denunciais,
nenhuma reposta
Obama também
calou-se em relação às denuncias feitas ao longo dos últimos meses por grandes
publicações internacionais, que se assustaram com a capacidade cada vez mais
invasora da NSA. Numa das mais recentes, o New York Times revelou, em janeiro de 2014, o programa de implantação de vírus
em cerca de 100.000 computadores mundo afora, para devassar dados e lançar
ataques até mesmo a computadores sem acesso a internet. .
Usada desde 2008
para invadir computadores, a tecnologia via rádio permite contorna uma das
principais dificuldades enfrentada pela agências durante anos: penetrar em
maquinas cuja os adversários tornaram impermeável à espionagem ou ciberataque.
O dispositivo é inserido fisicamente pelo fabricante do equipamento ou por um
espião, transmitindo dados do computador visado comunicar através de
radiofrequência.
O principal
programa que usa este método radical de espionagem tem codinome Quantum. E
entre seus alvos, estão o exército chinês; o sistema militar russo; a rede
utilizada pelos cartéis mexicanos; instituições comerciais dentro da União
Europeia, e terroristas inimigos da Arábia Saudita, Índia e Paquistão.
Ao expor tudo isso,
Snowden girou a roda história. Revelou, lembra o New York Times, a ignorância e falta de controle
do presidente americano, que não tinha conhecimento das operações obscuras
perpetradas pela agência de segurança de seu próprio governo. Infelizmente, ao
invés de parabeniza-lo, Obama preferiu desaprovar seus métodos. “A defesa da
nossa nação”, disse, “depende em parte da fidelidade daqueles a quem os
segredos são confiados”. A diferença é que, ao contrário do presidente, o
ex-agente é mais fiel aos cidadãos do que as agências militares.
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