Fernanda
Câncio – Diário de Notícias, opinião
Em
Portugal, é crime uma mulher engravidar com ajuda médica para ter um filho só
seu. Já ser "grávida substituta" - engravidar com ajuda médica para
dar o filho a outra - vai ser legal. Parece mentira? É o que PSD e PS se
preparam para fazer: legalizar a maternidade de substituição, ou seja, a
possibilidade de se efetuarem contratos em que uma mulher se compromete a gerar
no seu útero um embrião que "pertence" a um casal - mantendo no
entanto a proibição de acesso das "mulheres sós" à reprodução
assistida quando estas, em vez de "dar" a criança, a queiram manter.
A
proibição, recorde-se, data de 2006. Estipulou-se então, num parlamento com
maioria absoluta PS (!), que a reprodução assistida só era permitida a casais
heterossexuais (casados ou em união de facto). Às mulheres "sem
homem", mesmo às que padecem de um diagnóstico de infertilidade, foi
interditada, numa decisão de duvidosa constitucionalidade que à época levou
juristas a sugerir que o Presidente deveria solicitar a fiscalização preventiva
da norma (não solicitou, claro - era já Cavaco). O diploma também ilegalizava a
maternidade de substituição.
Oito
anos depois, anuncia-se uma revisão na lei para "resolver o problema"
de casais (heterossexuais, bem entendido) em que a mulher não pode gerar, por
exemplo por não ter útero. É meritório, claro, atentar ao sofrimento de pessoas
que querem ter filhos e não podem. Mas que dizer da atenção ao sofrimento por
parte de quem estipula não servir uma mulher "só" (ou em casal
homossexual) para mãe - bela mensagem para todas as mães "solteiras",
já agora -, podendo no entanto ser incubadora para aliviar a dor de outros? E
isto com base em que princípios? Quem interdita o acesso à reprodução assistida
por mulheres "sem homem" alega que "ter um filho não é um
direito" - o direito deve ser encarado sempre "do ponto de vista da
criança". Mas que outro direito, senão o de ter filhos, justifica a
legalização da maternidade de substituição? Ainda mais quando "ter
filhos", no caso, é uma espécie de adoção com criança encomendada.
Num
país em que a adoção singular, ou seja, por uma só pessoa, é permitida; em que
a coadoção em casais do mesmo sexo quase passou no parlamento, com os votos de
esmagadora maioria da bancada socialista; em que, por referendo, se legalizou o
direito das mulheres a decidir, e só elas, se querem ou não levar uma gravidez
a termo; e, por fim, no país onde agora se pretende permitir a maternidade de
substituição, reiterar a proibição de mulheres não tuteladas por homens serem
mães por recurso a reprodução assistida é do domínio do inverosímil. Ou o PS,
principal responsável pela iníqua lei em vigor, aproveita a ocasião para se
redimir ou permite a conclusão de que a Constituição lhe é mera barriga de
aluguer, eficaz mas descartável geradora de armas de arremesso contra a maioria.
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