terça-feira, 24 de junho de 2014

Portugal: O despedimento de jornalistas e dos outros



Alberto Pinto Nogueira* - Público, opinião

João Miguel Tavares (JMT) escreveu no PÚBLICO um texto sob um título singular, “A morte dos jornais”. Versa uma matéria relevante: o despedimento de jornalistas no Diário de Notícias. Despedimento e desemprego de jornalistas ou de outros trabalhadores dizem respeito à sociedade. São de interesse público.

Tratando-se de quem administra o diário, não há admiração alguma. A via escolhida teria de ser a dos despedimentos. A sua imaginação criativa e empreendedora não vai além disso. 

JMT tratou o assunto com inteligência e humanidade. Deixou em casa a ironia que o caracteriza.

A solidariedade genuína que manifesta aos colegas despedidos doDiário de Notícias estende-se, é claro, às dezenas de trabalhadores do mesmo grupo empresarial. Da TSF, Jornal de Notícias e Jogo. Faça-se-lhe justiça.

O despedimento de jornalistas não confrange mais do que o de milhares que, ao longo destes anos, têm sido despedidos. “Libertos do emprego” na expressão “impressiva” do primeiro-ministro.

Despedidos por portarias de legalidade duvidosa, e-mail, portões trancados das empresas, intimidação de forças policiais. Com salários atrasados de meses ou anos. Sem indemnizações.

As funções sociais e políticas que os jornalistas desempenham, o serviço informativo que prestam, convocam-nos de modo especial. Sem comunicação social livre e sem pressões, não há Estado de Direito e Democrático. Está aí a maior ressonância social que se atribui a um despedimento de dezenas e dezenas de jornalistas. É a própria comunidade que se sente mais magoada na sua liberdade e direito a ser informada.

Paradigmaticamente, JMT inquire o que é da nossa vida se, por dezenas de anos, prestamos um serviço competente, empenhado, com generosidade, e agora nos despedem por ter um salário razoável. Inquire bem.

Muitos milhares de trabalhadores despedidos sem justa causa ou simulada justa causa inquirem. Nunca esquecerei a trabalhadora que, entre centenas de outras, deparando com a empresa encerrada, ante as câmaras da televisão, inquiria e chorava: “E agora, o que vou fazer da minha vida, com filhos e marido desempregado?”.

Os reformados, funcionários públicos, trabalhadores e demais vítimas predilectas da austeridade, também perguntam: "Andámos a trabalhar dezenas e dezenas de anos, trabalhamos arduamente dia-a-dia. Para quê?".

As administrações das empresas e o Governo invocam e convocam sempre as mesmas razões. A crise, o mercado, a austeridade. Nunca invocam e convocam  soluções alternativas. Até de ruptura.

Certo que as soluções não fluem magicamente da cabeça de ninguém. Exigem trabalho, investigação, estudo e análise. A consideração da função social da empresa. A valorização do trabalho.

As exigências do simples conhecimento geral que poucos praticam. A boa gestão. Sanidade financeira. Clara definição de objectivos, que não promovam e exercitem a confusão de interesses e objectivos sociais com interesses privados de gerentes e administradores, que descapitalizam dolosamente as sociedades. Veja-se a banca. O dinheiro, aos mil milhões, voa para parte incerta. Sem asas! Ainda veremos o “risco sistémico” a ditar as suas regras. Adiante.
   
A crise da comunicação social é um facto. Não se resolve com despedimentos,“ morte dos jornais” ou mecenatos. Exige soluções novas, onde os seus profissionais têm terreno para mostrar o que valem.

* Procurador-Geral Adjunto

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