Rafaella
Dotta
Na
última terça-feira (16/12), João Paulo Cunha, um respeitado jornalista dos
temas cultura e política, pediu demissão de um dos mais tradicionais meios de
comunicação de Minas Gerais, o Estado de Minas. A notícia traz à tona a “onda
de censura” implantada no jornalismo mineiro, fato comentado, documentado e
denunciado por jornalistas mineiros há anos.
A
demissão de João Paulo aconteceu após uma conversa entre ele e a diretoria do
jornal, em que a chefia deixou claro que ele não poderia mais escrever de
política. Por considerar a atitude uma manifestação de censura sobre o seu
trabalho, o jornalista não aceitou continuar no cargo e pediu demissão.
“Acho inadmissível que um jornal censure seus profissionais. A luta histórica que tivemos no Brasil é para termos o jornalismo como instrumento de cidadania”, afirma o jornalista. O motivo da censura seria a sua opinião política, diferente da linha adotada pelo jornal, que segundo ele é “francamente explícita a favor de Aécio Neves”.
No
artigo “Síndrome de Capitu”, publicado no suplemento semanal “Pensar” no dia 5,
João Paulo criticou a recente movimentação para um golpe político, elaborado
pela oposição à presidência, e defendeu a Reforma Política como “agenda
prioritária para a sociedade”. “A coluna que ele escreveu deve ter desagradado
interesses do jornal e de alguns políticos, que fizeram uma represália a ele”,
acredita Kerison Lopes, presidente do Sindicato dos Jornalistas de Minas Gerais.
“Pensar
continua sendo perigoso”
No
estado, episódios de censura não têm acontecido apenas nas redações de jornais.
A professora Beatriz Cerqueira, presidente da Central Única dos Trabalhadores
(CUT MG), foi alvo de 17 processos contra uma campanha publicitária sobre a
educação mineira. Os processos foram movidos pela coligação do PSDB ao governo
do estado. “Em Minas, pensar continua sendo um ato muito perigoso, quase um
terrorismo contra o Estado”, afirma Beatriz.
“Infelizmente,
o Estado de Minas perde qualidade e credibilidade com essa atitude”, afirmou o
presidente do Sindicato dos Jornalistas de Minas Gerais, Kerison Lopes. Ele
conta que, na manhã de quarta-feira (17), dezenas de leitores e jornalistas
procuraram o sindicato para dar depoimentos descontentes com a saída de João
Paulo. “A gente espera que esse seja o último caso de censura da era tucana em
Minas, mas talvez seja o mais emblemático, pelo que João Paulo representa para
o jornalismo mineiro”.
Daniel
Camargos, jornalista do caderno de política do Estado de Minas, diz que a
despedida de João Paulo foi comovente. “Quando ele se despedia das pessoas
formou uma imensa roda em torno dele. Todos querendo saber o que havia
ocorrido. Ele explicou e a reação final de toda a redação foi levantar e bater
palmas”, conta. “Hoje (17) muita gente, mas muita gente mesmo, veio de camisa
branca de malha. Uma maneira de homenagear o João Paulo, que se vestia
constantemente assim”.
Juarez
Guimarães, professor de Ciências Políticas da UFMG, acredita que este seja o
caso de censura mais simbólico dos últimos tempos. “A falta de pluralismo dos
donos da comunicação de Minas Gerais é uma afronta ao princípio de liberdade
que funda a história dos mineiros”.
Entrevista
com João Paulo Cunha
Formado
em filosofia, psicologia e jornalismo, João Paulo Cunha trabalha há 25 anos
como jornalista, sendo 18 deles no jornal Estado de Minas. Atualmente, era
editor chefe do caderno de Cultura, além do caderno TV, Divirta-se e do
suplemento que circula aos sábados, o Pensar. Em 2011, João Paulo lançou o
livro “Em busca do Presente”, com artigos publicados na sua coluna “Olhar”.
Brasil
de Fato – Na sua opinião, o que motivou a censura jornalística a você?
João
Paulo - O jornal, como todos, tem uma linha editorial própria, sobre a
realidade política, social e econômica. Isso é legítimo. Como eu tenho uma
linha de pensamento diferente, que discordava do jornal, avisaram que eu estava
a partir daquele momento proibido de escrever ideias sobre política.
Pra
você, é admissível que donos de um jornal ditem o que os jornalistas vão
escrever?Não. Acho inadmissível que um jornal censure seus profissionais. A
luta histórica que tivemos no Brasil é para termos o jornalismo como
instrumento de cidadania. Ao censurar a imprensa ou o jornalista, você está
tirando dele o mais importante, que é a liberdade de expressão e a
possibilidade de trazer várias visões de mundo.
Sempre
há denúncias de que há censura no Estado de Minas, inclusive durante as
eleições. Isso realmente acontece?
Na
minha área de trabalho, que é a cultura, nunca tive nenhum tipo de cerceamento
com relação aos conteúdos. Mas ficou nítida nessa última eleição uma linha
explícita a favor de Aécio Neves, sempre positivando as ações dele, e críticas
e negativas a Dilma Rousseff. Hoje há um nítido direcionamento, que favorece
Aécio.
Por
que isso prejudica o jornalismo?
A
base do nosso trabalho é ampliar a capacidade das pessoas de se relacionar com
o mundo, para tomar suas decisões da melhor forma e viver em sociedade. Quanto
mais informação ele divulga, maior o compromisso do jornal com a sociedade. Se
você limita as ideias a apenas uma posição, você está impedindo que o
jornalismo faça o que é sua função essencial: levar informação de qualidade,
reflexão e visão de mundo plural pra todas as pessoas.
Fonte:
Brasil de Fato – em Desacato
Sem comentários:
Enviar um comentário