José
Maria Cardoso – Téla Nón, opinião
Patrice
Trovoada andou foragido das ilhas sagradas durante um período de quase dois
anos sem, no entanto, beliscar a sua liderança partidária. No regresso contou
com uma frota de guarda-costas especializada na defesa pessoal e jurídica da
vida pública e política portuguesa e não só.
As
imagens guiaram-me a especular que alguns garimpeiros trocaram Angola por São
Tomé e Príncipe na pretensão de esvaziar o nosso tanque de petrodólares e
queimar na raiz o nosso sonho de Dubai em 2024.
Sem
ver olho da terra durante um longo e não aconselhável período, além de
condenações próprias da distância do tempo, a questão comum com que me chaparam
acertou em cheio na esperança amordaçada. Como vês o país passado quase duas
décadas?
Não
animei ao debate. Quase vinte anos. Tal e qual fui narrando e de que foram
chegando as reportagens por várias janelas da actualidade vi a terra flagelada
no tempo e com a capital comercial mais africana que nunca. Sem novidades que
pudessem sujeitar-me a autocrítica pessoal.
A
agenda conduziu-me ao único hospital de São Tomé. Os testemunhos vivenciados e
até uma jovem mãe nua como Deus fez, a higienizar-se da água do balde por
detrás da pediatria que nem nos hospitais de campanha, não são de nada
abonatórios de partilhar na tribuna do Téla Nón.
O
propósito em São Tomé
e Príncipe, coincidentemente proposto pela empresa onde presto a contribuição
profissional, não poderia ter acontecido na hora certa e no lugar certo que em
cima das eleições para contar os votos.
No
sábado eleitoral tive de conferenciar com alguns amigos de ADI, antigos alunos
e colegas no erguer da cidade e do distrito. O único camarada que se
atreveu ao caminho com a coragem de identificar a outra coloração política,
MLSTP/PSD, chapou-me na barba de que eu teria mudado de fileiras.
Não
estranhei. Trouxe ao testemunho fundamentos já anteriormente acusados a
liberdade pessoal de que na página do facebook fiz vivamente campanha
para ADI. Não lhe convenci de que o alcance da democracia me permitir margens
de partilha de todo o material que me foi visitando da campanha, sem
fronteiras, distinção de propostas e candidaturas eleitorais.
Tinha
uma agenda definida para as duas semanas na terra natal de que me ocuparia
apenas com o povo, apenas com ele, já que um dos seus elementos acamado e em
pura batalha pela vida após umAVCismo – San Mosa na Trindade – reclamava
de mim, ao menos que fosse um abraço de filho a percorrer o hospital e as
clínicas.
Queixaram-se
de picardias contra o partido, ao que funcionou, de imediato, como reagente
químico. Os estimulantes lançaram-me ao desafio de mexer na agenda para dois
encontros oficiais. Tinha de apresentar-me nos quarteis generais e
esclarecer as supostas dúvidas envolta da minha liberdade de pensar e de
escrever e, por aí, em diante.
Com
os pés seguros no chão sagrado, Abnilde d’Oliveira, antigo Secretário de Estado
e porta-voz do partido, respondeu ao meu pedido de um encontro, o mais urgente
e ao mais alto nível com o chefe.
Apesar
da animação popular nessa noite já ditar os resultados eleitorais, faltando
apenas esclarecer nos votos de domingo que tipo de maioria a castigar a revolta
nacional e atribuir as promessas eleitorais, fui peremptório de que não levaria
na manga qualquer intento suspeito. Talvez sim, pedido de benesses ao povo.
Alterado
a passagem discreta pelo país, restava a solicitação de confronto com um
terceiro protagonista da nossa democracia, o presidente da república, na pessoa
do economista Manuel Pinto da Costa.
Na
manhã de voto, fortemente guarnecido pelos militares, confrontei a unidade
policial que recebia as últimas ordens do chefe para que me fosse concedido uma
recordação turística, embora o vocábulo não me pertencesse.
Recebi
um bofetão dos agentes policiais que só não me pus fora com o coração
nas mãos, porque ainda me sinto santomense e muito mais que isso estava no meu
território, Trindade.
Confesso
que a minha ousadia centrava apenas no meu tempo. De 1990 a 1997 sob a
presidência do professor Felisberto Batista de Sousa, a nossa dupla dirigiu os
trabalhos da Comissão Eleitoral Distrital de Mé-Zóchi no singelo contributo a
planta lançada à terra da qual os democratas – políticos – não repartiram com o
povo o bem-estar social e económico.
No
primórdio inaugural da democracia, a polícia e os militares permaneciam
aquartelados e comparecendo ao exercício democrático, sem armas e de
preferência à paisana.
Porquê
do teatro bélico e de desfiles de polícias e militares no escrutínio e até em
patrulha pelo distrito e, quiçá pelo país, aos olhos dos observadores
internacionais?
O
povo apenas celebrava a festa da democracia no seu direito de decidir o Estado
de Direito Democrático em controversa com o governo que havia declarado o estado
de sítio com o fecho das escolas públicas.
A
sede em fotografar contrastou com a ventania de urna e lançou-me a uma mãe,
palaiê de Praia Cruz, que muito antes das oito da manhã já percorria Trindade
ao Cruzeiro e até aonde a canção a levaria em busca do ganha-pão. E à que horas
vai votar?
Na
peregrinação de abraços e justificações pelo abandono da terra e do povo,
apercebi-me de um dos assessores do presidente Pinto da Costa. Diallo Santos
prometeu encetar com o seu colega Gika um furo para que eu comparecesse a
frente do presidente de todos os santomenses.
O
tempo correu com a contagem e confirmação oficial dos votos ao favor de ADI que
não estava preparada para a tamanha vitória. Não tinha um governo sombra para
assumir aos destinos do país como a nação veio a confirmar no desinteresse de
pegar na hora a agenda política, económica e social das ilhas, adiando a tomada
de posse do PM para quando calhar.
A
maioria absoluta dá o poder, mas jamais tão exclusivo para que a democracia não
caía na ditadura por interpretações díspares de feitos dos legisladores.
Nos
festejos e rescaldos da vitória eleitoral voltei a incomodar por duas vezes as
minhas cunhas, dirigente de ADI numa margem e assessor da presidência da
república na outra, ligeiramente mais novos que os meus primeiros educandos, de
que prescrevia no dia 24 de Outubro a minha demora nas ilhas.
No
alto da capital de Mé-Zóchi descobri a paixão de Pinto da Costa pela arte. De
um antigo caroceiro anda a germinar uma escultura moldada por mãos mágicas de
um mestre que me trouxera a lembrança, o Malangatana.
O
postal expressivo dessa engenharia congrega argumentos das portas do palácio da
cidade vir a abrir, ao longo do ano, às escolas das ilhas para que as crianças
comessem a redesenhar o futuro a partir do antigo caroceiro do Mouro da Trindade.
Agradeci
ao Diallo Santos por comungar o desafio e cumprido a ousadia. Esgotaram as duas
semanas sem a chamada de Abnilde d’Oliveira a confirmar ou recusar o prometido
encontro com o presidente de ADI, conhecedor como ninguém da casa que vai assumir
pela terceira vez.
Irrisório
e arriscado, os dois anos a crer no trampolim para a presidência da república
na lista das minhas curiosidades. Enquanto isso, o tango no sítio de rumba já
teve o seu início com o extrapolar de tomada de posse do governo e dos
deputados a mais uma legislatura.
A
última oferta da tarde memorável do presidente da república ao fixar dos nossos
olhares cúmplices dá direito de partilha. São Tomé e Príncipe, vencerá
sempre!
Pinto
da Costa a oficializar o romance com o partido, claramente vencedor das últimas
eleições fazendo às suas vontades, não há mais prova e inequívoca de que o
presidente da república elegera a estabilidade e o consenso em nome de São Tomé
e Príncipe. Que assim seja!
Não
me convenço de que a semelhança de Patrice Trovoada que entregou a fé ao
islamismo terá escolhido o caminho de Testemunhas de Jeová.
Por
cada bofetada irá sempre entregar a outra face? Fotografei a nova igreja no
centro da Trindade superlotada e as Testemunhas de Cristo ataviadas, perfumadas
e de face sorridente contrariamente ao que deixei há quase vinte anos.
No
dia decisivo assisti no segundo período a alegria da cidade que acordou ao
leve-leve a entupir pelas costuras como que fosse a tarde de Nazaré ou Deus-Pai
com uma cantiga contagiante doabubé ao letrado: “ Kúa ku sá mon, zó
sá gi sun.”
Uma
exigência no imediato – o futuro maquiavélico, fictício ou abençoado nas mãos
dos políticos – bastava uma cerveja nacional. No terreno fértil, o rebanho
comungou de que a tróica governamental barrou o levantamento da massa dos
bancos, não obstante um milhão de euros queimados na campanha eleitoral.
De
todas as forças políticas poderosas no cenário político nacional, apercebeu-se
do banho e do sonho andarem disfarçadamente de mãos dadas pelas ruas de
votação. Afinal, somos todos primotas–STP.
Trindade
inundada de jovens deu garantias de que o distrito rejeitou por completo ao
MLSTP/PSD de Rafael Branco, Alcino Pinto, Guilherme Octaviano, António Quintas
Aguiar e companhia, exigindo rapidamente que o partido rejuvenesça sem olhos
grossos nas eleições de 2016 e 2018.
A travessia é pelo deserto.
Felicitei
pessoalmente a nova Presidente da Câmara de Mé-Zóchi, Isabel Domingos, quem não
avistei no banho da multidão do fim-de-semana eleitoral. Da população tem o
recado de arregaçar as mangas, porque Nelson Carvalho aos olhos do distrito
deixou obra feita. Chafarizes públicos, vias iluminadas, estradas remendadas,
bombeiros e muitos empregados.
Não
resisti as lágrimas defronte aos escombros do antigo hospital e maternidade,
patenteada escola preparatória e local de encontros políticos e sociais da
cidade. Associação de Socorros Mútuos, a obra da família Graça e dos associados
de outros tempos, símbolo do poder da Trindade no confronto directo com o
regime colonial português no vendaval fúnebre.
O
vapor democrático de quem anda nestas lides, elegante torna as felicitações ao
partido vencedor, ADI, ao seu presidente Patrice Trovoada e sobretudo ao povo
que mais uma vez elevou brilhantemente o nome de São Tomé e Príncipe nas
páginas internacionais.
Com
todos os ingredientes a dar início a marcha na pretérita badalada de Jalego “lôssô
tlêzê conto”, o tempo imediato reclama dos santomenses de vários quadrantes o
trabalho árduo para a inauguração do nosso Dubai nos próximos dez anos.
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