Silvio Caccia Bava –
Le Monde Diplomatique (br), editorial
Muito antes de
analisarmos as instituições políticas – governos e partidos políticos –, que na
democracia são os instrumentos de exercício do poder, é preciso reconhecer que
esses governos e partidos são sustentados por recursos, valores e uma cultura
profundamente arraigada na sociedade.
Quando os
imigrantes são criminalizados, a pena de morte é defendida, as discriminações
de todo tipo – raciais, religiosas, de gênero, por exemplo – reafirmam
desigualdades, a sociedade mostra sua cultura autoritária e excludente.
Mas seria injusto
atribuir a toda a sociedade esse mesmo comportamento, como se ela fosse
homogênea, feita de iguais. Na realidade, é sempre uma sociedade em disputa, na
qual há oprimidos e opressores. E esses opressores se valem de numerosos instrumentos
para difundir seus valores e ganhar a adesão das maiorias. Isso se chama
ideologia: a narrativa dos opressores que justifica e legitima a opressão.
A escola, as
igrejas, a televisão, o cinema e os jornais atuam sobre a opinião pública
reconstruindo a todo momento a narrativa dos poderosos, criando novas versões
para reafirmar seus valores e interpretar o que vivemos.
Quando os poderosos
do momento são os bancos, os donos do capital, esse discurso assume os valores
do capitalismo financeiro e passa a exaltar a disputa, o egoísmo, o
individualismo, o desejo de acumular sem limites, a destruição do concorrente,
a vitória sobre os demais. Uma proposta de vida que é um estado de guerra
permanente.
Nesse caldo de
cultura, se podemos chamar assim, é que se exercem os pequenos e os grandes
poderes; as relações assimétricas que ocorrem na família, no trabalho, nos
espaços públicos, recriando sociedades autoritárias, hierárquicas,
centralistas, verticais.
E nessa condição de
convivência humana, o instrumento de defesa das maiorias é a democracia, por
meio de instrumentos públicos de regulação e controle dos interesses privados.
Mas mesmo a democracia é desafiada e, na maior parte dos casos, submetida aos
interesses dos poderosos.
Reconquistar a
liberdade, a autonomia e a capacidade de decidir sobre a vida cotidiana e os
destinos da coletividade é enfrentar esses pequenos e grandes poderes. Isso
significa disputar no dia a dia os sentidos da democracia.
Vamos discutir
esses temas nesta edição.
Silvio Caccia Bava
- Diretor e editor-chefe do Le Monde Diplomatique Brasil – imagem Samuel
Casa
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