Luís
Rosa – jornal i, editorial
A
PGR que permitiu a Ricardo Salgado publicitar a sua inocência em Janeiro de
2013 deve explicar porque não há detenções
Foi
Marques Mendes que lançou a questão na SIC: "Em qualquer país normal do
mundo civilizado já estava alguém preso" no caso BES/GES. É uma afirmação
forte de um ex-presidente
do PSD que pode considerada populista e demagógica, mas interpreta o sentimento
de perplexidade da generalidade dos cidadãos sobre as notícias contínuas de
irregularidades que a comunicação social tem vindo a revelar sobre o caso
BES/GES desde o início do ano.
A
forma como os portugueses não percebem a organização e o funcionamento do
sistema de justiça é um problema antigo que se agravou quando a comunicação
social passou a dedicar mais atenção às decisões dos tribunais e o sistema
judiciário, que gosta do segredo como modo de vida, decidiu fechar-se ainda
mais na sua concha. O caso das declarações de Marques Mendes é um excelente
exemplo. Passaram-se seis dias e a Procuradoria-Geral da República prefere o
silêncio político em detrimento de uma informação clara e transparente, que
esclareça a comunidade em nome do Ministério Público - o que seria possível,
refira-se, sem desrespeitar o segredo de justiça. Não se percebe por que razão
a PGR fica muda e queda quando em Dezembro de 2012 o procurador Rosário
Teixeira, responsável pela investigação do caso Monte Branco, permitiu a
Ricardo Salgado a divulgação pública de um despacho judicial que o ilibava de
suspeitas de fraude fiscal naquela investigação e enfatizava a sua condição de
testemunha - condição essa que mudou em Julho último para arguido.
A
resposta que a PGR devia ter dado publicamente a Marques Mendes é simples: não
- como, aliás, a Sílvia Caneco explica nestas páginas. A razão prende-se com um
princípio básico da nossa lei: é preferível ter um culpado em liberdade a ter
um inocente preso. É este princípio judiciário que faz com que a balança entre
os direitos da defesa e da acusação sejam desequilibrados em detrimento da
punição - particularmente quando o arguido ou réu tem capacidade financeira
para pagar um bom advogado. Preferindo o sistema fazer tudo o que está ao seu
alcance para não ter um inocente preso, percebe-se que só em último recurso se
retire a liberdade a alguém. É por isso, por exemplo, que a lei impede que o
crime de falsificação de documento (sob investigação no caso BES/GES devido à
alegada manipulação da contabilidade) possa originar a prisão preventiva de
alguém, por envolver uma pena inferior a três anos, ou que ninguém possa ser
preso por ser mera suspeita da prática de crimes, a não ser que seja apanhado
em flagrante delito. É também esse princípio que explica o facto de Ricardo
Salgado ter sido libertado mediante o pagamento de uma caução milionária, em
vez de continuar detido por não estarem cumpridos os pressupostos para a prisão
preventiva.
Estes
princípios estão obviamente correctos por corresponderem a um Estado de
direito, mas não podem ser vistos como um dogma judicial que impeça a sanção
(preventiva ou não) em nome da igualdade e da proporcionalidade na aplicação da
justiça. A lentidão e ineficácia da justiça que costumamos testemunhar nos
casos mais mediáticos de criminalidade económico-financeira não são a palavra
de ordem quando os cidadãos comuns são investigados, acusados, pronunciados e
condenados - e esse é o maior sentido de injustiça que uma comunidade pode
sentir. A PGR deve preocupar-se com combater a percepção de que continua a
existir, apesar de todas as melhorias dos últimos anos, uma justiça para ricos
e outra para pobres. Seja através das investigações céleres e conclusivas, seja
através de uma comunicação clara com a comunidade. A rapidez da justiça não tem
de ser a da comunicação social, mas convém não ser demasiado lenta sob pena de
os cidadãos considerarem que vigora a impunidade.
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