Marta
F. Reis – jornal i
Acórdão
recente causou polémica ao baixar indemnização num caso de negligência médica
pelo facto de a vítima já ter 50 anos e dois filhos. Noutros casos a idade não
pesou
Vítor
(nome fictício) tinha 59 anos quando se despistou de carro nas festas de
Carnaval em Oiã, em
Aveiro. Fez uma fractura na bacia e uma lesão na uretra. Em
tribunal, a culpa do sinistro foi atribuída ao condutor de uma segunda viatura
mas a seguradora recorreu da decisão: Vítor pedia de 164 mil euros por danos
patrimoniais e não patrimoniais mas a mulher também não se resignou: o marido
ficara impotente no acidente, o que a levou a reclamar 25 mil euros de
indemnização.
A
obrigação de ressarcir ambos os elementos deste casal foi confirmada em Janeiro
do ano passado pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ). Ao contrário do que
sucedeu este mês num caso em que a idade foi um dos motivos para baixar a
indemnização de uma mulher que deixou de ter vida sexual após uma operação na
MAC em 1995, o facto de o casal de Oiã já não ser jovem e ter uma filha não é
relevado na decisão de Aveiro. "A vida sexual activa que tinham antes do
acidente unia-os profundamente e proporcionava-lhes uma existência feliz",
lê-se no acórdão relativo ao caso de Aveiro, que concluiu que deve entender-se
como correcta a tese [da Relação de Coimbra] da tutela dos danos não
patrimoniais resultantes da privação sexual. "Mercê das lesões que
atingiram o A. a nível sexual, a A. viu-se também total e permanentemente privada
da sua vida sexual."
No
caso da indemnização à doente operada na Maternidade Alfredo da Costa, os
juízes do STA, para justificar a redução da indemnização por danos patrimoniais
de 80 mil para 54 mil euros, argumentaram que a situação não era nova, dado que
antes da operação a doente já tinha problemas do foro ginecológico que foram
agravados. E embora tenham dado como provado que a doente se sente diminuída
enquanto mulher e por várias vezes tentou o suicídio, acrescentaram que a mesma
à data da operação "já tinha 50 anos e dois filhos, isto é, uma idade em
que a sexualidade não tem a importância que assume em idades mais jovens,
importância essa que vai diminuindo à medida que a idade avança",
afirmação que tem sido contestada por especialistas.
Se
a constatação de que a privação sexual causa angústia é comum nos acórdãos
pesquisados pelo i com referência a esta matéria, na maioria danos
que ocorreram em acidentes, uma consideração tão explícita sobre a idade é
inédita. Em 2005, um homem que tinha 47 anos quando sofreu um acidente de carro
também por culpa de terceiros, tendo ficado tetraplégico, viu reconhecido além
de uma indemnização de 35 mil euros por danos patrimoniais, o direito a 60 mil
euros por danos morais relacionados com o facto de não mais voltar a "ter
uma actividade sexual normal, com a consequente perda do prazer que esse
relacionamento lhe proporcionaria e o efeito procriador", bem como ao
medo, dores e sofrimentos suportado.
Em
2009, num acórdão do STJ considerado inovador noutras decisões que se seguiram,
não só um homem de 32 anos, que ficou com uma incapacidade de 100% na sequência
de um acidente rodoviário, viu reconhecido o direito a uma indemnização de 200
mil euros, como a mulher, de 25 anos à data do acidente e casada há sete meses,
viu confirmada o direito a uma indemnização de 50 mil euros por "não
poder, doravante, conceber, do seu marido, outro filho, tal como desejava,
senão através de métodos clínicos, diferentes do normal, que é o relacionamento
sexual entre pessoas de sexo diferente."
Joaquim
Sousa Dinis, juiz conselheiro jubilado citado em alguns acórdãos, explicou aoi que
não há diferenças entre os direitos reconhecidos nestes acórdãos e um caso de
negligência médica, defendendo que se trata de um direito de personalidade mais
do que uma quantificação de um dano corporal como se fosse uma cicatriz e
rejeitando o argumento da idade. "Os direitos de personalidade não cessam
com a idade", defende. Por outro lado, sublinha que mesmo aqui poderia ter
havido lugar à compensação do cônjuge, defendendo que a lei portuguesa devia
ser mais clara quanto a isso, incluindo-se esse ponto no Código Civil.
Em
2008, uma tese no âmbito do Mestrado em Ciências Forenses
da Universidade do Porto concluiu, com base numa amostra de 156 relatórios da
Medicina Legal sobre danos sexuais em acidentes, que a maioria dos casos visa
pessoas entre os 30 e 60 anos. "Fica a dúvida, sobretudo em relação a este
grupo de indivíduos mais velhos, se os preconceitos relacionados com a
sexualidade na terceira idade não estão aqui a afectar quer a perspectiva da
vítima, quer a do perito", lê-se. Em 47 decisões judiciais, conclui o
trabalho, o dano sexual só foi considerado relevante na definição da
indemnização num caso, o que levou o autor a concluir que há uma subvaliação
deste tipo de problemas.
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