O filósofo e
docente universitário Severino Ngoenha diz que o país deve reencontrar a paz o
mais rápido possível
O País (mz)
O filósofo e
docente universitário Severino Ngoenha diz que o país deve reencontrar a paz o
mais rápido possível, para evitar que os moçambicanos sejam os novos judeus com
malas prontas para fugir devido à instabilidade política.
Passados mais de 20
anos de paz, Moçambique vive uma instabilidade política. Por que regredimos
para esta situação?
A primeira coisa
que devemos fazer é tentar identificar três níveis de problemas, nomeadamente,
social, político e militar. Esta instabilidade encontra-se na Tunísia, Congo,
Burundi, Ruanda, Madagáscar, Síria, Paquistão, Bélgica, Coreias, Somália, etc.
Estamos num mundo instável, mais instável do que o mundo que existia quando
tínhamos dois blocos. O que leva à esta instabilidade: recursos; crises
económicas no Ocidente; depois da segunda guerra e depois da guerra fria, o
número de armas perdidas e exportadas aumentou no mundo; as crises do ocidente
levam à desestabilização de outras partes do mundo. Outro problema é que nós
estamos incapazes, a nível interno, de travar um diálogo real onde a paz
justifique todos os meios e sacrifícios necessários. Confundimos tolerância com
o facto de deixar o outro falar no Parlamento, mas não pensamos que a
tolerância não é indiferença: quais são as reais condições em que o outro está
e em que condições ele pode dialogar connosco. Ao nível de redistribuição de
recursos, realmente ou aparentemente, parece que a política se tornou o veículo
de acumulação. Digo realmente ou aparentemente porque, mesmo se não for
verdade, os que detêm o poder político são aqueles que mais acumulam.
Está a dizer que há
pessoas que acumulam mais riqueza em Moçambique?
Nós vivemos num
mundo de atomização dos indivíduos. É evidente que você faz a sua carreira, faz
a sua vida, torna-se uma pessoa importante e conhecida. Mas não pode deixar de
lembrar que você vem de uma família, de um distrito e de uma nação. E não pode
pensar que você pode acumular mais do que os outros, esquecendo que nós somos
um país de 24 milhões de pessoas. Esta questão de atomização dos indivíduos,
que não pensam nos outros, não é uma questão moçambicana; é uma questão que a
gente começa a perceber que existe em toda parte do mundo. E, a gente começa a
perceber que isto é um factor de instabilidade e de violência. Penso que a
solução, ou a única coisa que me parece importante, não é encontrar culpado,
não é saber quem é mais ou menos responsável. A única coisa importante que
temos que fazer para que os nossos pais e irmãos não sejam os novos judeus, que
têm sempre as malas prontas para fugir para o mato a cada noite, porque não tem
onde dormir, é encontrar uma saída. Saída significa, para mim, acabar com a
instabilidade que nós tínhamos conseguido nos últimos 20 anos.
Na situação que o
país vive hoje, será que podemos identificar causas externas?
Isso é trabalho de
sociólogos e politólogos. Mas eu penso que os recursos são factor importante. A
produção de armas é também um factor importante. Um exemplo muito simples: a
crise económica em Portugal levou ao aumento da emigração portuguesa para
outras partes do mundo, como Angola, Moçambique e Brasil. Quer dizer que existe
um sistema de vasos comunicantes entre os problemas de uma parte do mundo e os
problemas de outra parte do mundo. É preciso um estudo muito rigoroso para
tentar identificar as causas dos problemas com os quais estamos confrontados.
Mas o importante é que tínhamos que fazer uma espécie de pacto social, uma
espécie de contrato social, onde a palavra, a confrontação entre nós, fosse o
único ingrediente válido no debate político moçambicano. Eu estava convencido
que conseguimos chegar a isto, mas infelizmente derrapámos. Não importa quem é
culpado, não importa quem começou, se nós podemos deixar alguma coisa às
futuras gerações, essa coisa no mínimo é a paz. Frantz Fanon dizia que cada
geração tem uma missão. Ela pode cumpri-la ou pode trai-la. Penso que a grande
missão que nós temos, os chamados intelectuais, líderes políticos, as várias
elites económicas e sociais, é tentar retrazer um clima de paz para todo o
país.
As últimas eleições
autárquicas tiveram pouca participação dos cidadãos. Em algumas autarquias, os
níveis de abstenção chegaram a 75%, por exemplo. Os cidadãos perderam interesse
pela vida política?
Há duas coisas: se
tu olhares para o panorama geral das eleições no mundo, vais perceber que o
nível de participação é baixo. Uma vez mais, não estamos perante um fenómeno
moçambicano. Mas a segunda coisa é moçambicana: o quotidiano das pessoas, que é
feito de lutas pela sobrevivência, acaba tendo primazia sobre todas as dimensões
políticas. Isso, sobretudo, quando as pessoas têm a percepção real ou suposta
de que as eleições e a vida política não têm uma incidência directa nas suas
vidas. Eu vi as entrevistas que faziam em que os transportadores de “chapa”
diziam que têm de ganhar o seu pão no quotidiano e não vão parar de transportar
as pessoas para irem votar. As pessoas não têm a percepção de que o debate
político e as eleições têm uma incidência directa no seu quotidiano. As pessoas
têm a impressão de que tudo que acontece na vida delas é independente da
política e vice-versa.
Mas a que se deve
essa percepção de que a política não interfere directamente na vida das
pessoas?
Isso é devido ao
tipo de sistema político que nós temos. No primeiro livro que escrevi nos anos
90, eu falava de uma pirâmide. Nós temos uma pirâmide que começa com a
Presidência, passa pelos governadores, desce para os distritos e para as
localidades. Quando se vota num Presidente, ele está materialmente longe das
pessoas. Mas isso não é um problema moçambicano, é geral. Se nós elegêssemos os
nossos dirigentes nos distritos e nas localidades, eles estariam perto das
preocupações das pessoas. Era muito mais fácil a mobilização de uma democracia
que parte de baixo. É por isso que os “sete milhões de meticais” são uma das
coisas mais importantes que houve no governo do Presidente Guebuza. Significa
que as pessoas podem ter uma vida social e um debate real. Podem ter um
interesse nos lugares concretos. Significa que a democracia tem de estar perto
das pessoas. Quando ela está longe, significa que as eleições são para os
grandes intelectuais e as grandes cidades de Maputo e outras.
Disse que os “sete
milhões de meticais” são das melhores coisas que o Presidente da República fez.
Mas ele é fortemente contestado por alguns círculos de opinião. O que explica
isso?
Eu tenho seguido o
debate de opinião sobre Guebuza sim Guebuza não. Estamos a falhar no objectivo.
Estamos a preocuparmo-nos com pessoas, com uma certa liderança, em lutas que
envolvem personalidades e indivíduos, estamos a falhar o essencial. Não é que
eu tenha medo de dizer o que penso, mas o essencial neste país e neste momento
não é tanto ver quem é culpado da situação em que estamos. A crítica que se faz
ao Presidente Guebuza é que ele é responsável da situação em que estamos. Isso
não é minha preocupação. A minha preocupação é encontrar forma de como conjugar
forças para que, a partir do que já existe da moçambicanidade, a partir do que
já existe e que aproxima Guebuza de Dhlakama, que aproxima Renamo da Frelimo e
do MDM, etc., possamos construir uma paz que seja duradoura e que permita a
todos os moçambicanos viverem juntos e que cada um possa dar a sua
contribuição. Isso permite que os nossos filhos não sejam os futuros judeus e,
segundo, para que possamos ter um futuro diferente.
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