Manuel
Maria Carrilho – Diário de Notícias, opinião
DUCHE
FRIO
Continuamos
a olhar para a árvore sem ver a floresta. A focarmo-nos nas previsíveis
palavras de Passos Coelho no Pontal e a ignorar os dados nucleares entretanto
conhecidos, que põem em causa tanto a estratégia seguida nos últimos anos como
os quadros de expectativas criados para os próximos tempos. E esses dados são
que a economia está a abrandar, longe de qualquer coisa que se possa chamar
retoma. Pelo contrário, os sinais são de aproximação de uma perigosa
estagnação, com quebras na procura interna e nas exportações. É o duche frio, e
o Governo continua a repetir a mesma lengalenga, sem vigor nem ideias para
enfrentar a situação. E da União Europeia não chegam boas notícias, a
estagnação é também aqui o traço geral dos dados agora divulgados pelo
Eurostat, com a Itália, a França e a própria Alemanha em queda. A Itália
entrou mesmo em recessão, a França ficou num crescimento zero e a Alemanha
surpreendeu toda a gente, com o seu PIB a recuar 0,2%. De resto, na Alemanha o
barómetro dos investidores caiu no último mês de 27 para 8 pontos, o que torna
cada vez menos credível que ela continue a ser vista como a locomotiva do
crescimento da União Europeia, capaz de diminuir o seu nível de dívida pública,
que anda nos 94%, ou de desemprego, que está em 11,5%. E os fatores externos,
com a crise russa à cabeça, não vão certamente ajudar...
EMÍDIO
RANGEL
Conheci
Emídio Rangel no período em que exerci funções à frente do Ministério da
Cultura, período em que trabalhámos juntos em novos projetos na área do audiovisual.
Descobri então um homem que combinava de um modo singular uma tenacidade rara
com um constante ímpeto inconformista e inovador. Ele levou então a SIC aos
píncaros, atingindo audiências à volta dos 50%, situação que não podia deixar
de semear invejas e armadilhas várias, que acabaram por ditar o seu afastamento
em 2001. À amargura desse desfecho, Emídio Rangel respondeu assumindo o mais
difícil dos desafios, que foi o de pegar na RTP para tentar concretizar uma
nova orientação do serviço público de televisão, à altura dos novos tempos que
se viviam. Conversámos muito nesse período, reforçando uma amizade a que fomos
sempre fiéis, fossem quais fossem as circunstâncias, como ele bem provou quando
apresentou - com uma coragem que foi sempre a sua característica que mais
incomodava - o meu livro Sob o Signo da Verdade, em 2006. O projeto da nova RTP
parecia prometer, quando o Governo de Durão Barroso decidiu pôr-lhe termo,
ditando em 2002 um novo e injusto afastamento da sua liderança na área
televisiva. Começaram então tempos definitivamente amargos, que só se
amenizaram com a esperança de que José Sócrates, que Emídio Rangel apoiou
sempre, viesse a dar-lhe a oportunidade que lhe tinha sido tirada por Durão
Barroso. Mas os cálculos de Sócrates eram outros e Emídio Rangel foi, apesar
das raras qualidades e competências que agora todos reconhecem e exaltam,
esquecido durante a última década da sua vida - o que, na hora da verdade, só
agiganta a obra que deixou.
DIRETAS
Com
a entrega das candidaturas e a apresentação dos respetivos programas, fechou-se
o primeiro ciclo das diretas que o Partido Socialista vai realizar a 28 de
setembro para escolher o seu candidato a primeiro-ministro nas eleições
legislativas do próximo ano. É o momento de sublinhar a importância desta
iniciativa inédita em Portugal, mas também de realçar que é preciso um esforço
especial de mobilização para que ela esteja à altura dos exemplos que foram
precursores deste método na Europa. Nomeadamente em França e em Itália, países
onde votaram entre 4% e 5% da população - o que entre nós significaria entre
400 e 500 mil cidadãos. Para tal é decisivo que os portugueses sintam que ao
inscrever-se para votar nas diretas vão, mais do que ajudar a resolver uma
querela partidária interna, participar na escolha de uma visão alternativa bem
pensada, capaz de contrariar com vitalidade a estagnação do País. É disso que
tudo depende.
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