segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Angola: UM 4 DE FEVEREIRO SEMPRE INSPIRADOR

 

Martinho Júnior, Luanda

1 – O 4 de Fevereiro de 2014 ocorre numa altura em que Angola assume um papel preponderante na busca pela paz em África e a candidatura, pela 2ª vez, a membro não permanente do Conselho de Segurança da ONU!

Enquanto em África a integração e a paz começam a ocupar um espaço preponderante nas preocupações em prol dos relacionamentos internacionais no âmbito do continente, no outro lado do Atlântico, com toda a experiência que advém do passado de dois séculos de bandeiras soberanas erguidas com tanto sacrifícios e à custa dos seus melhores filhos, a América Latina e o Caribe dão passos cada vez mais incisivos com a CELAC e outras organizações continentais como a UNASUR, o MERCOSUL, a ALBA ou ainda o PETROCARIBE, face a face ao império de cultura anglo-saxónica dominante!

As veias da América Latina e do Caribe já não estão tão abertas, nem tão disponíveis, nem tão esvaídas em sangue sugado pelos vampiros do império como estavam antes!

As lições que a América Latina e o Caribe dão agora ao mundo, são ainda insuficientemente percebidas em África!

Elas resumem-se no seguinte: ao dar luta ao capitalismo neo liberal, as democracias latino americanas e do Caribe garantem resposta à hegemonia unipolar do império, ganhando espaço próprio no quadro da globalização e reforçando por outro lado as potencialidades de integração, o aprofundamento da democracia, bem como os laços de internacionalismo e solidariedade!

Perante a conjuntura que se oferece a África e ao mundo tão vilipendiado pelas manipulações acarretadas por uma globalização que favorece os interesses de apenas 1% da humanidade, Angola destaca-se mesmo assim pelo seu esforço na construção dum mundo melhor, mais justo, mais respeitador do homem e do planeta, após os impactos da aplicação da doutrina de choque com a guerra dos diamantes de sangue, por via dum instrumentalizado quão tenebroso Savimbi!

Os programas que assentam na Reconstrução Nacional, na Reconciliação e na Reinserção Social, são a substância do que tem sido possível após a implosão do socialismo real, com o exemplo da resistência lúcida e sensível da Revolução e da identidade cubana, com os exemplos alternativos das nações e estados emergentes, com a resistência que se vai disseminando perante a contra revolução liberal tisnada pelas “revoluções coloridas”, as “primaveras árabes”, o mercenarismo rampante e tantas outras formas de manipulação e ingerência promovidas pelo império!

Sobre essas manipulações e ingerências remeto os leitores para o arsenal de divulgações conseguidas nos últimos anos pelo Wikileaks e por tantos outros, entre os quais destaco Edward Snowden!

2 – O 4 de Fevereiro de 1961 foi um acto de heroísmo e coragem por parte de alguns dos filhos do povo angolano e a única resposta legítima perante o fascismo, o colonialismo, o “apartheid”, a “bantustanização” programada para neutralizar África… perante ainda as suas respectivas sequelas e as injustiças que se arrastavam e, pelo menos algumas delas, ainda se arrastam, 39 anos depois do passado de trevas!

A data passou a oferecer para os vindouros a abertura à possibilidade dos imensos resgates que há que realizar sobre esse passado, numa altura em que era letra morta, entre muitos outros direitos, os próprios direitos humanos… ou ainda não tinham nascido sequer as preocupações sobre os direitos respeitadores da Mãe Terra!

O passo arriscado que então se deu, passou a ser uma autêntica viragem para o povo angolano, garantindo-lhe o passaporte para a sua libertação, independência e soberania… para a sua identidade e emancipação no concerto justo das nações e dos povos!

É precisamente sobre a libertação, a independência e a soberania com que nos devemos preocupar hoje, uma vez que muitos dos impactos da globalização capitalista neo liberal nos estão a atingir de forma mais oportunista, perversa, manipuladora e promotora de ingerências, dando cobertura precisamente aos mesmos interesses que em redundância, século após século, sempre oprimiram os povos africanos, ou jogaram com as imensas riquezas apetecíveis e disponíveis no continente!

O 4 de Fevereiro de 1961 foi também levado a cabo para que África não mais fosse “aquele corpo inerte onde cada abutre viesse depenicar o seu pedaço”!

3 – Perante a “plataforma” servil ao império unipolar que alguns subtilmente procuram erguer em Angola, perante a insistência nos argumentos fomentadores de ingerências e manipulações que abrem caminho a essa hegemonia unipolar, perante os impactos sensíveis da contra revolução liberal e seus dilectos “cavalos de Tróia”, perante tantos actos de mercenarismo que se foram disseminando por causa do deus-mercado, perante os exemplos alternativos de resposta a esse tipo de enredos, dos quais tenho ressaltado os de Cuba, os da América Latina e Caribe e os da Rússia, que 4 de Fevereiro se espera hoje em Angola?

Em primeiro lugar constata-se que não basta o exemplo e a memória desse longínquo mas tão próximo 4 de Fevereiro de 1961!

Em segundo lugar, o 4 de Fevereiro obriga-nos não só a mais uma prova de identidade, mas também ao conhecimento e à inteligência sobre onde, quando, por quê e com quem nos devemos situar e consolidar em laços as opções comuns!

Em terceiro lugar é preciso reconhecer que, quando alguns se bateram em Angola pela continuidade da opção socialista de forma a evitar prejuízos maiores que se vieram a consumar na aplicação da doutrina de choque que fez fermentar a guerra dos diamantes de sangue em 1992, face à implosão do socialismo real teve de se de optar por longas “conversações” que só acabaram por dar alguns frutos em 2002, com benefícios ambíguos no que toca à identificação em pleno com os interesses soberanos do povo angolano, com a sua democracia e com a paz por esse modo alcançada!

Por isso em quarto lugar, parece-me que não basta só a Reconstrução Nacional, a Reconciliação e a Reinserção Social: o 4 de Fevereiro de 2014 obriga-nos à lucidez da paz a que tanto aspiramos em Angola e, por tabela, em todo o continente africano, sabendo que a construção da paz não comporta a alimentação de mitos, nem de ilusões, nem de mentiras!... muito menos “benefícios” para uns quantos, que obriguem à miséria, ou à morte prematura de milhões e milhões de seres humanos!

O estado angolano é assim e hoje responsável nos actos de independência, de soberania, de aprofundamento da democracia e da paz possível “que estamos com ela”, mas deve optar em relação ao futuro, por decisões inclusivas que se abram muito mais à justiça social, ao equilíbrio humano socializante, a uma melhor educação e saúde!... neutralizando todo o tipo de mercenarismos que entretanto tendem a renascer como cogumelos aproveitando-se da conjuntura favorável recém adquirida graças aos impactos mais nefastos da globalização capitalista neo liberal!

Não basta alcançar índices de crescimento importantes: é necessário traduzir esse crescimento em desenvolvimento sustentável para toda a sociedade e não permitir as franjas de mercenarismo que muitos procuram implantar em Angola!

Alguns êxitos foram obtidos, mas há inúmeros obstáculos que é mister saber enfrentar!

Nesse quadro a oposição, ao invés de dar a sua contribuição honesta, digna e solidária, quantas vezes confundindo a árvore com a floresta, prende-se a ninharias, esquecendo a história e as oportunidades que se abrem após 2002!

4 – A contra revolução liberal marca a sua presença nos mais recônditos recantos do globo, invadindo-nos e aos nossos próprios lares, sub-repticiamente, através dos meios de difusão massiva distendidos pelo domínio dos senhores, ou fazendo-se sentir através de avassaladoras e artificiosas crises, tensões, conflitos e guerras, ou ainda procurando-nos confundir com “revoluções coloridas”, “primaveras árabes”, dilectos “cavalos de Tróia”, religiões alienadas e estéreis… ou “plataformas” incautas e entorpecidas, incapazes de crítica perante os tutores duma globalização inquinada, que socorre aqueles 1% da humanidade dominantes e apostados na disseminação de tantos becos sem saída, sorvedores de tantas vidas e riquezas… esvaindo as potencialidades do próprio planeta!

Este 4 de Fevereiro continua a ser de luta, por que continua-se longe de vencer o subdesenvolvimento crónico que é herança do passado, assim como necessário se torna a lucidez e a clarividência face a um mundo conturbado, repleto de tantas armadilhas, de tantos perigos e riscos de lesa-pátria, de lesa-independência, de lesa-soberania, de lesa-democracia, de lesa-identidade, de lesa-paz... e, para prejuízo de todos nós, quantas e quantas vezes de lesa-vida!

Aqueles que como eu pertencem ao socialismo por juramento perante a pátria, convencidos que é com o socialismo, o internacionalismo e a solidariedade que melhor se poderão beneficiar de forma equilibrada e justa todos os povos da Terra, têm a obrigação de assumir a lucidez e a clarividência do momento que passa, o momento que pode consolidar as conquistas até hoje obtidas com tanta honra, honestidade, humildade, sacrifício, heroísmo e amor integral… sabendo que, se assim não o for, se pode perder a consolidação dessas conquistas, em proveito exclusivo daqueles que até a história pretendem fazer obliterar ou esquecer!

Uma das armas da contra revolução liberal, é preciso lembrá-lo constantemente, é o egoísmo, a arrogância e a vaidade, quantas vezes a coberto de argumentos aparentemente contraditórios, que afinal não põem em causa a essência dos desequilíbrios globais!

Os que se aproveitam disso julgam-se omnipresentes até perante a história, só por que aspiram ou são detentores de riqueza, de propriedade, de capital, de intelecto e por isso se tornaram mentores de processos ideológicos e económicos que os levaram a esse tão inepto, quão desumano pedestal!

A paz nunca se poderá erguer com alienados triunfalismos, nem com a estupidez crónica dos mercados de feição à imagem e semelhança dos deuses constituídos naqueles 1% dominantes e opressivos da humanidade e do planeta, nem com seus mercenários de fortuna desprovidos de ética, de moral e de amor, por isso este 4 de Fevereiro só o posso honrar na base duma lógica com sentido de vida, a lógica substantiva que nos ergue dia-a-dia do chão como às árvores e nos inscreve na passagem singular por um admirável planeta azul que nos possibilitou algum dia existir!

Imagem: Alusão ao 4 de Fevereiro de 2013
 

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