Marcolino Moco*
A intervenção de
Lopo do Nascimento, despedindo-se formalmente de uma, há muito anunciada saída
da vida política, que como era de esperar, teve partes escamoteadas na
comunicação oficial de Angola, seja qual for a face da realidade em que for
apreciada, é um marco histórico, no processo político angolano no sentido
positivo.
Eu que como amigo
pessoal já o censurei pelo seu recuo de uma missão histórica de transformar,
dentro do MPLA, as ideias do “novo pan-africanismo” que sustentou no discurso
final, numa realidade, senti-me aliviado, no ponto em que as coisas chegaram, e
que tenho documentado com propostas concretas “para sairmos disso”, por
considerar que o Homem deixou uma mensagem de relevo para a juventude.
Não importam as
razões concretas que o terão levado a sair agora, os jovens (por vezes penso
que os mais velhos já estão demasiado contaminados por “tribalismos” e
“racismos” sempre disfarçados na verborreia do politicamente correcto) dentro
do MPLA, na oposição e na sociedade civil, deviam aproveitar este mote para
começar a discutir uma saída pacífica duma situação que e já se vai tornando
insustentável.
Lopo do Nascimento,
Pepetela, eu próprio e tantos outros que das gerações mais velhas,
(“comprometidos” com um passado de actores do sistema de partido-único que
terminou em 1992, agora reciclado no “eduardismo” do pós 2002) temos esgrimido
um discurso sobre os problemas actuais, seremos sempre apodados junto dos mais
jovens, pelos mais renitentes dos nossos coetâneos, de “não termos o direito à
palavra” sobre o desejo de mudanças na actualidade. Por vezes penso que é isso
cansa Lopo de Nascimento, Pepetela e outros mais velhos que gostariam também de
falar sobre o “escandaloso” do presente e são abafados pela força da desgraça
dos nossos próprios recursos naturais, que tudo compram, dentro e fora do país.
Lopo do Nascimento,
líder da ala do MPLA (de que era o prestigiado Secretário Geral) que foi
cobardemente afastada da direcção, no Congresso de Dezembro de 1998, foi sempre
a figura tutelar da criação de um novo MPLA, adaptado aos tempos posteriores à
queda do Muro de Berlim.
Deve-se dizer
agora, com toda a clareza, que foi a partir dessa altura que se construiu o
“MPLA” que temos hoje, que após o que chamam “derrota militar da UNITA”,
constrói sofregamente um Estado-Etnia política, que entrega todo o poder ao seu
líder, para da sua mesa recolher “as migalhas suculentas”. Todo o interesse
perdido em contribuir para a construção de Estado-Nação que respeite as
diferenças e a diversidade, sem comprar consciências.
Notei com muito
apreço as três figuras simbólicas que Lopo homenageou no seu discurso de
despedida: Lúcio Lara, Mendes de Carvalho e Nfulupinga Lando Victor. É esta
Angola que teremos de construir: a Angola pacífica mas contraditória, de todas
as raças, de todas as etnias e de todas as regiões, cada um com o seu sotaque,
algumas “manias” e diferentes cosmovisões.
Se Lopo, ao longo
da sua extraordinária vida política, não conseguiu encher o copo (quem sozinho
o conseguiria?), deitou ontem uma gota de volume <significativo num copo
chamado futuro pacífico de Angola.
*Marcolino Moco
(nascido em 1953) foi o primeiro-ministro de Angola a partir de
02 dezembro de 1992 até 3 de junho de 1996. [1]
Moco foi demitido do cargo pelo presidente José Eduardo dos Santos – Wikipédia
À Mesa do Café – 26
janeiro 2014
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