Os
acontecimentos da última semana, culminando com a expulsão pelos alemães do
chefe da CIA em Berlim, mostram que os alemães puseram de parte toda a
complacência que desde os anos 50 do século passado tinham com a espionagem
americana na Alemanha.
Irritados
pela operação da NSA que durante um período desconhecido, mas longo, escutou os
telefonemas da Chanceler Ângela Merkel; aborrecidos com a descoberta há pouco
mais de oito dias, de um informador da CIA nos serviços de apoio do Parlamento,
os alemães passaram-se literalmente quando descobriram que a CIA tinha uma
toupeira nos serviços secretos alemães (BND). O copo transbordou. O Governo
decidiu-se pela expulsão (convite para abandonar o país) do chefe da CIA na
embaixada em Berlim.
Já aqui escrevemos o ano passado que todos têm espiado todos, o problema não é a espionagem em si, é a incompetência em se deixar descobrir.
Suspeitas existem sempre, não existem é provas substantivas e por vezes é bem melhor deixar ficar os espiões conhecidos, e portanto controlados e controláveis. Se um país expulsa os agentes de uma dada agência tem depois um enorme investimento na descoberta dos seus substitutos. Não admira por isso que Berlim tenha optado por uma atitude de duplo impacto: político, expulsando o patrão da espionagem em Berlim, e interno, pois descobrir o chefe não é uma tarefa tão difícil quanto descortinar quem são os agentes que gerem os informadores locais e/ou a rede de infiltrados.
O problema no caso alemão é que a atitude dos Estados Unidos parece completamente irracional ou mero produto do trabalho de uma agência que parece agir em roda livre, comandada internamente, não se sabe a que nível, arrogando-se a liberdade de colocar em maus lençóis não só o Presidente – que parece não ter controlo sobre a CIA – como pondo em causa os interesses estratégicos definidos pelo Departamento de Estado e a acção diplomática concertada.
Muito tem sido romanceado sobre acções desenvolvidas pela CIA à revelia do Presidente ou mesmo do seu director. “Deniability” é a palavra chave que permite à “companhia” agir encoberta em territórios ou operações sensíveis protegendo o Presidente que pode enfrentar o Congresso e dizer, sem mentir, que desconhece os factos. A realidade porém é que espiar a Alemanha e ter a ousadia de fazer escutas telefónicas à Chanceler alemã vai bem para além da “deniability” que não poupou a Administração à humilhação de pedir desculpas públicas ao Governo alemão, reconhecendo implicitamente a veracidade das informações divulgadas por Edward Snowden.
Berlim tem tido, e continua a ter um papel fundamental no desenrolar da crise na Ucrânia e no diálogo com Moscovo inviabilizado pelas atitudes de Washington. Berlim é fulcral para os americanos conseguirem o apoio dos europeus naquilo a que chamam “a contenção da Rússia”.
Para a comunidade de informações norte-americana os alemães, e europeus em geral, têm recebido informações vitais para o envolvimento da actividade terrorista pois, afirmam, a ameaça para a Europa e outros países – e que passa pela Europa – é crescente “dado, sustentam, o número de europeus que foram combater para a Síria” e, claro, “ao lado dos fundamentalistas islâmicos”. Daqui a sustentar que a segurança mundial depende das acções da CIA e outras agências norte-americanas e, portanto, a espionagem a todos os azimutes é um instrumento justificável senão mesmo indispensável, vai um passo. Será que as fontes autorizadas, citadas pela imprensa americana, têm a noção do que estão a dizer?
O BND alemão sempre colaborou com a CIA, provavelmente menos que os ingleses e seguramente muito menos que os americanos gostariam. Infiltrar uma toupeira no BND terá valido as consequências, ou seja a retracção na troca de informações e o aumento da desconfiança mundial relativamente aos EUA? O caso alemão, é lícito sustentar, não é único, muitos Governos aliados ou amigos dos EUA poderão estar a ser espiados do mesmo modo. Na verdade é mais provável que essa espionagem tenha a ver com a economia e as finanças que com a segurança. Mas às ordens de quem? Obama deu garantias de que essa actividade junto de amigos e aliados iria terminar.
As garantias do Presidente dos EUA parecem valer pouco para a CIA e outras agências que parecem ter vontade e vida própria e agem em roda livre à revelia do Presidente dos Estados Unidos, de quem é muito feio dizer que está a ser “económico com a verdade” (para usar as palavras de um secretário britânico dos Estrangeiros que justificou assim ter mentido ao Parlamento).
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