terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

HAITI – A APOSTA PELA VIDA

 

REDESCOBRIR A HISTÓRIA
 
Martinho Júnior, Luanda
 
1 – Do Uruguai e na construção da Pátria Grande chega-nos o fiel amor à verdade histórica e à antropologia dos povos, um tributo que levam a cabo o seu Chefe de Estado, Pepe Mujica, um ar fresco sobre o Rio da Prata, tal como um dos mais esclarecidos autores, investigadores e jornalistas contemporâneos: Eduardo Galeano.
 
Esses conteúdos tiveram sua forja na resistência guerrilheira dos Tupamaros no Uruguai, durante a IIª metade do século XX e em muitas das suas mais íntimas razões e fundamentos, numa altura em que o materialismo histórico obrigava a redescobrir legitimamente o estado da humanidade na América e em África!
 
Esse amor à verdade, induz-nos hoje a reavaliar o significado do extermínio das nações autóctones da América durante a conquista e o início da colonização, assim como a escravatura que se lhe seguiu, que tanto tem a ver com o desenvolvimento do “comércio triangular” dos séculos XVI, XVII e XVIII, com a conquista e a colonização de África por parte das mesmas potências europeias e com os seus impérios então constituídos!
 
Essa lembrança revela-nos inequivocamente quanto os destinos dos dois continentes continuam humanamente associados, milhões de anos após a existência da Gondwana, quando a América do Sul se encontrava unida física e geograficamente a África!
 
Nessa busca incessante da verdade que redescobre a história perdida da América Latina, do Caribe e por tabela de África, há muitas lições a tirar e de entre elas destaco o facto de que a mentira histórica que tem sido “oficializada”, servir aos interesses e as conveniências dos sucessivos domínios, século após século, pelo que é também fonte de inspiração para aqueles que, ofuscados pela teoria do mercado e a prática dos consórcios multinacionais e dos carteis, sustentam o fim da história!
 
Quando evoco a necessidade de se continuarem os resgates históricos, é evidente que é nessas raízes que sustento a filosofia e a ideologia que perfilho por coerência em relação ao oprimidos e marginalizados da Terra!
 
A busca incessante da verdade histórica torna-se pois uma prova de resistência e de fidelidade para com os oprimidos da América e de África, algo que é obrigação de qualquer cidadão do mundo fazer lembrar: Pátria, no momento desta pérfida globalização, é de facto Humanidade, tal como para os revolucionários haitianos que anunciavam com toda a legitimidade eu lhes assistia, por alturas da independência do Haiti em 1804, Liberdade ou Morte!
 
2 – Várias têm sido as intervenções de Eduardo Galeano sobre o Haiti; de entre elas destaco esta, que está incluída na sua dissertação (dolorosa, mas incontornável) sobre “Haiti, país ocupado”:
 
“Consulte usted cualquier enciclopedia. Pregunte cuál fue el primer país libre en América. Recibirá siempre la misma respuesta: Estados Unidos. Pero Estados Unidos declaró su independencia cuando era una nación con 650 mil esclavos, que siguieron siendo esclavos durante un siglo, y en su primera Constitución estableció que un negro equivalía a las tres quintas partes de una persona.
 
Y si a cualquier enciclopedia pregunta usted cuál fue el primer país que abolió la esclavitud, recibirá siempre la misma respuesta: Inglaterra. Pero el primer país que abolió la esclavitud no fue Inglaterra sino Haití, que todavía sigue expiando el pecado de su dignidad.
 
Los negros esclavos de Haití habían derrotado al glorioso ejército de Napoleón Bonaparte, y Europa nunca perdonó esa humillación. Haití pagó a Francia, durante un siglo y medio, una indemnización gigantesca, por ser culpable de su libertad, pero ni eso alcanzó. Aquella insolencia negra sigue doliendo a los blancos amos del mundo”…
 
3 – …“Aquela insolência negra sigue doliendo a los blancos amos del mundo”… ressoa-nos e marca-nos: os impérios foram-se temporal e geograficamente sucedendo, numa lógica de saque e capitalismo, transmitindo de uns para os outros os modelos de domínio, os conteúdos de domínio e as formas de ingerência a fim de perpetuar o que lhes interessava e isso foi sempre mais gravoso no Caribe, onde as ilhas estão à mercê da hegemonia unipolar do mais poderoso dos impérios de sempre e onde, é preciso não esquecer, os Estados Unidos ocupam ainda a colónia de Porto Rico!
 
O Haiti que não mereceu perdão por ter arrancado a ferro e fogo a sua independência a partir do modelo escravocrata de finais do século XVIII, continua hoje país ocupado e em parte é isso que justifica que a Hispaniola, entre as grandes Antilhas, seja a única ilha que esteja dividida em duas repúblicas e com crónicas barreiras na fronteira entre a República Dominicana e o Haiti, barreiras que são conhecidas como “El mal paso”, barreiras impostas pelo agenciamento da primeira filiada da “ocidental civilização”, o que facilitou aliás a migração haitiana para o leste de Cuba, na forja de Santiago de Cuba e das suas inesgotáveis fontes revolucionárias!
 
A Hispaniola tem Cuba revolucionária a ocidente e a colónia de Porto Rico a Oriente, pelo que a divisão entre Haiti, voltado para Cuba e a República Dominicana numa aparência de “neutral” e próximo a Porto Rico, corresponde aos artifícios possíveis ao império, tirando partido do espaço físio-geográfico imediatamente a sul da sua enorme massa continental!
 
É assim que o Haiti continua a pagar a sua insolência revolucionária de séculos, pelo que redescobrir essa insolência é, por si, uma das primeiras apostas pela vida e um modesto reconhecimento dos que assumem que ética, moral e historicamente tanto lhe devem!!!
 
Foto: Sugestiva imagem de capa da recente reportagem fotográfica de Alejandro Ramirez Anderson, sobre o Haiti.
 
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