Domingos dos Santos
– Jornal de Angola
Os moradores dos
apartamentos de vários blocos (A, T, W e Z) da Centralidade do Kilamba foram
notificados com uma ordem de despejo emitido em nome da Sonangol Imobiliária e
Propriedades (SONIP) por terem ocupado os apartamentos ilegalmente.
A reportagem do
Jornal de Angola esteve no Kilamba e os moradores garantem que estão legais, ao
abrigo do contrato que fizeram com a empresa Delta.Há duas semanas, os
moradores dos blocos em causa, foram surpreendidos por agentes armados da
Polícia Nacional e dos Serviços de Fiscalização que os intimaram a deixarem as
casas. Segundo os moradores, a SONIP justifica essa atitude com o facto de os
apartamentos dos edifícios 30, 31 e 33 do bloco W e dos restantes blocos
notificados serem reservas de alguns Ministérios, de empresas públicas e do
presidente do conselho de administração da Sonangol. “A Polícia e os fiscais
estiveram aqui e disseram que devíamos abandonar os apartamentos porque do
rés-do-chão ao terceiro andar as casas são reserva pessoal do PCA da Sonangol”,
disse uma moradora do edifício W31 que não quis ser identificada.
“Desde que chegámos aqui, ninguém veio reclamar da nossa presença. Não temos
para onde ir, por isso vamos ficar e resistir até ao fim porque fizemos os
pagamentos”, disse uma outra moradora visivelmente indignada com a situação.
Com a filha ao colo, Joana da Silva desconhece qual vai ser o desfecho
deste drama, mas tem uma certeza: para viver na sua casa, na Centralidade do
Kilamba, deu todos os passos que a empresa Delta lhe exigiu e pagou o que foi
contratado: “agora corro o risco de acabar no meio da rua com a minha
filha ao colo. Não tenho para onde ir”, explicou Joana, que durante os últimos
meses de gravidez teve de dormir ao relento para conseguir a ficha de inscrição
na empresa Delta.
Enquanto uns lamentam, outros choram perante o risco de perderem uma casa em
que investiram todas as suas economias. “Daqui só saio morta” disse Inês Costa,
acrescentando que decidiu aderir às casas do Kilamba por não ter mais condições
de continuar a pagar a renda. “Pelo menos aqui, ao fim de 15 anos, este
apartamento pode ser meu definitivamente, sem ter necessidade de pagar renda”,
disse.
Com 45 anos, Inês Costa diz que já não tem idade para “aguentar tanta
humilhação” e pediu “mais respeito e dignidade” para com os moradores da
Centralidade do Kilamba.
“Ninguém merece ser tratado desta forma. A SONIP e a Delta devem ser mais
responsáveis e não estarem a brincar com as pessoas”, disse.
Aflitos com a sua situação, os moradores contactaram a SONIP onde foram
recebidos por um responsável da direcção de infra-estruturas imobiliárias que
os remeteu para a Delta Imobiliária, empresa contratada para proceder à
comercialização das habitações e com quem eles assinaram os contratos.
A SONIP manda os moradores tratar do assunto com uma empresa que já nada tem a
ver com o assunto. “A Delta disse-nos que está tudo bem e que não há
problemas”, referiu outro morador identificado apenas por Delfim, residente no
bloco W33, que considera a ordem de despejo emitida pela SONIP “uma atitude
maldosa” e “um golpe baixo”, cujo fim desconhece.
“Obtida a resposta da Delta Imobiliária, voltamos de novo à SONIP de quem
recebemos a garantia de que a situação estava resolvida e que podíamos
continuar a residir nas habitações”, disse Delfim. Mas ninguém se
responsabilizou pela ordem de despejo que deixou centenas de moradores em
pânico. Porque o documento foi acompanhado de agentes da Polícia Nacional,
armados.
Contratos falsos
A situação dos moradores dos blocos A,T,W e Z está longe do fim e pode mesmo
acabar em Tribunal. Em declarações à reportagem do Jornal de Angola, o
presidente da comissão executiva da SONIP, Orlando Veloso, revelou terem sido
detectados contratos falsos na Centralidade do Kilamba.
A empresa apresentou queixa junto da Polícia Nacional, informou o responsável
da SONIP. “Fizemos uma auditoria aos contratos e constatamos que existiam
algumas fraudes. Apresentamos queixa à Polícia Nacional, e obviamente quem
entrou ilegalmente nas casas não tem como continuar a viver nelas”, disse
Orlando Veloso.
Questionado sobre o número exacto de contratos falsos detectados, o presidente
da comissão executiva da SONIP disse apenas que o processo de averiguações vai
continuar no sentido de encontrar outros documentos falsos. “Aqueles que a
Polícia está actuar são os que já estão identificados”, referiu. Mas se há
fraudes, o problema não é da Polícia Nacional. Só os Tribunais podem tomar uma
decisão. Agentes armados não podem servir de juízes.
Para Orlando Veloso as pessoas notificadas têm que demonstrar que os contratos
que possuem são verdadeiros e caso não sejam, são obrigadas a denunciar as
pessoas que lhes venderam os falsos contratos.
Há moradores ameaçados cujos nomes saíram nas listas publicadas pela Delta, no
Jornal de Angola. Não compraram contratos a ninguém. “A SONIP tem que ver com a
Delta o que se passa e não pode andar a empurrar as pessoas sob a ameaça das
armas. Quem tem de provar as fraudes e os contratos falsos é a SONIP”, disse
uma moradora, que exibe o seu contrato com a Delta e as páginas do Jornal
de Angola onde consta o seu nome.
“Se eles estão perfeitamente legais não precisam estar preocupados, mas nós
temos formas de comprovar se os contratos são legais ou não”, explicou Orlando
Veloso, sem no entanto revelar se já há pessoas detidas por estarem envolvidos
na falsificação dos documentos.
O presidente da comissão executiva da SONIP confirmou que alguns edifícios da
Centralidade do Kilamba constituem reservas de Ministérios e empresas públicas,
“que em nenhum momento cederam os apartamentos a quem quer que seja”.
Centralidade de Cacuaco
A água potável raramente corre nas torneiras dos apartamentos da Centralidade
de Cacuaco, uma cidade com dez mil habitações. Os moradores andam de bidões e
bacias à cabeça. Para os moradores, a situação parece não ter fim à vista, mas
o presidente da comissão executiva da SONIP, Orlando Veloso, garante que o
problema deve ser ultrapassado até ao final do primeiro semestre deste ano: “os
problemas da falta da água nas Centralidades de Cacuaco e do Kilamba estão a
ser resolvidos junto da Empresa Pública de Água de Luanda”.
Informações postas a circular em Luanda dão conta de uma disputa sobre a gestão
da estação de tratamento de água da centralidade do Cacuaco entre a SONIP e a
EPAL. Uma fonte da EPAL, contactada pela reportagem do Jornal de Angola,
confirmou que a fraca capacidade de abastecimento de água às centralidades se
deve à construção de condutas de baixa capacidade.
“A EPAL já solicitou a gestão da estação de tratamento de água, quando isso
acontecer vamos investir na construção de uma conduta de maior capacidade de
bombagem de água às habitações”, disse um responsável da EPAL.
Orlando Veloso nega existir uma disputa entre a SONIP e a EPAL, na medida em
que “todas infra-estruturas públicas de água e energia construídas nas
centralidades estão a ser entregues à EPAL e à EDEL para essas empresas
gerirem. Logo que as obras acabem, entramos num processo de transferência
dessas infra-estruturas. Este processo tem alguma especificidade, por isso,
estamos num processo de treino dos funcionários que vão gerir as instalações”,
explicou, reafirmando que não há qualquer conflito entre as duas empresas.
Foto: Paulo Mulaza
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