Rui Peralta, Luanda
I - Os recentes
acontecimentos na Venezuela mergulharam o país em mais uma crise. A elite
venezuelana, com o apoio de Washington, encabeça uma acção desestabilizadora
por todo o país, tendo como objectivo o derrube do governo de Maduro. Henrique
Caprilles, Leopoldo Lopez, António Ledezma e Maria Corina, os lideres políticos
desta acção, partem do principio que o governo liderado por Nicolas Maduro não
tem a mesma capacidade de resistência que o governo de Chávez, quando da
tentativa de golpe de 2002.
O governo
bolivariano da Venezuela é consequência da profunda crise dos últimos anos do
século XX, que abriu caminho a alternativas e projectos autónomos na América
Latina. Em 2002 – ano a que a direita venezuelana tentou derrubar Chávez - a
guerra económica levada a cabo pelos sectores direitistas e pelos USA, provocou
uma acentuada queda da economia venezuelana, colocando-a aos níveis de 1991. O
cenário para o golpe de Estado ganhou forma com a queda acentuada do PIB. O
desemprego atingiu cerca de 21% da população activa e a taxa de inflação era de
32%, segundo o Banco Central da Venezuela.
A direita
venezuelana aposta na desestabilização política e económica como arma,
utilizando a acumulação e a destruição de bens de primeira necessidade para
gerar a subida dos preços, não se coibindo da práctica de actos de vandalismo.
Mas o vandalismo da oposição é omisso pela indústria mediática, que apenas
relata a violência repressiva do Estado e a inflação. A direita venezuelana
executou em 1992 – e executa actualmente - uma política de “terra queimada”.
Hoje o Estado
Bolivariano está mais robusto e os processos de transformação estão
consolidados. Há controlo sobre os rendimentos petrolíferos, mais mecanismos
controladores no acesso às divisas e o processo bolivariano tem mais presença
no aparelho produtivo e nos meios de comunicação social. Também é maior o
controlo sobre as Forças Armadas. Por outro lado em 12 anos o povo venezuelano
ganhou consciência política, conquistou direitos sociais e não está desposto a
retornar á situação de exclusão social, desigualdade e submissão, vivida no
passado. E a direita é identificada com o passado, pelo eleitorado de menores
rendimentos identifica a direita.
II - A indústria mediática
sempre caluniou o governo e o processo bolivariano de transformação e
desenvolvimento da Venezuela. Estas calúnias estão inseridas numa estratégia de
guerra psicológica de baixa intensidade, cujo objectivo consiste na
desestabilização. Através da manipulação e da mentira foi criado um cenário
alienatório que intoxicou e poluiu a imagem do governo venezuelano e das suas
políticas. A realidade foi descontextualizada e os problemas que afectam a
sociedade venezuelana foram deturpados, principalmente as matérias
económicas.
O vínculo
ideológico dos proprietários dos meios de comunicação social - e a sua condição
de proprietários - explicam o posicionamento assumido por estes órgãos em
relação ao processo bolivariano de emancipação nacional e este ambiente é uma
constante em toda a América Latina. Um exemplo típico da posição (e do baixo
nível) destes proprietários é transmitido pela Directora-Geral do El Comércio,
um periódico equatoriano, que em 2009 afirmou aos seus empregados: “Todos
ustedes tienen su trabajo aquí, firme y seguro, pero si me hacen política
dentro de la empresa ahí sí les digo: reaccionaré, aunque sea de la tumba. Si
ustedes quieren ser socialistas del Siglo XXI, háganlo, pero están prevenidos,
vayan a hacerlo a su casa.”
O papel da
“Sociedad Interamericana de Prensa” (SIP), um grémio de figuras grotescas,
proprietários de órgãos de comunicação social da região, tem sido fundamental
na campanha contra o processo bolivariano. Periódicos venezuelanos como o El
Universal e do El Nacional, ou como o equatoriano Hoy (qualquer dos
proprietários destes órgãos são membros influentes da SIP), financiam a Acção
Democrática e Henrique Caprilles Radonski, o líder da oposição golpista.
Os USA decretaram
uma guerra económica ao governo da Republica Bolivariana da Venezuela,
utilizando a burguesia nacional como ponte principal no estabelecimento de
condutas desestabilizadoras, aproveitando o descontentamento das classes
médias, receosas de um eventual processo de proletarização ou de um comportamento
demasiado “socialista” por parte do governo. Desde 2001, ano em que a
Assembleia Nacional aprovou um pacote de 49 leis, elaboradas pelo governo do
Presidente Chávez, que beneficiavam a soberania popular e reforçavam a
soberania nacional, que a burguesia nacional e o imperialismo empreenderam uma
brutal campanha de difamação e desestabilização. A reforma agrária, a soberania
sobre os recursos (incluindo, claro, o petróleo), a protecção á pesca
artesanal, o ordenamento sustentável do litoral, o cooperativismo, a cogestão,
a autogestão, o controlo operário, etc., petrificaram as burguesias e
oligarquias da região e provocaram a habitual reacção esquizofrénica dos USA.
Em 2002 o golpe foi
a resposta dos sectores oligárquicos da sociedade venezuelana á Lei da Terra, á
Lei da Pesca, á Lei dos Hidrocarbonatos e às conquistas dos trabalhadores nas
empresas. Até á proclamação dos princípios da reforma agrária, 8 famílias
latifundiárias possuíam 150 mil hectares de terreno. Muitos dessas terras não
eram trabalhadas e grande parte dos latifundiários não podiam comprovar a
legitima propriedade das terras, sendo muitos deles possuidores de títulos
falsos. A lei travou estas situações, estabeleceu impostos sobre as terras não
trabalhadas e estabeleceu um conjunto legislativo para fortalecimento do
movimento de camponeses, da segurança alimentar e do desenvolvimento do
aparelho produtivo rural, levando á criação de cooperativas e de unidades
colectivas de produção, assim como á ajuda financeira e técnica.
A Lei da Terra
possibilitou a repartição equitativa da terra, através do Instituto Nacional de
Terras. A Lei da Pesca fixou os limites para a pesca industrial e de arrasto,
reduzindo os danos provocados por essas actividades no ecossistema marítimo e
protegendo os tripulantes das embarcações pesqueiras, reconhecendo os seus
direitos sociais e laborais, para além de criar uma serie de medidas destinadas
a proteger a pesca artesanal e a figura do pescador artesanal, mas foi a Lei
dos Hidrocarbonados, através da qual a Venezuela recuperou o petróleo, que
afectou profundamente dois interesses simultaneamente complementares (pela
função desempenhada) e contrários ao processo de desenvolvimento bolivariano: o
sector petrolífero norte-americano e os “meritocratas” nacionais da PDSVA, a
estatal petrolífera venezuelana.
Os USA ao verem os
seus interesses afectados recorreram ao financiamento das actividades de
sabotagem e desestabilizadoras da democracia bolivariana. George Tenet, que
durante a administração Bush filho foi director da CIA, manifestou em 2002,
perante a Comissão de Inteligência do Senado dos USA, a sua preocupação com os
acontecimentos na Venezuela e considerou que era necessário “agir” de forma a
“repor a normalidade”. A “preocupação” da CIA explica-se pelo facto de a
Venezuela ser o país com maiores reservas petrolíferas mundiais. A sua produção
representa cerca de 18% da produção mundial (296 mil e 500 milhões de barris,
segunda a BP e 297 mil 570 milhões de barris segundo o Ministério do Poder
Popular para a Energia e Petróleo da Venezuela). Por isso os USA delinearam um
programa de desestabilização (e de ingerência e eventual agressão) que engloba
acções concertadas de guerra económica e de guerra mediática, colocando a
oligarquia venezuelana na “linha da frente” do combate travado contra as
transformações em curso.
O governo
venezuelano flexibilizou o controlo de preços e eliminou impostos sobre as
transacções financeiras, para incentivar o empresariado a investir, mas a
burguesia nacional (sector que deve pouco á inteligência, por isso continua a
estar prisioneira do mercado nacional, com a agravante de fazer leituras
erradas da situação, o que a torna súbdita da burguesia norte-americana, sendo
sua parceira menor e sócia minoritária) prefere colocar o dinheiro fora do país
e leva a cabo uma camuflada “greve de capitais” com o objectivo de afectar a
economia venezuelana. As organizações patronais (FEDECAMARAS, CONSECOMERCIO e
VENAMCHAM) promovem o boicote económico, adoptando a mesma estratégia que os
seus correligionários efectuaram no Chile, na década de 70, contra o governo
popular liderado por Salvador Allende.
Neste contexto não
pode haver conciliação, ou regresso á estabilidade política e económica. A
propaganda, a toxidade da informação, a produção e difusão de imagens e de
notícias destinadas a influenciar as consciências e os comportamentos, a
imposição subtil e camuflada de valores e de posicionamentos “éticos” que
conduzem os sectores indecisos da população (as camadas pequeno-burguesas) á
identificação com esses pressupostos (e preconceitos), são a ponta visível do
icebergue da violência simbólica produzida pelos meios de propaganda (ou seja
pela industria mediática). Pretendem, com esta guerra mediática, os USA e as
elites venezuelanas, persuadir e angariar apoiantes. É uma acção que tem mais
carácter apelativo que discursivo e um alto grau de “envenenamento”.
III - Os protestos
já provocaram dezenas de mortos. Na passada semana Leopoldo Lopez (líder
direitista, 42 anos, licenciado pela Harvard Kennedy School. Foi membro
fundador do Primero Justicia – um partido financiado pela USAID e pelo NED -
que abandonou depois da sua mãe ter sido acusada de corrupção, devido a fundos
da estatal petrolífera, da qual era funcionária, desviados para o novo partido)
foi detido pelas autoridades, acusado de incitar á violência e três
funcionários da embaixada dos USA foram expulsos, por apoiarem a oposição.
Lopez lidera agora o Partido da Vontade Popular e em conjunto com outros
líderes direitistas, como Maria Corina Machado, António Ledezma, e Henrique
Caprilles (que foi o candidato da direita nas últimas eleições), organizou o
actual conjunto de protestos, que têm como objectivo criar condições para um
eventual golpe de estado.
Lopez é um
personagem atribulado, um típico militante da nova direita sul-americana (uma
mistura de neoliberalismo, populismo, com princípios orientadores da
extrema-direita e do discurso fascista) que durante o golpe de 2002 perseguiu
apoiantes de Chávez e proclamava aos céus que os ministros “chavistas” deveriam
ser julgados nas ruas. Conhecidas estas atitudes e adicionadas às histórias de
família, sempre relacionadas com corrupção, não deixa de ser cómico ver a sua
nova imagem de “activista pelos direitos” e ouvir os seus discursos reivindicando
a justiça, a luta contra a corrupção e a democracia (alias este tipo de
personagem pode ser visto também nos recentes acontecimentos na Ucrânia, ou nas
imagens da Síria, passadas nos meios de propaganda internacional, quando filmam
os “combatentes da liberdade”).
A esposa de Lopez
afirmou recentemente que o governo tentou assassinar o seu esposo e que este
corre perigo de vida (aqui em Angola já ouvimos muitas dessas historietas que
de vez em quando correm por alguns serviços noticiosos internacionais, como
aquela reportagem recentemente passada pela al-Jazera com quase uma hora de
duração, falando das “actividades repressivas do regime angolano” e referindo
como os “jovens revolucionários correm perigo de vida e são torturados pelo
infame regime de José Eduardo dos Santos, que governa impunemente já lá vão 32
anos”, ou, para as mentes menos conturbadas, as fábulas contadas pelo Rafael
Marques e outros personagens camaleónicos), o que contrasta com a forma como a
detenção de Lopez foi efectuada, bastante generosa e acompanhada pelos órgão de
comunicação social nacionais e estrangeiros, sendo permitido ao detido efectuar
declarações aos jornalistas e responder às perguntas que estes colocavam. Por
sua vez a administração Obama parece contente com Lopez e apoia cada vez mais
abertamente a oposição venezuelana, ultrapassando os financiamentos cedidos
pela administração Bush filho.
A indústria
mediática vende a imagem de uma Venezuela onde bens alimentares escasseiam, a
taxa da inflação é galopante e a insegurança assume proporções dantescas. O que
não relatam é que as associações mafiosas (todas relacionadas com o tráfico de
drogas) fortaleceram o seu arsenal nos últimos anos e estabeleceram com as
Confederações e Associações Patronais um cartel, em tudo idêntico ao que
funcionou no Chile de Allende, pouco antes do golpe de Pinochet e que levou ao
açambarcamento de bens alimentares, originando subidas incontroladas de preços
e o descontentamento das classes médias que vieram para as ruas baterem nos
tachos e panelas, até Pinochet assumir o poder através do golpe de estado.
Outro factor que
não é divulgado é o facto do processo democrático de desenvolvimento em curso
não ser um processo individualizado, personalizado em torno de Chávez ou de
Maduro, mas sim um processo cujas fundações são constituídas por milhões de
cidadãos, que constroem uma democracia profunda e directa, que constroem
movimentos sociais, organizações, conselhos de trabalhadores, de estudantes e
de camponeses e de órgãos onde se fazem ouvir as vozes das comunidades
indígenas. Esta imagem da Venezuela não é divulgada pela indústria mediática,
que prefere filmar os playboys da elite de Caracas, os latifundiários, as
vicissitudes da classe media que não sabe como vai pagar as dívidas acumuladas
no banco, as misses, os empresários e outros sectores bem cheirosos da
sociedade venezuelana.
IV - Em Montevideo
reuniu-se o PARLASUL, o parlamento do MERCOSUL, que aprovou uma declaração que
exorta ao diálogo para terminar com a violência na Venezuela. É evidente que o
diálogo é sempre necessário, mas só será possível quando a oposição abandonar a
violência e deixar de esforçar-se por causar um golpe de Estado. O diálogo,
numa sociedade democrática, dá-se entre forças que funcionam em princípios
constitucionais. Quando se está a tratar com bandos armados e com gangues a lei
tem de ser aplicada e aí o diálogo resume-se á leitura dos direitos dos agentes
desestabilizadores que forem levados a tribunal.
O PARLASUL exorta
ao diálogo, mas tem de ter em conta com quem irá o governo venezuelano
dialogar. Com o embaixador dos USA em Caracas? Com o palavroso Kerry? Com
Obama? Ou será que o PARLASUL está a exortar o governo venezuelano a dialogar
com quem tem de levar a tribunal? Será que o PARLASUL está a pactuar com
Washington e com a grande mentira fabricada na Casa Branca e divulgada pela
BBC, CNN, Washington Post, New York Times e outros parentes (ricos e pobres,
sendo dentro destes últimos de referir as mentecaptas palavras divulgadas por
algumas rádios angolanas e as analfabetas letras escritas em alguns jornais de
Angola, sendo essas palavras ditas e letras escritas o espelho da idiotice –
prefiro pensar que seja por idiotice e não por um qualquer acto “empreendedor”
dos próprios, pago em dólares - acumulada nas dunas do deserto intelectual e
académico nacional).
Existem dois
exemplos que devem ser levados em conta na História do tratamento de oposições
violentas contra governos legítimos (ou seja governos que são decisão e vontade
da soberania popular): Cuba e o Chile. A resposta dada pelo governo cubano
frente aos ataques violentos, fomentados pelos USA, acabou com o terrorismo e
consolidou a revolução cubana; outro foi o destino de Allende que tolerou a
oposição violenta, sendo derrubado por um golpe de Estado sanguinário, que
mergulhou o país numa feroz ditadura fascista. O meio-termo apenas reside no
espelho de Alice, onde se localiza o Pais das Maravilhas.
V - Enquanto,
na Venezuela, as soberanias popular e nacional estão debaixo de fogo, no Brasil
o Movimento dos Sem Terra (MST), após três décadas de luta pela reforma
agrária, realizou o 6º Congresso (de 10 a 14 de Fevereiro), que efectuou um
balanço do caminho empreendido, passo essencial para compreender a nova
realidade e seguir em frente. Aliás este Congresso do MST é realizado no âmbito
de uma das consignas do Movimento: Transformar transformando-se.
Participaram no
Congresso entre 12 mil a 15 mil delegados e os trabalhos decorreram na mais
solida organização, assente na tradicional disciplina deste Movimento de
camponeses. Um enorme acampamento, autogerido e com todos os serviços, albergou
os delegados, que antes do final do Congresso marcharam até ao Palácio do
Planalto entrando em confronto com a Policia, sendo, após os confrontos,
recebida uma delegação pela presidente Dilma Roussef.
O MST acusa o
governo brasileiro de ter paralisado o assentamento de camponeses e Dilma, que
reuniu pela primeira vez com o MST, comprometeu-se a melhorar este ponto. O
ponto principal do conflito prende-se com o facto dos governos do PT adiarem
sucessivamente a reforma agraria e terem optado pelo agronegócio, esquecendo os
compromissos com os camponeses pobres. O Brasil converteu-se em 2013 no maior
produtor mundial de soja, com uma colheita recorde de 90 milhões de toneladas e
atribuiu às empresas de agronegócios e da agroindústria uma linha de crédito de
10 mil e 400 milhões de USD, para a construção de silos.
Este facto coloca o
MST numa encruzilhada. A reforma agrária está bloqueada e saiu da agenda
política, enquanto o agronegócio avança com os apoios milionários do governo
federal. Por sua vez a opinião pública, influenciada pelos resultados positivos
transmitidos em alta voz pelos grandes órgãos de comunicação social (muitos
deles propriedade dos mesmos grupos que financiam ou administram empresas do
sector do agronegócio), apoia a política governamental de capitalização da
agricultura, esquecendo as revindicações dos camponeses pobres e a necessidade
para o futuro (esta é uma reforma estruturante) da reforma agraria.
No Brasil os
grandes fazendeiros e latifundiários são transformados em parceiros das
multinacionais do agronegócio (existe uma minoria que tenta penetrar nos
mercados internacionais pelo seu próprio pé, mas acaba por ceder ás parecerias
com as multinacionais do sector, para conseguirem expandir os seus negócios),
porque é uma camada parasitária e porque o Estado não tem a capacidade de
colocar a burguesia rural perante uma situação em que para sobreviver teria de
produzir. O logico seria os governos do PT terem avançado com a reforma agrária
e terem definido as áreas agroindustriais, de forma a praticarem modelos de
inclusão e criarem modelos de competição efectiva, não esbanjando subsídios
para o sector privado (que desta forma salvaguarda o seu investimento) e
apoiando os sectores da reforma agrária através da introdução de novas
tecnologias na produção tradicional.
Esta política
permitiria criar um sector nacional de agronegócio, robusto o suficiente para
penetrar nos mercados internacionais e concorrer, a nível externo, com as
multinacionais. Por sua vez os camponeses pobres poderiam ser instalados e
apoiados no exercício da sua actividade de forma a criarem uma rede
abastecedora do mercado interno, por eles autogerida. O país ficaria com dois sistemas
de produção: um baseado na capitalização da terra (e virado, na sua maioria
para a exportação) e outro baseado na socialização da terra (mais debruçado
sobre o mercado interno). Para trás ficariam o parasitismo latifundiário e a
venda das terras e dos recursos agrícolas às multinacionais. Mas o agronegócio
é um investimento atractivo e as empresas multinacionais agroindustriais pagam
“primes” compensadoras que levam facilmente á corrupção dos governantes e á
mudança dos objectivos políticos.
As dinâmicas deste
processo, a longo prazo, obviamente revelarão novas contradições (são dois
interesses contraditórios que coexistem no mercado, logo estes processos são
geradores de tensões) e obrigarão a repensar processos. O que constitui a
essência do desenvolvimento é a contradição e o conflito. Da resolução
harmoniosa (e não conciliatória) destas tensões depende o êxito do
processo.
VI - O MST tem,
ainda, outros problemas, para além dos governantes que gostam de viver bem e
vendem (em conjunto com as parasitarias elites latifundiárias) vastas áreas do
país às multinacionais do agronegócio. As famílias sem terra dispostas a lutar
pela terra são cada vez menos, sendo este fenómeno facilmente detectado nas
regiões centro e sul do Brasil e a administração Dilma têm reduzido
substancialmente o número de famílias assentadas (em 2011 apenas foram
assentadas 22 mil famílias, o numero mais baixo dos últimos 20 anos).
Em 2012 o MST
iniciou um processo colectivo de debates, encontros, seminários e cursos, que
envolveram milhares de camponeses, de forma a provocar alterações nas
estruturas produtivas e organizativas dos assentamentos. O objectivo é tornar
cada vez mais eficazes as estruturas dos assentamentos e combater a expansão do
agronegócio, conduzida pelas multinacionais e que provoca um aumento desmedido
dos preços das terras, tornando inviáveis as expropriações efectuadas pelo
Estado.
O agronegócio
assenta na logica da monocultura, como a da soja, cana do açúcar e eucalipto,
para a produção de rações, combustíveis e papel, em detrimento das culturas
alimentares. Uma boa parte do arroz e do feijão, dois componentes principais da
dieta alimentar brasileira, é agora importada do México e da China, porque as
parcelas que produziam estes produtos foram transformadas pelo agronegócio e
pelos métodos agroindustriais.
Este quadro criou a necessidade de o MST
lutar, agora, pela soberania alimentar, produção diversificada e agroecologia,
ao mesmo tempo que pretende provocar transformações nos assentamentos e nas infraestruturas
rurais, através da criação de escolas, postos de saúde e espaços de ócio,
cultura e recreio. Também tomou contornos decisivos a luta contra a Medida
Provisória 636, que inclui uma disposição que pretende terminar com as
conquistas alcançadas pelos MST. Segundo essa disposição, as terras dos
assentados pela reforma agrária – até agora propriedade pública, com direito ao
usufruto pelas famílias – serão tituladas como propriedade privada e as suas
parcelas poderão ser vendidas. A 636 foi promovida pelo governo de Fernando
Henriques Cardoso e continuada pelas duas administrações Lula, que não
conseguiram consensos internos para a sua execução.
A Medida Provisória
636 baseia-se no seguinte argumento: ao conceder o título de propriedade, o
agricultor deixaria de estar dependente do governo e das políticas públicas. É
evidente que muitas famílias desejam ter um título de propriedade, mas esse é
um problema que pode resolver resolvido através de um título de concessão de
uso da terra, que não permite o direito a vender, mas permite a herança. Ora a
opção governativa, como não tem intenções de resolver o problema da terra e a
inovação e desenvolvimento da produção e das estruturas rurais, aposta em
políticas especulativas que permitam o aumento da concentração de terra.
VII - O processo
bolivariano de transformação e de desenvolvimento em curso na Venezuela
(acompanhado de perto pela Revolução Cidadã no Equador e pela Bolívia) e a luta
travada pelo MST no Brasil são exemplos das lutas que se travam na América
Latina e que implicam formas diversificadas de participação e de decisão. Num
período conturbado como o actual, em que assiste-se a uma ofensiva contra as
soberanias nacionais e populares (Ucrânia, Síria e as agressões constantes aos
Estados africanos) e ao espezinhar dos direitos mais elementares dos povos,
grupos sociais e indivíduos, a América Latina permanece na vanguarda das lutas
emancipadoras e na procura de alternativas transformadoras, conducentes a um
mundo melhor.
As elites imperiais
e os seus agentes regionais esquecem-se (ou talvez ignorem, simplesmente)
daquelas linhas escritas por Shakespeare que relembram que existe algo mais
entre o céu e a terra do que pressupõem as vãs filosofias…Nem só os drones
imperiais percorrem os céus (também os céus são percorridos pelas aves
anunciadoras da paz e da esperança) e na terra, onde as vãs filosofias
pretendem que o dinheiro imponha a alienação geradora da humilhação ao próximo
e da exclusão do outro, também os Homens provam que afinal resiste-se,
transforma-se e constroem-se novos mundos neste mundo (é a terra revolvida pela
força do Homem, acto básico de inconformismo e de necessidade de transformar,
que fornece o pão nosso de cada dia).
E até os mares,
salgados pelas lágrimas dos escravos que os atravessaram, podem ser
transformados em oceanos de solidariedade, sendo as espumas das ondas o vigor
do Homem que aspira á Humanidade.
Fontes
Segovia, Dax
Toscano Propaganda y Manipulacion Mediática contra el régimen Bolivariano Venezolano
y sus Politicas Economicas por parte de Los Periódicos Hoy y El Comércio de
Equador Instituto de Investigación de la Facultad de Comunicación Social,
Universidad Central del Ecuador, Quito, 2014
Ciccariello-Maher,
George We Created Chávez: A People’s History of the Venezuelan Revolution
Drexel University, Philadelphia, 2013
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