Daniel Oliveira –
Expresso, opinião
A semana passada o
comissário Olli Rehn veio reafirmar a "narrativa" de que se fala: se
Portugal tivesse pedido ajuda um ano antes (em 2010) hoje estaria bem melhor. E
ainda mais preparado para regressar aos mercados em bom estado. Compreendo o
papel destas declarações para efeitos de propaganda. Mas seria bom que tivessem
uma relação com os factos. Na "narrativa" deste governo e do senhor
Olli Rehn, o resgate aconteceu porque o Estado português se endividou de tal
forma que já não podia pagar o que devia. Pelo menos não podia pagar com o
crescimento que o País tinha. É isto, não é?
Então vejamos. Em
2010, a nossa dívida pública correspondia a 94% do PIB. Hoje é 129%. Sabemos
que, para a dívida chegar aos 60% do PIB, como nos é exigido, teríamos de ter
um crescimento económico médio de 4% nas próximas três ou quadro décadas.
Sempre. E sempre com juros da dívida simpáticos. Alguém no seu prefeito juízo
acredita nisto? Se a nossa dívida é ainda mais impagável do que era, o que
mudou? Dirão, o problema não é a dívida, é o crescimento que a pode sustentar.
Perdão, mas em 2010, quando supostamente deveríamos ter pedido ajuda - em
contraste com este momento em que vivemos, que até podemos debater se
regressaremos aos mercados sem rede ou optamos por um programa cautelar - o
nosso crescimento era de 1,94. Em 2013 deve ter caído 1,5 e as versões mais
optimistas dizem que cresceremos 0,8 em 2014. Ou seja, o crescimento muito
menos prometedor do que em 2010 para garantir a sustentabilidade da nossa
dívida.
A dívida é maior, o
crescimento que a pode pagar é ainda mais anémico. Mesmo o défice, já agora,
era mais alto em 2010, mas estava em linha com o défices extraordinariamente
altos da generalidade dos países europeus nesses primeiros anos de crise.
Quanto à divida privada (das empresas e das famílias), que sempre foi o nosso
verdadeiro problema, tirando pequenas variações, nada de substancial mudou.
O que mudou,
realmente, foram as taxas de juro. E foi por causa delas que, em 2011, Portugal
foi obrigado a aceitar a intervenção externa.E essas são, de facto, hoje, muito
mais baixas. Se bem que estamos a falar de taxas nominais. A queda da inflação
a que temos assitido acaba por anular estes ganhos, mantendo as taxas reais
quase inalteradas. Seja como for, perante a maior dívida desde que entrámos no
euro e um dos piores crescimentos económicos, temos as taxas de juro mais
baixas da década. Porque fizemos as reformas estruturais e os mercados, sempre
sábios e atentos, apreciaram? Claro que não. Não fizemos qualquer reforma estrutural
importante e os mercados estão-se nas tintas para isso. Se os mercados olhassem
com atenção para a nossa dívida e para a nossa economia as nossas taxas de
juros estariam nos píncaros. Pelo menos, muito mais altas do que em 2010.
A única diferença
para os mercados é que as instituições internacionais, que através do
"resgate" assumiram a "tutela" da nossa dívida, garantem
uma intervenção externa permanente dos credores - seja por via da troika, de planos
cautelares ou de regras europeias - que tirará daqui tudo o que puder tirar
para pagar o que devemos. E o mais que ainda vamos dever. Essa é a sua
segurança e essa é a razão porque as nossas taxas de juro acompanham muito mais
as variações do que acontece na Europa do que em em Portugal.
Dizer que é isto, e
não a recuperação do país, que garante que continuaremos a financiar-nos nos
mercados estraga a história de Olli Rehn e do governo. Na realidade, parece que
estamos tanto melhor para os mercados quanto pior vamos ficando. Parece não haver
problema se devermos mais do que devíamos e crescermos menos do que crescíamos.
Desde que cá esteja alguém para transformar o país num produtor para pagar uma
dívida que está sempre a ser paga e sempre a crescer. Garantido uma
transferência permanente de recursos da nossa economia para os credores.
Eternamente, se necessário for. É por isso que não vale a pena continuarmos a
enganar-nos com as pequenas oscilações dos juros e de cada pequeno indicador.
Ou cortamos o ciclo vicioso (e será doloroso), ou nosso futuro está traçado.
Nenhum país saiu do ciclo infernal de dívidas impagáveis sem as reestruturar
radicalmente.
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