Sérgio
Soares – jornal i
Líder
timorense foi o herói perfeito de uma causa honrada que se dava por perdida mas
recolheu sempre o apoio unânime português
No
rescaldo de um processo de descolonização atabalhoado, Portugal viu-se
subitamente sem grandes causas e sem verdadeiros heróis contemporâneos. Os que
havia eram rejeitados ideologicamente ora pela esquerda ora pela direita.
A
invasão e ocupação de Timor pela Indonésia foi a situação emocionalmente
perfeita para se abraçar uma nova causa com sentido. Tratava-se da defesa dos
guerrilheiros timorenses que se batiam corajosamente nas montanhas contra um
impiedoso invasor indonésio, que ainda por cima abolira a língua portuguesa
durante a ocupação.
Os
constantes massacres de timorenses às mãos das milícias armadas por Jacarta
ajudaram a cimentar a causa e o símbolo da resistência: Xanana Gusmão.
O
dia 12 de Novembro de 1991 foi a data do massacre de Santa Cruz. Os indonésios
abateram 371 pessoas e feriram 382. Outras 250 nunca foram encontradas.
Se
durante décadas o líder da resistência timorense fez o pleno nos apoios
conquistados à esquerda e à direita em Portugal, com o massacre atingiu o
Olimpo no imaginário lusitano.
Inacessível,
nas montanhas da ilha sitiado pelo feroz inimigo, o líder dos rebeldes
timorenses caiu no goto do povo português, que o entronizou como seu novo
grande herói.
AI
TIMOR
Odes e loas foram tecidas em sua homenagem, chegando uma música que chorava o fado da ilha a entrar directamente no top 10 da canção nacional: "Ai Timor, calam-se as vozes dos teus avós. Ai Timor, se outros calam cantemos nós!", dizia a letra.
Odes e loas foram tecidas em sua homenagem, chegando uma música que chorava o fado da ilha a entrar directamente no top 10 da canção nacional: "Ai Timor, calam-se as vozes dos teus avós. Ai Timor, se outros calam cantemos nós!", dizia a letra.
Xanana
tinha tudo. Era humilde, defensor dos fracos, resistia tenazmente a uma
ocupação selvagem, foi preso e deportado para a cadeia de Cipinang, defendia a
língua portuguesa naquela parte do mundo, e representava uma causa quixotesca
face a um inimigo poderoso.
Aquando
do seu julgamento, a 20 de Novembro de 1992, os portugueses choraram de emoção
com a postura de defesa do seu herói transnacional.
"Eu
sou Kay Rala Xanana Gusmão, o líder da resistência maubere contra a cobarde e
vergonhosa invasão de 7 de Dezembro de 1975 e a criminosa e ilegal ocupação
militar de Timor-Leste desde há 17 anos. "Perante o direito internacional
eu continuo, como todos os timorenses, cidadão português, e, perante a minha
própria consciência, sou cidadão de Timor-Leste. É nestes termos que rejeito a
competência de qualquer tribunal indonésio para me julgar e, muito menos, a
jurisdição deste tribunal, implantado à força das armas e do crime, na minha
pátria, Timor-Leste."
Xanana
conclui a defesa afirmando: "Nenhum acordo pode ser celebrado entre
prisioneiro e carcereiro."
Contudo,
meses depois, a Indonésia dá um golpe psicológico de envergadura na resistência
ao mostrar Xanana a declarar que "a luta armada tinha acabado".
Xanana
aparece na televisão a conversar com Abílio Osório. Renega as crenças
ideológicas e pede desculpa às autoridades pelo que tinha feito. Fazia também
um apelo aos companheiros de luta para que se rendessem.
A
Indonésia rejubila com a capitulação e anuncia um julgamento público. Uma das
vozes que se fizeram ouvir foi a do bispo D. Ximenes Belo, que disse depois de
ouvir o líder da resistência: " Ele fala de maneira diferente daquela que
eu conheço!"
Mas
em qual dos dois momentos foi sincero? Quando apelava à resistência ou quando
pedia aos guerrilheiros que se entregassem e depusessem as armas? Nunca ninguém
saberá. Verdade seja dita, conseguiu dar a volta ao texto e desmentiu a
capitulação reafirmando o combate contra a ocupação. O resto foi um longo mas
agradável processo de honrarias até ascender à chefia do Estado, de que abdicou
pela chefia do governo.
Quanto
a Portugal, durante anos contribuiu directa e generosamente para o orçamento de
Timor-Leste e foi sempre dos seus maiores doadores internacionais. Na recente
crise diplomática, que culminou na expulsão de juízes portugueses, Xanana
esclareceu que não avisou o primeiro--ministro de Portugal porque estava
"atrapalhado com outras actividades".
"As
minhas decisões não são para proteger a Emília [ministra da Justiça], é para
proteger os 370 milhões [de dólares] e dizer às companhias petrolíferas para
não brincarem comigo, não pensem que estamos cegos", disse, referindo-se
ao valor que as petrolíferas devem ao país, em processos nos tribunais.
Talvez
a frase de Alexandre Dumas possa servir de algum consolo: "Nos negócios
não existem amigos, apenas clientes." O general De Gaulle explicou-se
melhor: "A França não tem amigos, apenas interesses."
Sem comentários:
Enviar um comentário