sexta-feira, 7 de novembro de 2014

OS TRÊS PROTAGONISTAS DA DEMOCRACIA EM SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE



José Maria Cardoso – Téla Nón, opinião

Patrice Trovoada andou foragido das ilhas sagradas durante um período de quase dois anos sem, no entanto, beliscar a sua liderança partidária. No regresso contou com uma frota de guarda-costas especializada na defesa pessoal e jurídica da vida pública e política portuguesa e não só.

As imagens guiaram-me a especular que alguns garimpeiros trocaram Angola por São Tomé e Príncipe na pretensão de esvaziar o nosso tanque de petrodólares e queimar na raiz o nosso sonho de Dubai em 2024.

Sem ver olho da terra durante um longo e não aconselhável período, além de condenações próprias da distância do tempo, a questão comum com que me chaparam acertou em cheio na esperança amordaçada. Como vês o país passado quase duas décadas?

Não animei ao debate. Quase vinte anos. Tal e qual fui narrando e de que foram chegando as reportagens por várias janelas da actualidade vi a terra flagelada no tempo e com a capital comercial mais africana que nunca. Sem novidades que pudessem sujeitar-me a autocrítica pessoal.

A agenda conduziu-me ao único hospital de São Tomé. Os testemunhos vivenciados e até uma jovem mãe nua como Deus fez, a higienizar-se da água do balde por detrás da pediatria que nem nos hospitais de campanha, não são de nada abonatórios de partilhar na tribuna do Téla Nón.

O propósito em São Tomé e Príncipe, coincidentemente proposto pela empresa onde presto a contribuição profissional, não poderia ter acontecido na hora certa e no lugar certo que em cima das eleições para contar os votos.

No sábado eleitoral tive de conferenciar com alguns amigos de ADI, antigos alunos e colegas no erguer da cidade e do distrito. O único camarada que se atreveu ao caminho com a coragem de identificar a outra coloração política, MLSTP/PSD, chapou-me na barba de que eu teria mudado de fileiras.

Não estranhei. Trouxe ao testemunho fundamentos já anteriormente acusados a liberdade pessoal de que na página do facebook fiz vivamente campanha para ADI. Não lhe convenci de que o alcance da democracia me permitir margens de partilha de todo o material que me foi visitando da campanha, sem fronteiras, distinção de propostas e candidaturas eleitorais.

Tinha uma agenda definida para as duas semanas na terra natal de que me ocuparia apenas com o povo, apenas com ele, já que um dos seus elementos acamado e em pura batalha pela vida após umAVCismo – San Mosa na Trindade – reclamava de mim, ao menos que fosse um abraço de filho a percorrer o hospital e as clínicas.

Queixaram-se de picardias contra o partido, ao que funcionou, de imediato, como reagente químico. Os estimulantes lançaram-me ao desafio de mexer na agenda para dois encontros oficiais. Tinha de apresentar-me nos quarteis generais e esclarecer as supostas dúvidas envolta da minha liberdade de pensar e de escrever e, por aí, em diante.

Com os pés seguros no chão sagrado, Abnilde d’Oliveira, antigo Secretário de Estado e porta-voz do partido, respondeu ao meu pedido de um encontro, o mais urgente e ao mais alto nível com o chefe.

Apesar da animação popular nessa noite já ditar os resultados eleitorais, faltando apenas esclarecer nos votos de domingo que tipo de maioria a castigar a revolta nacional e atribuir as promessas eleitorais, fui peremptório de que não levaria na manga qualquer intento suspeito. Talvez sim, pedido de benesses ao povo.

Alterado a passagem discreta pelo país, restava a solicitação de confronto com um terceiro protagonista da nossa democracia, o presidente da república, na pessoa do economista Manuel Pinto da Costa.

Na manhã de voto, fortemente guarnecido pelos militares, confrontei a unidade policial que recebia as últimas ordens do chefe para que me fosse concedido uma recordação turística, embora o vocábulo não me pertencesse.

Recebi um bofetão dos agentes policiais que só não me pus fora com o coração nas mãos, porque ainda me sinto santomense e muito mais que isso estava no meu território, Trindade.

Confesso que a minha ousadia centrava apenas no meu tempo. De 1990 a 1997 sob a presidência do professor Felisberto Batista de Sousa, a nossa dupla dirigiu os trabalhos da Comissão Eleitoral Distrital de Mé-Zóchi no singelo contributo a planta lançada à terra da qual os democratas – políticos – não repartiram com o povo o bem-estar social e económico.

No primórdio inaugural da democracia, a polícia e os militares permaneciam aquartelados e comparecendo ao exercício democrático, sem armas e de preferência à paisana.

Porquê do teatro bélico e de desfiles de polícias e militares no escrutínio e até em patrulha pelo distrito e, quiçá pelo país, aos olhos dos observadores internacionais?

O povo apenas celebrava a festa da democracia no seu direito de decidir o Estado de Direito Democrático em controversa com o governo que havia declarado o estado de sítio com o fecho das escolas públicas.

A sede em fotografar contrastou com a ventania de urna e lançou-me a uma mãe, palaiê de Praia Cruz, que muito antes das oito da manhã já percorria Trindade ao Cruzeiro e até aonde a canção a levaria em busca do ganha-pão. E à que horas vai votar?

Na peregrinação de abraços e justificações pelo abandono da terra e do povo, apercebi-me de um dos assessores do presidente Pinto da Costa. Diallo Santos prometeu encetar com o seu colega Gika um furo para que eu comparecesse a frente do presidente de todos os santomenses.

O tempo correu com a contagem e confirmação oficial dos votos ao favor de ADI que não estava preparada para a tamanha vitória. Não tinha um governo sombra para assumir aos destinos do país como a nação veio a confirmar no desinteresse de pegar na hora a agenda política, económica e social das ilhas, adiando a tomada de posse do PM para quando calhar.

A maioria absoluta dá o poder, mas jamais tão exclusivo para que a democracia não caía na ditadura por interpretações díspares de feitos dos legisladores.

Nos festejos e rescaldos da vitória eleitoral voltei a incomodar por duas vezes as minhas cunhas, dirigente de ADI numa margem e assessor da presidência da república na outra, ligeiramente mais novos que os meus primeiros educandos, de que prescrevia no dia 24 de Outubro a minha demora nas ilhas.

No alto da capital de Mé-Zóchi descobri a paixão de Pinto da Costa pela arte. De um antigo caroceiro anda a germinar uma escultura moldada por mãos mágicas de um mestre que me trouxera a lembrança, o Malangatana.

O postal expressivo dessa engenharia congrega argumentos das portas do palácio da cidade vir a abrir, ao longo do ano, às escolas das ilhas para que as crianças comessem a redesenhar o futuro a partir do antigo caroceiro do Mouro da Trindade.

Agradeci ao Diallo Santos por comungar o desafio e cumprido a ousadia. Esgotaram as duas semanas sem a chamada de Abnilde d’Oliveira a confirmar ou recusar o prometido encontro com o presidente de ADI, conhecedor como ninguém da casa que vai assumir pela terceira vez.

Irrisório e arriscado, os dois anos a crer no trampolim para a presidência da república na lista das minhas curiosidades. Enquanto isso, o tango no sítio de rumba já teve o seu início com o extrapolar de tomada de posse do governo e dos deputados a mais uma legislatura.
A última oferta da tarde memorável do presidente da república ao fixar dos nossos olhares cúmplices dá direito de partilha. São Tomé e Príncipe, vencerá sempre!

Pinto da Costa a oficializar o romance com o partido, claramente vencedor das últimas eleições fazendo às suas vontades, não há mais prova e inequívoca de que o presidente da república elegera a estabilidade e o consenso em nome de São Tomé e Príncipe. Que assim seja!

Não me convenço de que a semelhança de Patrice Trovoada que entregou a fé ao islamismo terá escolhido o caminho de Testemunhas de Jeová.

Por cada bofetada irá sempre entregar a outra face? Fotografei a nova igreja no centro da Trindade superlotada e as Testemunhas de Cristo ataviadas, perfumadas e de face sorridente contrariamente ao que deixei há quase vinte anos.

No dia decisivo assisti no segundo período a alegria da cidade que acordou ao leve-leve a entupir pelas costuras como que fosse a tarde de Nazaré ou Deus-Pai com uma cantiga contagiante doabubé ao letrado: “ Kúa ku sá mon, zó sá gi sun.”

Uma exigência no imediato – o futuro maquiavélico, fictício ou abençoado nas mãos dos políticos – bastava uma cerveja nacional. No terreno fértil, o rebanho comungou de que a tróica governamental barrou o levantamento da massa dos bancos, não obstante um milhão de euros queimados na campanha eleitoral.

De todas as forças políticas poderosas no cenário político nacional, apercebeu-se do banho e do sonho andarem disfarçadamente de mãos dadas pelas ruas de votação. Afinal, somos todos primotas–STP.

Trindade inundada de jovens deu garantias de que o distrito rejeitou por completo ao MLSTP/PSD de Rafael Branco, Alcino Pinto, Guilherme Octaviano, António Quintas Aguiar e companhia, exigindo rapidamente que o partido rejuvenesça sem olhos grossos nas eleições de 2016 e 2018. A travessia é pelo deserto.

Felicitei pessoalmente a nova Presidente da Câmara de Mé-Zóchi, Isabel Domingos, quem não avistei no banho da multidão do fim-de-semana eleitoral. Da população tem o recado de arregaçar as mangas, porque Nelson Carvalho aos olhos do distrito deixou obra feita. Chafarizes públicos, vias iluminadas, estradas remendadas, bombeiros e muitos empregados.

Não resisti as lágrimas defronte aos escombros do antigo hospital e maternidade, patenteada escola preparatória e local de encontros políticos e sociais da cidade. Associação de Socorros Mútuos, a obra da família Graça e dos associados de outros tempos, símbolo do poder da Trindade no confronto directo com o regime colonial português no vendaval fúnebre.

O vapor democrático de quem anda nestas lides, elegante torna as felicitações ao partido vencedor, ADI, ao seu presidente Patrice Trovoada e sobretudo ao povo que mais uma vez elevou brilhantemente o nome de São Tomé e Príncipe nas páginas internacionais.

Com todos os ingredientes a dar início a marcha na pretérita badalada de Jalego “lôssô tlêzê conto”, o tempo imediato reclama dos santomenses de vários quadrantes o trabalho árduo para a inauguração do nosso Dubai nos próximos dez anos.

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