sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Portugal: BES. JUSTIÇA MUDA E QUEDA



Luís Rosa – jornal i, editorial

A PGR que permitiu a Ricardo Salgado publicitar a sua inocência em Janeiro de 2013 deve explicar porque não há detenções

Foi Marques Mendes que lançou a questão na SIC: "Em qualquer país normal do mundo civilizado já estava alguém preso" no caso BES/GES. É uma afirmação forte de um ex-presidente do PSD que pode considerada populista e demagógica, mas interpreta o sentimento de perplexidade da generalidade dos cidadãos sobre as notícias contínuas de irregularidades que a comunicação social tem vindo a revelar sobre o caso BES/GES desde o início do ano.

A forma como os portugueses não percebem a organização e o funcionamento do sistema de justiça é um problema antigo que se agravou quando a comunicação social passou a dedicar mais atenção às decisões dos tribunais e o sistema judiciário, que gosta do segredo como modo de vida, decidiu fechar-se ainda mais na sua concha. O caso das declarações de Marques Mendes é um excelente exemplo. Passaram-se seis dias e a Procuradoria-Geral da República prefere o silêncio político em detrimento de uma informação clara e transparente, que esclareça a comunidade em nome do Ministério Público - o que seria possível, refira-se, sem desrespeitar o segredo de justiça. Não se percebe por que razão a PGR fica muda e queda quando em Dezembro de 2012 o procurador Rosário Teixeira, responsável pela investigação do caso Monte Branco, permitiu a Ricardo Salgado a divulgação pública de um despacho judicial que o ilibava de suspeitas de fraude fiscal naquela investigação e enfatizava a sua condição de testemunha - condição essa que mudou em Julho último para arguido.

A resposta que a PGR devia ter dado publicamente a Marques Mendes é simples: não - como, aliás, a Sílvia Caneco explica nestas páginas. A razão prende-se com um princípio básico da nossa lei: é preferível ter um culpado em liberdade a ter um inocente preso. É este princípio judiciário que faz com que a balança entre os direitos da defesa e da acusação sejam desequilibrados em detrimento da punição - particularmente quando o arguido ou réu tem capacidade financeira para pagar um bom advogado. Preferindo o sistema fazer tudo o que está ao seu alcance para não ter um inocente preso, percebe-se que só em último recurso se retire a liberdade a alguém. É por isso, por exemplo, que a lei impede que o crime de falsificação de documento (sob investigação no caso BES/GES devido à alegada manipulação da contabilidade) possa originar a prisão preventiva de alguém, por envolver uma pena inferior a três anos, ou que ninguém possa ser preso por ser mera suspeita da prática de crimes, a não ser que seja apanhado em flagrante delito. É também esse princípio que explica o facto de Ricardo Salgado ter sido libertado mediante o pagamento de uma caução milionária, em vez de continuar detido por não estarem cumpridos os pressupostos para a prisão preventiva.

Estes princípios estão obviamente correctos por corresponderem a um Estado de direito, mas não podem ser vistos como um dogma judicial que impeça a sanção (preventiva ou não) em nome da igualdade e da proporcionalidade na aplicação da justiça. A lentidão e ineficácia da justiça que costumamos testemunhar nos casos mais mediáticos de criminalidade económico-financeira não são a palavra de ordem quando os cidadãos comuns são investigados, acusados, pronunciados e condenados - e esse é o maior sentido de injustiça que uma comunidade pode sentir. A PGR deve preocupar-se com combater a percepção de que continua a existir, apesar de todas as melhorias dos últimos anos, uma justiça para ricos e outra para pobres. Seja através das investigações céleres e conclusivas, seja através de uma comunicação clara com a comunidade. A rapidez da justiça não tem de ser a da comunicação social, mas convém não ser demasiado lenta sob pena de os cidadãos considerarem que vigora a impunidade.

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