sábado, 1 de março de 2014

A PÁTRIA GRANDE DA HUMANIDADE



Rui Peralta, Luanda

I - Os recentes acontecimentos na Venezuela mergulharam o país em mais uma crise. A elite venezuelana, com o apoio de Washington, encabeça uma acção desestabilizadora por todo o país, tendo como objectivo o derrube do governo de Maduro. Henrique Caprilles, Leopoldo Lopez, António Ledezma e Maria Corina, os lideres políticos desta acção, partem do principio que o governo liderado por Nicolas Maduro não tem a mesma capacidade de resistência que o governo de Chávez, quando da tentativa de golpe de 2002.

O governo bolivariano da Venezuela é consequência da profunda crise dos últimos anos do século XX, que abriu caminho a alternativas e projectos autónomos na América Latina. Em 2002 – ano a que a direita venezuelana tentou derrubar Chávez - a guerra económica levada a cabo pelos sectores direitistas e pelos USA, provocou uma acentuada queda da economia venezuelana, colocando-a aos níveis de 1991. O cenário para o golpe de Estado ganhou forma com a queda acentuada do PIB. O desemprego atingiu cerca de 21% da população activa e a taxa de inflação era de 32%, segundo o Banco Central da Venezuela.

A direita venezuelana aposta na desestabilização política e económica como arma, utilizando a acumulação e a destruição de bens de primeira necessidade para gerar a subida dos preços, não se coibindo da práctica de actos de vandalismo. Mas o vandalismo da oposição é omisso pela indústria mediática, que apenas relata a violência repressiva do Estado e a inflação. A direita venezuelana executou em 1992 – e executa actualmente - uma política de “terra queimada”.

Hoje o Estado Bolivariano está mais robusto e os processos de transformação estão consolidados. Há controlo sobre os rendimentos petrolíferos, mais mecanismos controladores no acesso às divisas e o processo bolivariano tem mais presença no aparelho produtivo e nos meios de comunicação social. Também é maior o controlo sobre as Forças Armadas. Por outro lado em 12 anos o povo venezuelano ganhou consciência política, conquistou direitos sociais e não está desposto a retornar á situação de exclusão social, desigualdade e submissão, vivida no passado. E a direita é identificada com o passado, pelo eleitorado de menores rendimentos identifica a direita.  
        
II - A indústria mediática sempre caluniou o governo e o processo bolivariano de transformação e desenvolvimento da Venezuela. Estas calúnias estão inseridas numa estratégia de guerra psicológica de baixa intensidade, cujo objectivo consiste na desestabilização. Através da manipulação e da mentira foi criado um cenário alienatório que intoxicou e poluiu a imagem do governo venezuelano e das suas políticas. A realidade foi descontextualizada e os problemas que afectam a sociedade venezuelana foram deturpados, principalmente as matérias económicas.    
 
O vínculo ideológico dos proprietários dos meios de comunicação social - e a sua condição de proprietários - explicam o posicionamento assumido por estes órgãos em relação ao processo bolivariano de emancipação nacional e este ambiente é uma constante em toda a América Latina. Um exemplo típico da posição (e do baixo nível) destes proprietários é transmitido pela Directora-Geral do El Comércio, um periódico equatoriano, que em 2009 afirmou aos seus empregados: “Todos ustedes tienen su trabajo aquí, firme y seguro, pero si me hacen política dentro de la empresa ahí sí les digo: reaccionaré, aunque sea de la tumba. Si ustedes quieren ser socialistas del Siglo XXI, háganlo, pero están prevenidos, vayan a hacerlo a su casa.”

O papel da “Sociedad Interamericana de Prensa” (SIP), um grémio de figuras grotescas, proprietários de órgãos de comunicação social da região, tem sido fundamental na campanha contra o processo bolivariano. Periódicos venezuelanos como o El Universal e do El Nacional, ou como o equatoriano Hoy (qualquer dos proprietários destes órgãos são membros influentes da SIP), financiam a Acção Democrática e Henrique Caprilles Radonski, o líder da oposição golpista. 

Os USA decretaram uma guerra económica ao governo da Republica Bolivariana da Venezuela, utilizando a burguesia nacional como ponte principal no estabelecimento de condutas desestabilizadoras, aproveitando o descontentamento das classes médias, receosas de um eventual processo de proletarização ou de um comportamento demasiado “socialista” por parte do governo. Desde 2001, ano em que a Assembleia Nacional aprovou um pacote de 49 leis, elaboradas pelo governo do Presidente Chávez, que beneficiavam a soberania popular e reforçavam a soberania nacional, que a burguesia nacional e o imperialismo empreenderam uma brutal campanha de difamação e desestabilização. A reforma agrária, a soberania sobre os recursos (incluindo, claro, o petróleo), a protecção á pesca artesanal, o ordenamento sustentável do litoral, o cooperativismo, a cogestão, a autogestão, o controlo operário, etc., petrificaram as burguesias e oligarquias da região e provocaram a habitual reacção esquizofrénica dos USA.

Em 2002 o golpe foi a resposta dos sectores oligárquicos da sociedade venezuelana á Lei da Terra, á Lei da Pesca, á Lei dos Hidrocarbonatos e às conquistas dos trabalhadores nas empresas. Até á proclamação dos princípios da reforma agrária, 8 famílias latifundiárias possuíam 150 mil hectares de terreno. Muitos dessas terras não eram trabalhadas e grande parte dos latifundiários não podiam comprovar a legitima propriedade das terras, sendo muitos deles possuidores de títulos falsos. A lei travou estas situações, estabeleceu impostos sobre as terras não trabalhadas e estabeleceu um conjunto legislativo para fortalecimento do movimento de camponeses, da segurança alimentar e do desenvolvimento do aparelho produtivo rural, levando á criação de cooperativas e de unidades colectivas de produção, assim como á ajuda financeira e técnica.

A Lei da Terra possibilitou a repartição equitativa da terra, através do Instituto Nacional de Terras. A Lei da Pesca fixou os limites para a pesca industrial e de arrasto, reduzindo os danos provocados por essas actividades no ecossistema marítimo e protegendo os tripulantes das embarcações pesqueiras, reconhecendo os seus direitos sociais e laborais, para além de criar uma serie de medidas destinadas a proteger a pesca artesanal e a figura do pescador artesanal, mas foi a Lei dos Hidrocarbonados, através da qual a Venezuela recuperou o petróleo, que afectou profundamente dois interesses simultaneamente complementares (pela função desempenhada) e contrários ao processo de desenvolvimento bolivariano: o sector petrolífero norte-americano e os “meritocratas” nacionais da PDSVA, a estatal petrolífera venezuelana.

Os USA ao verem os seus interesses afectados recorreram ao financiamento das actividades de sabotagem e desestabilizadoras da democracia bolivariana. George Tenet, que durante a administração Bush filho foi director da CIA, manifestou em 2002, perante a Comissão de Inteligência do Senado dos USA, a sua preocupação com os acontecimentos na Venezuela e considerou que era necessário “agir” de forma a “repor a normalidade”. A “preocupação” da CIA explica-se pelo facto de a Venezuela ser o país com maiores reservas petrolíferas mundiais. A sua produção representa cerca de 18% da produção mundial (296 mil e 500 milhões de barris, segunda a BP e 297 mil 570 milhões de barris segundo o Ministério do Poder Popular para a Energia e Petróleo da Venezuela). Por isso os USA delinearam um programa de desestabilização (e de ingerência e eventual agressão) que engloba acções concertadas de guerra económica e de guerra mediática, colocando a oligarquia venezuelana na “linha da frente” do combate travado contra as transformações em curso.

O governo venezuelano flexibilizou o controlo de preços e eliminou impostos sobre as transacções financeiras, para incentivar o empresariado a investir, mas a burguesia nacional (sector que deve pouco á inteligência, por isso continua a estar prisioneira do mercado nacional, com a agravante de fazer leituras erradas da situação, o que a torna súbdita da burguesia norte-americana, sendo sua parceira menor e sócia minoritária) prefere colocar o dinheiro fora do país e leva a cabo uma camuflada “greve de capitais” com o objectivo de afectar a economia venezuelana. As organizações patronais (FEDECAMARAS, CONSECOMERCIO e VENAMCHAM) promovem o boicote económico, adoptando a mesma estratégia que os seus correligionários efectuaram no Chile, na década de 70, contra o governo popular liderado por Salvador Allende.

Neste contexto não pode haver conciliação, ou regresso á estabilidade política e económica. A propaganda, a toxidade da informação, a produção e difusão de imagens e de notícias destinadas a influenciar as consciências e os comportamentos, a imposição subtil e camuflada de valores e de posicionamentos “éticos” que conduzem os sectores indecisos da população (as camadas pequeno-burguesas) á identificação com esses pressupostos (e preconceitos), são a ponta visível do icebergue da violência simbólica produzida pelos meios de propaganda (ou seja pela industria mediática). Pretendem, com esta guerra mediática, os USA e as elites venezuelanas, persuadir e angariar apoiantes. É uma acção que tem mais carácter apelativo que discursivo e um alto grau de “envenenamento”.
        
III - Os protestos já provocaram dezenas de mortos. Na passada semana Leopoldo Lopez (líder direitista, 42 anos, licenciado pela Harvard Kennedy School. Foi membro fundador do Primero Justicia – um partido financiado pela USAID e pelo NED - que abandonou depois da sua mãe ter sido acusada de corrupção, devido a fundos da estatal petrolífera, da qual era funcionária, desviados para o novo partido) foi detido pelas autoridades, acusado de incitar á violência e três funcionários da embaixada dos USA foram expulsos, por apoiarem a oposição. Lopez lidera agora o Partido da Vontade Popular e em conjunto com outros líderes direitistas, como Maria Corina Machado, António Ledezma, e Henrique Caprilles (que foi o candidato da direita nas últimas eleições), organizou o actual conjunto de protestos, que têm como objectivo criar condições para um eventual golpe de estado.

Lopez é um personagem atribulado, um típico militante da nova direita sul-americana (uma mistura de neoliberalismo, populismo, com princípios orientadores da extrema-direita e do discurso fascista) que durante o golpe de 2002 perseguiu apoiantes de Chávez e proclamava aos céus que os ministros “chavistas” deveriam ser julgados nas ruas. Conhecidas estas atitudes e adicionadas às histórias de família, sempre relacionadas com corrupção, não deixa de ser cómico ver a sua nova imagem de “activista pelos direitos” e ouvir os seus discursos reivindicando a justiça, a luta contra a corrupção e a democracia (alias este tipo de personagem pode ser visto também nos recentes acontecimentos na Ucrânia, ou nas imagens da Síria, passadas nos meios de propaganda internacional, quando filmam os “combatentes da liberdade”).

A esposa de Lopez afirmou recentemente que o governo tentou assassinar o seu esposo e que este corre perigo de vida (aqui em Angola já ouvimos muitas dessas historietas que de vez em quando correm por alguns serviços noticiosos internacionais, como aquela reportagem recentemente passada pela al-Jazera com quase uma hora de duração, falando das “actividades repressivas do regime angolano” e referindo como os “jovens revolucionários correm perigo de vida e são torturados pelo infame regime de José Eduardo dos Santos, que governa impunemente já lá vão 32 anos”, ou, para as mentes menos conturbadas, as fábulas contadas pelo Rafael Marques e outros personagens camaleónicos), o que contrasta com a forma como a detenção de Lopez foi efectuada, bastante generosa e acompanhada pelos órgão de comunicação social nacionais e estrangeiros, sendo permitido ao detido efectuar declarações aos jornalistas e responder às perguntas que estes colocavam. Por sua vez a administração Obama parece contente com Lopez e apoia cada vez mais abertamente a oposição venezuelana, ultrapassando os financiamentos cedidos pela administração Bush filho.
       
A indústria mediática vende a imagem de uma Venezuela onde bens alimentares escasseiam, a taxa da inflação é galopante e a insegurança assume proporções dantescas. O que não relatam é que as associações mafiosas (todas relacionadas com o tráfico de drogas) fortaleceram o seu arsenal nos últimos anos e estabeleceram com as Confederações e Associações Patronais um cartel, em tudo idêntico ao que funcionou no Chile de Allende, pouco antes do golpe de Pinochet e que levou ao açambarcamento de bens alimentares, originando subidas incontroladas de preços e o descontentamento das classes médias que vieram para as ruas baterem nos tachos e panelas, até Pinochet assumir o poder através do golpe de estado.

Outro factor que não é divulgado é o facto do processo democrático de desenvolvimento em curso não ser um processo individualizado, personalizado em torno de Chávez ou de Maduro, mas sim um processo cujas fundações são constituídas por milhões de cidadãos, que constroem uma democracia profunda e directa, que constroem movimentos sociais, organizações, conselhos de trabalhadores, de estudantes e de camponeses e de órgãos onde se fazem ouvir as vozes das comunidades indígenas. Esta imagem da Venezuela não é divulgada pela indústria mediática, que prefere filmar os playboys da elite de Caracas, os latifundiários, as vicissitudes da classe media que não sabe como vai pagar as dívidas acumuladas no banco, as misses, os empresários e outros sectores bem cheirosos da sociedade venezuelana.

IV - Em Montevideo reuniu-se o PARLASUL, o parlamento do MERCOSUL, que aprovou uma declaração que exorta ao diálogo para terminar com a violência na Venezuela. É evidente que o diálogo é sempre necessário, mas só será possível quando a oposição abandonar a violência e deixar de esforçar-se por causar um golpe de Estado. O diálogo, numa sociedade democrática, dá-se entre forças que funcionam em princípios constitucionais. Quando se está a tratar com bandos armados e com gangues a lei tem de ser aplicada e aí o diálogo resume-se á leitura dos direitos dos agentes desestabilizadores que forem levados a tribunal.

O PARLASUL exorta ao diálogo, mas tem de ter em conta com quem irá o governo venezuelano dialogar. Com o embaixador dos USA em Caracas? Com o palavroso Kerry? Com Obama? Ou será que o PARLASUL está a exortar o governo venezuelano a dialogar com quem tem de levar a tribunal? Será que o PARLASUL está a pactuar com Washington e com a grande mentira fabricada na Casa Branca e divulgada pela BBC, CNN, Washington Post, New York Times e outros parentes (ricos e pobres, sendo dentro destes últimos de referir as mentecaptas palavras divulgadas por algumas rádios angolanas e as analfabetas letras escritas em alguns jornais de Angola, sendo essas palavras ditas e letras escritas o espelho da idiotice – prefiro pensar que seja por idiotice e não por um qualquer acto “empreendedor” dos próprios, pago em dólares - acumulada nas dunas do deserto intelectual e académico nacional).   
 
Existem dois exemplos que devem ser levados em conta na História do tratamento de oposições violentas contra governos legítimos (ou seja governos que são decisão e vontade da soberania popular): Cuba e o Chile. A resposta dada pelo governo cubano frente aos ataques violentos, fomentados pelos USA, acabou com o terrorismo e consolidou a revolução cubana; outro foi o destino de Allende que tolerou a oposição violenta, sendo derrubado por um golpe de Estado sanguinário, que mergulhou o país numa feroz ditadura fascista. O meio-termo apenas reside no espelho de Alice, onde se localiza o Pais das Maravilhas. 

V - Enquanto, na Venezuela, as soberanias popular e nacional estão debaixo de fogo, no Brasil o Movimento dos Sem Terra (MST), após três décadas de luta pela reforma agrária, realizou o 6º Congresso (de 10 a 14 de Fevereiro), que efectuou um balanço do caminho empreendido, passo essencial para compreender a nova realidade e seguir em frente. Aliás este Congresso do MST é realizado no âmbito de uma das consignas do Movimento: Transformar transformando-se.

Participaram no Congresso entre 12 mil a 15 mil delegados e os trabalhos decorreram na mais solida organização, assente na tradicional disciplina deste Movimento de camponeses. Um enorme acampamento, autogerido e com todos os serviços, albergou os delegados, que antes do final do Congresso marcharam até ao Palácio do Planalto entrando em confronto com a Policia, sendo, após os confrontos, recebida uma delegação pela presidente Dilma Roussef.

O MST acusa o governo brasileiro de ter paralisado o assentamento de camponeses e Dilma, que reuniu pela primeira vez com o MST, comprometeu-se a melhorar este ponto. O ponto principal do conflito prende-se com o facto dos governos do PT adiarem sucessivamente a reforma agraria e terem optado pelo agronegócio, esquecendo os compromissos com os camponeses pobres. O Brasil converteu-se em 2013 no maior produtor mundial de soja, com uma colheita recorde de 90 milhões de toneladas e atribuiu às empresas de agronegócios e da agroindústria uma linha de crédito de 10 mil e 400 milhões de USD, para a construção de silos.
 
Este facto coloca o MST numa encruzilhada. A reforma agrária está bloqueada e saiu da agenda política, enquanto o agronegócio avança com os apoios milionários do governo federal. Por sua vez a opinião pública, influenciada pelos resultados positivos transmitidos em alta voz pelos grandes órgãos de comunicação social (muitos deles propriedade dos mesmos grupos que financiam ou administram empresas do sector do agronegócio), apoia a política governamental de capitalização da agricultura, esquecendo as revindicações dos camponeses pobres e a necessidade para o futuro (esta é uma reforma estruturante) da reforma agraria.

No Brasil os grandes fazendeiros e latifundiários são transformados em parceiros das multinacionais do agronegócio (existe uma minoria que tenta penetrar nos mercados internacionais pelo seu próprio pé, mas acaba por ceder ás parecerias com as multinacionais do sector, para conseguirem expandir os seus negócios), porque é uma camada parasitária e porque o Estado não tem a capacidade de colocar a burguesia rural perante uma situação em que para sobreviver teria de produzir. O logico seria os governos do PT terem avançado com a reforma agrária e terem definido as áreas agroindustriais, de forma a praticarem modelos de inclusão e criarem modelos de competição efectiva, não esbanjando subsídios para o sector privado (que desta forma salvaguarda o seu investimento) e apoiando os sectores da reforma agrária através da introdução de novas tecnologias na produção tradicional.

Esta política permitiria criar um sector nacional de agronegócio, robusto o suficiente para penetrar nos mercados internacionais e concorrer, a nível externo, com as multinacionais. Por sua vez os camponeses pobres poderiam ser instalados e apoiados no exercício da sua actividade de forma a criarem uma rede abastecedora do mercado interno, por eles autogerida. O país ficaria com dois sistemas de produção: um baseado na capitalização da terra (e virado, na sua maioria para a exportação) e outro baseado na socialização da terra (mais debruçado sobre o mercado interno). Para trás ficariam o parasitismo latifundiário e a venda das terras e dos recursos agrícolas às multinacionais. Mas o agronegócio é um investimento atractivo e as empresas multinacionais agroindustriais pagam “primes” compensadoras que levam facilmente á corrupção dos governantes e á mudança dos objectivos políticos.

As dinâmicas deste processo, a longo prazo, obviamente revelarão novas contradições (são dois interesses contraditórios que coexistem no mercado, logo estes processos são geradores de tensões) e obrigarão a repensar processos. O que constitui a essência do desenvolvimento é a contradição e o conflito. Da resolução harmoniosa (e não conciliatória) destas tensões depende o êxito do processo.    

VI - O MST tem, ainda, outros problemas, para além dos governantes que gostam de viver bem e vendem (em conjunto com as parasitarias elites latifundiárias) vastas áreas do país às multinacionais do agronegócio. As famílias sem terra dispostas a lutar pela terra são cada vez menos, sendo este fenómeno facilmente detectado nas regiões centro e sul do Brasil e a administração Dilma têm reduzido substancialmente o número de famílias assentadas (em 2011 apenas foram assentadas 22 mil famílias, o numero mais baixo dos últimos 20 anos).

Em 2012 o MST iniciou um processo colectivo de debates, encontros, seminários e cursos, que envolveram milhares de camponeses, de forma a provocar alterações nas estruturas produtivas e organizativas dos assentamentos. O objectivo é tornar cada vez mais eficazes as estruturas dos assentamentos e combater a expansão do agronegócio, conduzida pelas multinacionais e que provoca um aumento desmedido dos preços das terras, tornando inviáveis as expropriações efectuadas pelo Estado.

O agronegócio assenta na logica da monocultura, como a da soja, cana do açúcar e eucalipto, para a produção de rações, combustíveis e papel, em detrimento das culturas alimentares. Uma boa parte do arroz e do feijão, dois componentes principais da dieta alimentar brasileira, é agora importada do México e da China, porque as parcelas que produziam estes produtos foram transformadas pelo agronegócio e pelos métodos agroindustriais.  
   
 Este quadro criou a necessidade de o MST lutar, agora, pela soberania alimentar, produção diversificada e agroecologia, ao mesmo tempo que pretende provocar transformações nos assentamentos e nas infraestruturas rurais, através da criação de escolas, postos de saúde e espaços de ócio, cultura e recreio. Também tomou contornos decisivos a luta contra a Medida Provisória 636, que inclui uma disposição que pretende terminar com as conquistas alcançadas pelos MST. Segundo essa disposição, as terras dos assentados pela reforma agrária – até agora propriedade pública, com direito ao usufruto pelas famílias – serão tituladas como propriedade privada e as suas parcelas poderão ser vendidas. A 636 foi promovida pelo governo de Fernando Henriques Cardoso e continuada pelas duas administrações Lula, que não conseguiram consensos internos para a sua execução.

A Medida Provisória 636 baseia-se no seguinte argumento: ao conceder o título de propriedade, o agricultor deixaria de estar dependente do governo e das políticas públicas. É evidente que muitas famílias desejam ter um título de propriedade, mas esse é um problema que pode resolver resolvido através de um título de concessão de uso da terra, que não permite o direito a vender, mas permite a herança. Ora a opção governativa, como não tem intenções de resolver o problema da terra e a inovação e desenvolvimento da produção e das estruturas rurais, aposta em políticas especulativas que permitam o aumento da concentração de terra.  

VII - O processo bolivariano de transformação e de desenvolvimento em curso na Venezuela (acompanhado de perto pela Revolução Cidadã no Equador e pela Bolívia) e a luta travada pelo MST no Brasil são exemplos das lutas que se travam na América Latina e que implicam formas diversificadas de participação e de decisão. Num período conturbado como o actual, em que assiste-se a uma ofensiva contra as soberanias nacionais e populares (Ucrânia, Síria e as agressões constantes aos Estados africanos) e ao espezinhar dos direitos mais elementares dos povos, grupos sociais e indivíduos, a América Latina permanece na vanguarda das lutas emancipadoras e na procura de alternativas transformadoras, conducentes a um mundo melhor.

As elites imperiais e os seus agentes regionais esquecem-se (ou talvez ignorem, simplesmente) daquelas linhas escritas por Shakespeare que relembram que existe algo mais entre o céu e a terra do que pressupõem as vãs filosofias…Nem só os drones imperiais percorrem os céus (também os céus são percorridos pelas aves anunciadoras da paz e da esperança) e na terra, onde as vãs filosofias pretendem que o dinheiro imponha a alienação geradora da humilhação ao próximo e da exclusão do outro, também os Homens provam que afinal resiste-se, transforma-se e constroem-se novos mundos neste mundo (é a terra revolvida pela força do Homem, acto básico de inconformismo e de necessidade de transformar, que fornece o pão nosso de cada dia).

E até os mares, salgados pelas lágrimas dos escravos que os atravessaram, podem ser transformados em oceanos de solidariedade, sendo as espumas das ondas o vigor do Homem que aspira á Humanidade.
                 
Fontes
Segovia, Dax Toscano Propaganda y Manipulacion Mediática contra el régimen Bolivariano Venezolano y sus Politicas Economicas por parte de Los Periódicos Hoy y El Comércio de Equador Instituto de Investigación de la Facultad de Comunicación Social, Universidad Central del Ecuador, Quito, 2014
Ciccariello-Maher, George We Created Chávez: A People’s History of the Venezuelan Revolution Drexel University, Philadelphia, 2013

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