sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Portugal: A ESTAGNAR



Manuel Maria Carrilho – Diário de Notícias, opinião

DUCHE FRIO

Continuamos a olhar para a árvore sem ver a floresta. A focarmo-nos nas previsíveis palavras de Passos Coelho no Pontal e a ignorar os dados nucleares entretanto conhecidos, que põem em causa tanto a estratégia seguida nos últimos anos como os quadros de expectativas criados para os próximos tempos. E esses dados são que a economia está a abrandar, longe de qualquer coisa que se possa chamar retoma. Pelo contrário, os sinais são de aproximação de uma perigosa estagnação, com quebras na procura interna e nas exportações. É o duche frio, e o Governo continua a repetir a mesma lengalenga, sem vigor nem ideias para enfrentar a situação. E da União Europeia não chegam boas notícias, a estagnação é também aqui o traço geral dos dados agora divulgados pelo Eurostat, com a Itália, a França e a própria Alemanha em queda. A Itália entrou mesmo em recessão, a França ficou num crescimento zero e a Alemanha surpreendeu toda a gente, com o seu PIB a recuar 0,2%. De resto, na Alemanha o barómetro dos investidores caiu no último mês de 27 para 8 pontos, o que torna cada vez menos credível que ela continue a ser vista como a locomotiva do crescimento da União Europeia, capaz de diminuir o seu nível de dívida pública, que anda nos 94%, ou de desemprego, que está em 11,5%. E os fatores externos, com a crise russa à cabeça, não vão certamente ajudar...

EMÍDIO RANGEL

Conheci Emídio Rangel no período em que exerci funções à frente do Ministério da Cultura, período em que trabalhámos juntos em novos projetos na área do audiovisual. Descobri então um homem que combinava de um modo singular uma tenacidade rara com um constante ímpeto inconformista e inovador. Ele levou então a SIC aos píncaros, atingindo audiências à volta dos 50%, situação que não podia deixar de semear invejas e armadilhas várias, que acabaram por ditar o seu afastamento em 2001. À amargura desse desfecho, Emídio Rangel respondeu assumindo o mais difícil dos desafios, que foi o de pegar na RTP para tentar concretizar uma nova orientação do serviço público de televisão, à altura dos novos tempos que se viviam. Conversámos muito nesse período, reforçando uma amizade a que fomos sempre fiéis, fossem quais fossem as circunstâncias, como ele bem provou quando apresentou - com uma coragem que foi sempre a sua característica que mais incomodava - o meu livro Sob o Signo da Verdade, em 2006. O projeto da nova RTP parecia prometer, quando o Governo de Durão Barroso decidiu pôr-lhe termo, ditando em 2002 um novo e injusto afastamento da sua liderança na área televisiva. Começaram então tempos definitivamente amargos, que só se amenizaram com a esperança de que José Sócrates, que Emídio Rangel apoiou sempre, viesse a dar-lhe a oportunidade que lhe tinha sido tirada por Durão Barroso. Mas os cálculos de Sócrates eram outros e Emídio Rangel foi, apesar das raras qualidades e competências que agora todos reconhecem e exaltam, esquecido durante a última década da sua vida - o que, na hora da verdade, só agiganta a obra que deixou.

DIRETAS

Com a entrega das candidaturas e a apresentação dos respetivos programas, fechou-se o primeiro ciclo das diretas que o Partido Socialista vai realizar a 28 de setembro para escolher o seu candidato a primeiro-ministro nas eleições legislativas do próximo ano. É o momento de sublinhar a importância desta iniciativa inédita em Portugal, mas também de realçar que é preciso um esforço especial de mobilização para que ela esteja à altura dos exemplos que foram precursores deste método na Europa. Nomeadamente em França e em Itália, países onde votaram entre 4% e 5% da população - o que entre nós significaria entre 400 e 500 mil cidadãos. Para tal é decisivo que os portugueses sintam que ao inscrever-se para votar nas diretas vão, mais do que ajudar a resolver uma querela partidária interna, participar na escolha de uma visão alternativa bem pensada, capaz de contrariar com vitalidade a estagnação do País. É disso que tudo depende.

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