terça-feira, 21 de outubro de 2014

Portugal: SEXO vs JUSTIÇA. RECOMENDÁVEL OU NÃO A MAIORES DE 50 ANOS?



Marta F. Reis – jornal i

Acórdão recente causou polémica ao baixar indemnização num caso de negligência médica pelo facto de a vítima já ter 50 anos e dois filhos. Noutros casos a idade não pesou
Vítor (nome fictício) tinha 59 anos quando se despistou de carro nas festas de Carnaval em Oiã, em Aveiro. Fez uma fractura na bacia e uma lesão na uretra. Em tribunal, a culpa do sinistro foi atribuída ao condutor de uma segunda viatura mas a seguradora recorreu da decisão: Vítor pedia de 164 mil euros por danos patrimoniais e não patrimoniais mas a mulher também não se resignou: o marido ficara impotente no acidente, o que a levou a reclamar 25 mil euros de indemnização.

A obrigação de ressarcir ambos os elementos deste casal foi confirmada em Janeiro do ano passado pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ). Ao contrário do que sucedeu este mês num caso em que a idade foi um dos motivos para baixar a indemnização de uma mulher que deixou de ter vida sexual após uma operação na MAC em 1995, o facto de o casal de Oiã já não ser jovem e ter uma filha não é relevado na decisão de Aveiro. "A vida sexual activa que tinham antes do acidente unia-os profundamente e proporcionava-lhes uma existência feliz", lê-se no acórdão relativo ao caso de Aveiro, que concluiu que deve entender-se como correcta a tese [da Relação de Coimbra] da tutela dos danos não patrimoniais resultantes da privação sexual. "Mercê das lesões que atingiram o A. a nível sexual, a A. viu-se também total e permanentemente privada da sua vida sexual."

No caso da indemnização à doente operada na Maternidade Alfredo da Costa, os juízes do STA, para justificar a redução da indemnização por danos patrimoniais de 80 mil para 54 mil euros, argumentaram que a situação não era nova, dado que antes da operação a doente já tinha problemas do foro ginecológico que foram agravados. E embora tenham dado como provado que a doente se sente diminuída enquanto mulher e por várias vezes tentou o suicídio, acrescentaram que a mesma à data da operação "já tinha 50 anos e dois filhos, isto é, uma idade em que a sexualidade não tem a importância que assume em idades mais jovens, importância essa que vai diminuindo à medida que a idade avança", afirmação que tem sido contestada por especialistas.

Se a constatação de que a privação sexual causa angústia é comum nos acórdãos pesquisados pelo i com referência a esta matéria, na maioria danos que ocorreram em acidentes, uma consideração tão explícita sobre a idade é inédita. Em 2005, um homem que tinha 47 anos quando sofreu um acidente de carro também por culpa de terceiros, tendo ficado tetraplégico, viu reconhecido além de uma indemnização de 35 mil euros por danos patrimoniais, o direito a 60 mil euros por danos morais relacionados com o facto de não mais voltar a "ter uma actividade sexual normal, com a consequente perda do prazer que esse relacionamento lhe proporcionaria e o efeito procriador", bem como ao medo, dores e sofrimentos suportado.

Em 2009, num acórdão do STJ considerado inovador noutras decisões que se seguiram, não só um homem de 32 anos, que ficou com uma incapacidade de 100% na sequência de um acidente rodoviário, viu reconhecido o direito a uma indemnização de 200 mil euros, como a mulher, de 25 anos à data do acidente e casada há sete meses, viu confirmada o direito a uma indemnização de 50 mil euros por "não poder, doravante, conceber, do seu marido, outro filho, tal como desejava, senão através de métodos clínicos, diferentes do normal, que é o relacionamento sexual entre pessoas de sexo diferente."

Joaquim Sousa Dinis, juiz conselheiro jubilado citado em alguns acórdãos, explicou aoi que não há diferenças entre os direitos reconhecidos nestes acórdãos e um caso de negligência médica, defendendo que se trata de um direito de personalidade mais do que uma quantificação de um dano corporal como se fosse uma cicatriz e rejeitando o argumento da idade. "Os direitos de personalidade não cessam com a idade", defende. Por outro lado, sublinha que mesmo aqui poderia ter havido lugar à compensação do cônjuge, defendendo que a lei portuguesa devia ser mais clara quanto a isso, incluindo-se esse ponto no Código Civil.

Em 2008, uma tese no âmbito do Mestrado em Ciências Forenses da Universidade do Porto concluiu, com base numa amostra de 156 relatórios da Medicina Legal sobre danos sexuais em acidentes, que a maioria dos casos visa pessoas entre os 30 e 60 anos. "Fica a dúvida, sobretudo em relação a este grupo de indivíduos mais velhos, se os preconceitos relacionados com a sexualidade na terceira idade não estão aqui a afectar quer a perspectiva da vítima, quer a do perito", lê-se. Em 47 decisões judiciais, conclui o trabalho, o dano sexual só foi considerado relevante na definição da indemnização num caso, o que levou o autor a concluir que há uma subvaliação deste tipo de problemas.

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