sábado, 8 de fevereiro de 2014

Portugal: 40 ANOS DO 25 DE ABRIL. QUE FAZER?

 


Carvalho da Silva – Jornal de Notícias, opinião
 
Nos seus diálogos, conferências e escritos sobre o que é um povo, nas suas dimensões individual e coletiva, e sobre os caminhos a encetar para ir construindo o futuro, José Saramago criou e utilizou, inúmeras vezes, uma síntese extraordinária: "Somos a memória que temos e a responsabilidade que assumimos. Sem memória não existimos, sem responsabilidade talvez não mereçamos existir".
 
O dia 25 de Abril de 2014 aproxima-se e o conjunto de iniciativas que se conhecem em torno da evocação dos 40 anos de um dos acontecimentos mais marcantes da história de Portugal, é, na minha opinião, pobre e desconexo, apesar de significativos esforços que algumas organizações, instituições e forças políticas - as que não se submetem - estão a desenvolver.
 
Abril foi liberdade e soberania para os portugueses e para outros povos, foi a afirmação de dignidade humana, de igualdade, de democracia vivida e instituída, foi dizer não à guerra e ao belicismo, foi progresso social e cultural, foi desenvolvimento efetivo da sociedade portuguesa. A Revolução de Abril foi tomada como exemplo na Europa como noutras paragens do Mundo, como uma demonstração da capacidade de um povo se libertar e concretizar profundas transformações progressistas da sociedade de forma criativa, participada e pacífica.
 
Abril foi também combate político aceso e duro. Exposição e gestão de muitas contradições próprias da ação empreendedora dos seres humanos. Abril desafia-nos à afirmação e não à subjugação da política: da participação do povo e do respeito pelo seu poder soberano.
 
Há que tudo fazer para não voltarmos ao tempo de um país de gente submetida, maltratada e prisioneira num espaço que é o seu. O tempo de imensa pobreza de toda a ordem e da vergonhosa exaltação da pobreza, de ausência de direito à saúde, ao ensino, a condições de higiene ou de proteção social, não pode voltar.
 
Abril abriu enormes portas. Acima de tudo, tocou os portugueses e portuguesas. Chamou-nos a todos, novos e mais velhos, para uma participação coletiva capaz de mover montanhas. Recordo-me das primeiras assembleias populares que começaram a acontecer na minha aldeia e nas aldeias vizinhas, com a participação de militares e não só, onde se discutia o que fazer. Participava toda a gente. Camponeses, que jamais saíam de casa e do seu trabalho, para participar em qualquer ato coletivo que não fosse a missa e, esporadicamente uma romaria, ali estavam expectantes e a pensar como construir novos planos de vida.
 
A todos os que amam a liberdade, a democracia e o progresso se impõe o desafio de dar contributos para que a memória de Abril, a memória de um longo percurso coletivo de um povo, não seja enxovalhada. No atual contexto em que vivemos, emerge a responsabilidade de revitalizar o combate social e político que sustente novos rumos para o país.
 
O Governo e os partidos que o suportam são dominados por gente que abomina os valores fundamentais do 25 de Abril. O seu apego à democracia é apenas o inerente à sua condição de parasitas da democracia. Sugá-la-ão até a secarem, se lhes for dado tempo para executar a tarefa. Hoje, tudo o que foi construção coletiva para o todo da sociedade está a ser destruído e individualmente cada português e cada família ficam mais pobres, mais isolados e desprotegidos.
 
Temos um presidente da República que coloca como referência maior do percurso destes 40 anos de democracia a "presença" de Portugal na Europa, escamoteando o facto de termos um país a caminhar para o amorfismo e a subjugação total, integrando uma União Europeia (UE) cujo rumo descambou perigosamente e onde o cheiro a enxofre vai aumentando. Neste Portugal concreto, primeiro fora da UE e depois integrado, foi a concretização de valores de Abril que nos permitiu alcançar níveis elevados de desenvolvimento humano em áreas vitais.
 
Sem populismos, com humildade e respeito recíproco, as forças progressistas e os democratas deste país têm de começar a instabilizar as suas consciências. É possível fazer frente a estes bloqueios, correr com esta política e com estes governantes.
 

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