Carvalho da Silva –
Jornal de Notícias, opinião
Aproxima-se o
"fim" do programa da troika e as eleições para o Parlamento Europeu -
importantes pelo que representam diretamente e mais ainda pela influência que
podem ter na situação política nacional - e ampliam-se todos os dias as
campanhas da mentira e da manipulação das consciências.
Os governantes,
seus mandantes e serventuários torturam os números, fogem da análise das
condições concretas da vida das pessoas, refugiando-se na tese de que os
efeitos positivos "demoram a chegar ao bolso das pessoas". Já
participei em debates televisivos em que alguns interlocutores defenderam
assanhadamente perante as câmaras a inevitabilidade das políticas seguidas. Na
sala de "desmaquilhagem", distantes das câmaras, afirmaram com todo o
à-vontade que, sim, daqui a dois ou três anos vamos ter de fazer a
reestruturação.
O que significa
isto? Que os credores nos vão sacar mais uns milhões de euros, ao mesmo tempo
que tentarão consolidar a agenda política e social neoliberal em Portugal e
noutros países.
Nunca a palavra
"limpa" foi usada com tanta sujidade como neste processo de mudança
da presença da troika em Portugal. Todos os dias surgem novos "sinais
positivos". Neste laboratório das "expectativas positivas"
participa o presidente da República (PR), o Governo, o Fundo Monetário
Internacional, o Banco Central Europeu, a União Europeia. "Os
mercados", se for necessário até colocam as suas agências a melhorar a
classificação do nosso país. Para todos eles o que é preciso é assegurar que os
portugueses se convencem de que não há alternativas e se submetem.
O 25 de Abril
fez-se para tirar o país do atraso, da escuridão, da repressão, para libertar
os portugueses de uma guerra profundamente injusta que ia esgotando a
sociedade, para impulsionar a justa independência de outros povos. Até à última
hora, o regime fascista não se cansava de dizer que Salazar nos tinha posto as
contas certinhas, que tínhamos significativas reservas de ouro, que a pobreza
nos honrava e orgulhava, que o rumo tinha de ser aquele e "não podia ser
outro".
Com as devidas
distâncias, interroguemo-nos sobre o que é mais "patético": os
discursos do corta fitas Américo Tomás ou, por exemplo, a tentativa do PR
apresentar uma mensagem de futuro ao país com a sua deslocação à Aldeia da
Esperança, que está hoje no mapa da publicidade porque um dos bancos do regime
que nos colocou em dificuldades, o BES, se está a promover lavando a cara a
algumas aldeias?
O primeiro-ministro
(PM) que tanto vociferou contra o aumento do salário mínimo nacional (SMN),
muda de agulha, oportunisticamente. O aumento do SMN é necessário e é possível,
mas é claro que o PM quer, a troco de um pequeníssimo aumento, impor mais
desregulamentação e precariedade, mais exploração de todos os que trabalham,
engordando ainda mais os acionistas dos grandes grupos.
As políticas que
nos vêm sendo impostas têm amplos impactos e/ou significados característicos de
uma guerra. A maioria dos portugueses vivem carregados de tédio perante um
futuro incerto e prenhe de constrangimentos, são cidadãos solitários e aflitos,
condenados à sobrevivência, ao desenrasca, com exigências em crescendo e
recursos a minguar. Esta guerra dissimulada ataca as pessoas nos seus direitos
fundamentais, suga para a emigração centenas de milhares de jovens,
desestrutura as famílias e as relações intergeracionais, isola vilas e aldeias
porque centraliza serviços para assim enriquecer mais os grandes capitalistas.
Esta guerra traiçoeira entrega a nossa soberania aos mercados, mata a liberdade
e a democracia.
Não nos deixemos
tolher nos obstáculos, lembremo-nos, como na "Liberdade" de Sérgio
Godinho, que esperar, adiar a decisão de agir, "torna tudo mais
urgente", que "a sede de uma espera só se estanca na torrente",
que "só há liberdade a sério quando houver paz, pão, habitação, saúde,
educação", e que "só há liberdade a sério quando houver liberdade de
mudar e decidir".
No percurso destes
40 anos pós-25 de Abril fomos capazes de formar as torrentes que impulsionaram
a conquista desses superiores objetivos.
Podemos sempre
mudar e decidir e seremos capazes de o fazer!
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