Já depois do
primeiro aniversário de sua posse do segundo mandato, a supostamente invencível
coalizão democrata foi capaz de levar adiante uma lei apenas.
Pablo Pardo/El Mundo
– Carta Maior
Obama ganhou a
reeleição, diziam, porque seu partido, o Democrata, era o futuro: tinha o apoio
das mulheres, das minorias e dos jovens. Porém, já depois do primeiro
aniversário de sua posse do segundo mandato, sua supostamente invencível
coalizão foi capaz de levar adiante uma lei apenas, e agora enfrenta o risco de
perder o Senado nas eleições de novembro. Por quê? Para Thomas Frank, a
resposta se resume em uma frase apenas: porque os democratas ignoram seu
eleitorado. Embasado nessa ideia, Frank cimentou sua reputação de Grilo Falante
da esquerda norte-americana desde que, em 2004, publicou o livro que marcou as
eleições em que George W. Bush foi reeleito: What's the matter with Kansas?
(Ed. Antonio Machado, O que acontece com o Kansas, em português)
Segundo Frank, o Partido Democrata ignora os problemas econômicos dos eleitores e tenta evitar ser identificado com posições esquerdistas. Em vez disso, usa uma linguagem tecnocrata e tenta se apresentar como um partido responsável diante do extremismo de seus rivais. Então, o debate se limita a questões sociais e de valores, duas áreas em que os republicanos se movimentam como peixes dentro da água. Frank afirma saber o que está dizendo porque ele mesmo foi criado no Kansas – uma das bases do poder do conservadorismo norte-americano – e inclusive foi militante ativo republicano.
O êxito de What's the matter with Kansas? transformou o autor em uma celebridade nos Estados Unidos, amado e odiado igualmente por democratas e republicanos. Talvez porque, ainda que deteste os republicanos, acredita que são mais eficazes na hora de ganhar eleições. Sua popularidade foi tamanha que, entre 2008 e 2012, foi o vermelho oficial da conservadora seção de opinião do Wall Street Journal. Agora, com Pobres Magnates (Ediciones Sexto Piso), Thomas analisa o Tea Party, movimento que propõe a abolição do Estado de bem-estar do qual, paradoxalmente, se beneficiam grande parte de seus eleitores, que possuem rendas baixas ou médias.
Pergunta: Já passou um ano desde o segundo juramento ao cargo de Obama. Mas toda atenção está centrada nas eleições para o Congresso, em novembro. E quando estas se realizarem, falaremos apenas das eleições presidenciais de 2016. A presidência de Obama está adormecida?
Resposta: De modo geral, sim. Mas isso há muito tempo. A presidência de Barack Obama terminou quando o Congresso aprovou a reforma do sistema de saúde, em março de 2010. Agora mesmo, a grande questão da política dos EUA não tem a ver com a Casa Branca ou com os planos do presidente, mas sim com as possibilidades de os republicanos conquistarem a maioria no Senado em novembro. Isso seria catastrófico para Obama.
P: Pode acontecer?
R: Sim, e em boa parte, por culpa do Obama e dos democratas. Sempre que falei com lideranças desse partido e com seus estrategistas eleitorais, me transmitiram a mesma ideia: é preciso ganhar a presidência, o Congresso tanto faz. Os presidentes democratas nunca fazem campanha a favor de candidatos do seu próprio partido, mas os republicanos fazem.
P: O presidente vendeu a si próprio como o homem das mudanças. Traiu seus eleitores?
R: Não. Mas, para efeitos práticos, é como se tivesse traído. Quando Obama ganhou, tínhamos esperança. Eu estava entusiasmado. Pensávamos que seria diferente dos outros democratas. E não foi o caso. Não me interprete mal. Tem sido um presidente muito bom: não houve nenhum grande escândalo; sua reforma na saúde é histórica; e nos tirou das guerras estúpidas em que seu antecessor havia nos metido. Mas não foi capaz de entender seus eleitores.
P: O retorno de Clinton?
R: Ambos cometeram o mesmo erro: cair na chamada triangulação, que não é mais que a ideia de que o presidente deve ser um centralizador e se manter por cima das lutas políticas. Isso limita a possibilidade de fazer mudanças. Não acontece com os presidentes republicanos: eles são conservadores e não pedem desculpas por isso.
P: Você sempre defendeu que, sob aquilo que se denomina guerra da cultura, nos EUA, há motivações econômicas. Quer dizer que as ideologias que identificam os políticos são apenas uma máscara de interesses econômicos. As guerras da cultura são versão atual da luta de classes marxista?
R: São o que o movimento conservador dos Estados Unidos usa para dissimular que defende uma classe – os ricos – mas precisa do apoio de outra – os pobres – para governar. Por exemplo, o conceito de “elites de esquerdas [liberal elite, semelhante à esquerda divina ou à esquerda caviar da França]”, ao qual os republicanos constantemente recorrem, é pura retórica de luta de classes.
P: Os EUA têm a maior desigualdade de renda em 90 anos. Mas é malvisto falar de “classe”, em especial, de “classe operária” ou de “classe trabalhadora”. Em vez disso, usa-se a expressão “classe média” como uma grande caixa onde cabem desde pessoas que beiram a pobreza até milionários. Por quê?
R. Porque a esquerda decidiu assim. Nos anos 50, o movimento sindical norte-americano estava orgulhoso de suas vitórias, já que havia conseguido com que a classe operária conquistasse seus objetivos e aspirações de classe média. Desde então, falar em “classe operária” é um tabu. O problema é que isso é muito confuso, porque é colocar no mesmo saco gente que ganha 15 mil dólares brutos [36.385 reais] por ano e gente que ganha 15 milhões. Claro que os que dirigem as campanhas e escrevem os discursos sabem para quem estão falando.
P: Mas os republicanos também têm um argumento econômico. Dizem que sabem gerir a Administração Pública melhor.
R: O que fazem é privatizar a Administração Pública. Washington se transformou na cidade mais cara dos EUA pela proliferação de contratantes e de consultores de empresas privadas que cobram barbaridades do Estado para fazer tarefas que até então eram das Administrações Públicas.
P: Muitas dessas funções não podem ser realizadas pelas Administrações porque não têm capacidade, nem flexibilidade. Se as agências de qualificação de riscos ou as empresas privadas de espionagem estão com tanto poder é porque o setor financeiro ou a internet estão se expandindo em um ritmo inalcançável pelo Estado.
R: O problema é que essas empresas estão exercendo funções públicas motivadas pelo afã do lucro. Para mim, o mais grave do caso Snowden é que a NSA subcontratava seu trabalho para uma empresa privada, Booz Allen. Essas pessoas fazem o trabalho de espiões, mas fazem por dinheiro. E isso me causa medo, porque lidam com um material muito delicado.
P: Não me diga que, eleitoralmente, a esquerda faz tudo errado e que a direita faz bem.
R: Não, porque esse não é o problema. O problema é quando a esquerda renuncia à economia em favor da tecnocracia. Então, anula a possibilidade de criar mobilização social e, sem mobilização, não há reformas. É algo de que os republicanos sabem muito bem. Grupos como Patriotas, do Tea Party, têm uma capacidade de mobilização muito maior do que qualquer organização democrata.
Segundo Frank, o Partido Democrata ignora os problemas econômicos dos eleitores e tenta evitar ser identificado com posições esquerdistas. Em vez disso, usa uma linguagem tecnocrata e tenta se apresentar como um partido responsável diante do extremismo de seus rivais. Então, o debate se limita a questões sociais e de valores, duas áreas em que os republicanos se movimentam como peixes dentro da água. Frank afirma saber o que está dizendo porque ele mesmo foi criado no Kansas – uma das bases do poder do conservadorismo norte-americano – e inclusive foi militante ativo republicano.
O êxito de What's the matter with Kansas? transformou o autor em uma celebridade nos Estados Unidos, amado e odiado igualmente por democratas e republicanos. Talvez porque, ainda que deteste os republicanos, acredita que são mais eficazes na hora de ganhar eleições. Sua popularidade foi tamanha que, entre 2008 e 2012, foi o vermelho oficial da conservadora seção de opinião do Wall Street Journal. Agora, com Pobres Magnates (Ediciones Sexto Piso), Thomas analisa o Tea Party, movimento que propõe a abolição do Estado de bem-estar do qual, paradoxalmente, se beneficiam grande parte de seus eleitores, que possuem rendas baixas ou médias.
Pergunta: Já passou um ano desde o segundo juramento ao cargo de Obama. Mas toda atenção está centrada nas eleições para o Congresso, em novembro. E quando estas se realizarem, falaremos apenas das eleições presidenciais de 2016. A presidência de Obama está adormecida?
Resposta: De modo geral, sim. Mas isso há muito tempo. A presidência de Barack Obama terminou quando o Congresso aprovou a reforma do sistema de saúde, em março de 2010. Agora mesmo, a grande questão da política dos EUA não tem a ver com a Casa Branca ou com os planos do presidente, mas sim com as possibilidades de os republicanos conquistarem a maioria no Senado em novembro. Isso seria catastrófico para Obama.
P: Pode acontecer?
R: Sim, e em boa parte, por culpa do Obama e dos democratas. Sempre que falei com lideranças desse partido e com seus estrategistas eleitorais, me transmitiram a mesma ideia: é preciso ganhar a presidência, o Congresso tanto faz. Os presidentes democratas nunca fazem campanha a favor de candidatos do seu próprio partido, mas os republicanos fazem.
P: O presidente vendeu a si próprio como o homem das mudanças. Traiu seus eleitores?
R: Não. Mas, para efeitos práticos, é como se tivesse traído. Quando Obama ganhou, tínhamos esperança. Eu estava entusiasmado. Pensávamos que seria diferente dos outros democratas. E não foi o caso. Não me interprete mal. Tem sido um presidente muito bom: não houve nenhum grande escândalo; sua reforma na saúde é histórica; e nos tirou das guerras estúpidas em que seu antecessor havia nos metido. Mas não foi capaz de entender seus eleitores.
P: O retorno de Clinton?
R: Ambos cometeram o mesmo erro: cair na chamada triangulação, que não é mais que a ideia de que o presidente deve ser um centralizador e se manter por cima das lutas políticas. Isso limita a possibilidade de fazer mudanças. Não acontece com os presidentes republicanos: eles são conservadores e não pedem desculpas por isso.
P: Você sempre defendeu que, sob aquilo que se denomina guerra da cultura, nos EUA, há motivações econômicas. Quer dizer que as ideologias que identificam os políticos são apenas uma máscara de interesses econômicos. As guerras da cultura são versão atual da luta de classes marxista?
R: São o que o movimento conservador dos Estados Unidos usa para dissimular que defende uma classe – os ricos – mas precisa do apoio de outra – os pobres – para governar. Por exemplo, o conceito de “elites de esquerdas [liberal elite, semelhante à esquerda divina ou à esquerda caviar da França]”, ao qual os republicanos constantemente recorrem, é pura retórica de luta de classes.
P: Os EUA têm a maior desigualdade de renda em 90 anos. Mas é malvisto falar de “classe”, em especial, de “classe operária” ou de “classe trabalhadora”. Em vez disso, usa-se a expressão “classe média” como uma grande caixa onde cabem desde pessoas que beiram a pobreza até milionários. Por quê?
R. Porque a esquerda decidiu assim. Nos anos 50, o movimento sindical norte-americano estava orgulhoso de suas vitórias, já que havia conseguido com que a classe operária conquistasse seus objetivos e aspirações de classe média. Desde então, falar em “classe operária” é um tabu. O problema é que isso é muito confuso, porque é colocar no mesmo saco gente que ganha 15 mil dólares brutos [36.385 reais] por ano e gente que ganha 15 milhões. Claro que os que dirigem as campanhas e escrevem os discursos sabem para quem estão falando.
P: Mas os republicanos também têm um argumento econômico. Dizem que sabem gerir a Administração Pública melhor.
R: O que fazem é privatizar a Administração Pública. Washington se transformou na cidade mais cara dos EUA pela proliferação de contratantes e de consultores de empresas privadas que cobram barbaridades do Estado para fazer tarefas que até então eram das Administrações Públicas.
P: Muitas dessas funções não podem ser realizadas pelas Administrações porque não têm capacidade, nem flexibilidade. Se as agências de qualificação de riscos ou as empresas privadas de espionagem estão com tanto poder é porque o setor financeiro ou a internet estão se expandindo em um ritmo inalcançável pelo Estado.
R: O problema é que essas empresas estão exercendo funções públicas motivadas pelo afã do lucro. Para mim, o mais grave do caso Snowden é que a NSA subcontratava seu trabalho para uma empresa privada, Booz Allen. Essas pessoas fazem o trabalho de espiões, mas fazem por dinheiro. E isso me causa medo, porque lidam com um material muito delicado.
P: Não me diga que, eleitoralmente, a esquerda faz tudo errado e que a direita faz bem.
R: Não, porque esse não é o problema. O problema é quando a esquerda renuncia à economia em favor da tecnocracia. Então, anula a possibilidade de criar mobilização social e, sem mobilização, não há reformas. É algo de que os republicanos sabem muito bem. Grupos como Patriotas, do Tea Party, têm uma capacidade de mobilização muito maior do que qualquer organização democrata.
O Tea Party diz que Obama destruirá os EUA. A Casa Branca, por sua vez, lança o Acordo de Associação Transpacífico e o negocia em segredo para beneficiar as grandes empresas. Qual das duas ideias é mais atraente diante da opinião pública?
P: Não me negue que os democratas também se consideram mais preparados que seus rivais republicanos.
R: Esse é outro problema. Se você perguntar a qualquer democrata sobre o Tea Party, o que ele vai te responder?
P: Que é um movimento racista cujo catalisador foi um presidente negro.
R: Exato. Essa é uma forma muito cômoda de tirar o corpo fora e não fazer a autocrítica. No entanto, o Tea Party tem algo mais além de uma motivação cultura, racial ou social. Tem uma motivação econômica. Os distritos eleitorais de onde os congressistas conservadores vêm são muito pobres. As pessoas que vivem nessas regiões estão desesperadas. É preciso ter em mente que, para uma parte dos EUA, esta crise não foi uma recessão, mas sim uma depressão, da qual as pessoas ainda não estão saindo e ninguém sabe quando elas sairão. Os republicanos têm políticas que equivaleriam a tornar essa situação perpétua porque consistem em desmantelar o sistema de pensões e o Estado de bem-estar social, mas eles centram sua mensagem em questões sociais. E os democratas são incapazes de oferecer uma alternativa econômica.
P: A ala esquerda democrata, em que você se enquadra, sempre pensa que, se não ganha, a culpa é dos eleitores.
R: Nós democratas transferimos a culpa de nossos fracassos para os eleitores. Bush ganhou porque trapaceou em 2000; o Tea Party é racista; os republicanos mudaram os distritos eleitorais para ter sobre-representação no Congresso...Tudo isso é certo. Mas também é verdade que muitos eleitores conservadores deveriam ser eleitores democratas por razões econômicas. Em vez disso, oferecemos soluções tecnocratas, e ainda reagimos com uma mistura de desprezo e irritação quando votam no Tea Party. Não conhecemos nossos inimigos, nos limitamos a depreciá-los.
P: Nos EUA, muitos têm a convicção de que o Partido Republicano não tem futuro porque está limitado a um grupo de homens brancos com mais de 50 anos.
R: Levamos décadas esperando mudanças demográficas que vão criar uma maioria sólida democrata: a legislação dos direitos civis [que permitiu que os negros votassem em grande parte do país]; a extinção da cultura branca, anglo-saxã e protestante [os chamados WASP]; a redução do voto dos 21 para os 18 anos... isso é confundir desejo com realidade. É certo que o Partido Republicano não pode continuar sendo o partido do homem branco para sempre, e também que os republicanos, agora mesmo, estão prestando um grande serviço a Obama com sua divisão entre conservadores e ultraconservadores. O seu candidato em 2012, Mitt Romney, que tinha tanto carisma quanto um pacote de espaguete, também prestou. Mas isso não vai durar para sempre. Os republicanos já demonstraram saber se adaptar às mudanças da sociedade.
Thomas Frank (1965), doutor em história pela Universidade de Chicago, é colunista da Harper's Magazine e já colaborou com o Wall Street Journal, com Le Monde Diplomatique, The Nation, The Washington Post e In These Times. Importante analista político e sociológico, entre seus livros mais conhecidos, além daqueles mencionados na entrevista, estão The Conquest of Cool (2011) e The Wrecking Crew, How Conservatives Rule (2008).
Créditos da foto:
Pete Souza/TWH
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