Carlos
Roberto Saraiva da Costa Leite - Afropress
O
dia 13 de maio escolhido pela historiografia oficial, como símbolo da
liberdade, representa apenas o término de um sistema escravocrata que não se
adequava com os novos tempos... Em contraponto a esta data, na qual foi
assinada a Lei Áurea (1888), o 20 de novembro, Dia da Consciência Negra,
remete-nos à figura libertária de Zumbi dos Palmares (1655-1695), encontrando
maior receptividade pela população afrodescendente devido à luta e resistência
deste líder em relação à escravidão.
O
Brasil foi o último país a realizar, tardiamente, a abolição (1888) na América.
O processo se efetivou sem que houvesse um projeto de inclusão numa sociedade
que oferecia a liberdade, mas não a inserção social. Não se criaram mecanismos
que possibilitassem ao negro de exercer de maneira plena sua cidadania, num
universo onde a classe dominante (elite) era branca. Foram 400 anos de
escravidão, onde o binômio, representado pelo latifúndio e a mão de obra
escrava, sustentou a economia brasileira.
A sociedade, ainda, sente os reflexos dessa política colonialista e escravocrata até os dias de hoje. O racismo assumido ou velado, sob os artífices da hipocrisia, constitui-se sempre em uma grande temeridade em qualquer sociedade dita civilizada! Em nosso estado, a luta pela liberdade e inclusão social também encontrou ressonância na imprensa durante o período da campanha abolicionista e pós-abolição.
A
exclusão desta significativa parte da população brasileira é sintetizada, pelo
jornalista e historiador Décio Freitas (1922- 2004), na expressão "Brasil
Inconcluso" que é título de um de seus livros. No ápice da campanha
abolicionista foi intenso o incentivo à imigração, vigorando a política de
branqueamento com bastante intensidade.
Com
o intuito de combater o processo excludente pós-abolição da escravatura, foram
surgindo jornais que se constituíram em importantes instrumentos de denúncias e
reivindicações. Os jornais negros, impressos no Brasil, no século 19 e início
do 20, foram publicados por negros e mulatos livres que faziam parte da pequena
“elite” negra dos espaços urbanos, ou por simpatizantes à causa abolicionista.
No
distante ano de 1814, O gaúcho Hipólito José da Costa (1774-1823),
"Patrono da Imprensa Brasileira", foi o precursor em defender a
abolição da escravatura. Em seu Correio Braziliense (1808 -1822), editado em
português, em Londres, propôs a implantação de máquinas modernas e a
substituição gradual do braço escravo por imigrantes de alguns locais da Europa
que, devido ao término das Guerras Napoleônicas, oferecia uma população
necessitada de emprego.
O
periódico era editado na Inglaterra devido a Censura Régia que, desde 1747,
proibia a presença de tipografias na Colônia. O Patrono da nossa Imprensa
considerou estranho que, no Brasil, após sua independência (1822), os escritores
permanecessem em silêncio quanto à permanência do sistema escravocrata.
No
Rio Grande do Sul, nos primórdios da nossa imprensa, em 1832, o jornalista
maçom Francisco Xavier Ferreira (1771-1838), o "Chico da Botica",
fundou, em Rio Grande ,
O Noticiador (1832-1836), primeiro jornal a circular no interior da Província
de São Pedro (RS). Ao combater o tráfico negreiro, o jornal foi vanguarda a
abordar o sistema escravocrata de forma crítica em nosso Estado.
Desde
a fundação da Sociedade Partenon Literário (1868), em Porto Alegre , durante
o Império, há a presença de intelectuais, como Apolinário Porto Alegre
(1844-1904), Caldre Fião (1824-1876), Luciana de Abreu (1847-1880), entre
outros, que defendiam a abolição e o direito à educação em seus discursos e
artigos impressos nos periódicos da época. Em maio de 1883, a Sociedade Partenon
Literário criou seu Centro Abolicionista. Nesta sociedade havia um curso
noturno para alfabetizar negros alforriados.
O
nome do nosso tradicional bairro Partenon está ligado à história desta
sociedade literária que foi pioneira no Brasil, antecedendo à fundação da
Academia de Letras do Brasil (ABL), fundada , em 1897, por Machado de Assis
(1839 – 1908), entre outros nomes, no Rio de Janeiro. A Revista do Partenon
Literário (1869-1879) se constituiu em uma das mais importantes publicações do
século 19.
Ainda
na capital, defendendo posições diferentes quanto à abolição da escravatura,
estão presentes os dois principais jornais partidários da época: A Federação
(1884-1937) e a Reforma (1869-1912). O primeiro jornal, criado pelo Partido
Republicano Rio-Grandense (PRR), sob a liderança de Julio de Castilhos
(1860-1903), defendia a abolição sumária e sem indenização; já o segundo,
fundado por Gaspar Silveira Martins (1835-1901), do Partido Liberal,
preconizava por uma abolição gradual e com planejamento, visando à preservação
da ordem socioeconômica.
A
partir de então, aos poucos, começaram a circular, na capital e no interior,
jornais que se inseriram na luta contra o preconceito racial. A Voz do Escravo
e A discussão eram editados em
Pelotas. O primeiro, dirigido pelo confeiteiro carioca Ramos,
defendia a educação como o pilar da liberdade e da inclusão e afirmava “Quem
não for por nós é contra nós”; o segundo, a partir de 1881, foi pioneiro ao
deixar de publicar anúncios de compra, venda ou aluguel de escravos. Estes
anúncios, precursores dos atuais classificados, estiveram presentes, em nossa
imprensa, desde a criação do Diário de Porto Alegre, em 1º de junho de 1827,
nosso primeiro jornal.
Em
22 de agosto de 1827, O Diário de Porto Alegre publicou o seguinte
anúncio: “Quem tiver para alugar huma ama de leite capaz de tratar com
aceyo uma criança dirija-se à Botica da Rua da Praia, esquina Rozario N.10 que
achará com quem tratar”.
Após
a Proclamação da República (1889), começou a circular, em 1892, em Porto Alegre , O
Exemplo. Este foi um dos mais expressivos jornais no combate ao preconceito
racial. Fundado e redigido, exclusivamente, por afrodescendentes, este jornal
circulou com algumas interrupções até 1930. Arthur de Andrade, Experidião
Calisto, Tácito Pires e Alcibíades dos Santos foram redatores que se destacaram
durante a trajetória desse jornal. É Importante que se registre que, embora a
Abolição tenha ocorrido, em nosso estado, em 1884, ou seja, quatro anos antes
da Lei Áurea (1888), isto não diminuiu os problemas que o liberto teve que
enfrentar em relação ao preconceito e à sua sobrevivência.
Entre
outros títulos, além d’ O Exemplo, destaca-se por sua atuação e longevidade o
jornal Alvorada. Fundado em 1907, em Pelotas, este periódico circulou até 1965.
Na luta, em prol da cidadania plena, estes jornais defendiam uma política de
inclusão social, cumprindo um papel de conscientização da população
afrodescendente em relação a seus direitos.
O
professor e doutor José Antônio dos Santos da UFRGS, dedicado pesquisador sobre
“Imprensa Negra”, registrou alguns títulos que encontrou, em seu garimpo
cultural, nos acervos do nosso estado. Estes jornais, de acordo com professor,
inserem-se no conceito de Imprensa Negra no período pós-abolição. Com rara
exceção, estes jornais circularam na década de 20 e 30 do século 20. Vários
foram os periódicos analisados por este pesquisador: A tesoura (1924/1925) de
Porto Alegre; O Succo de Santa Maria (1922 / 1925); A Hora de Rio Grande (1917/
1934); A Navalha de Santana do Livramento (1939); O Astro de Cachoeira do Sul
(1927/1928); e A Liberdade que iniciou, em Bagé, em 1919, sendo que, a partir
de 1921, passou a ser editado, em Porto alegre, encerrando em 1925.
Não
poderia deixar de registrar a revista Tição, cujo nome foi sugestão de Oliveira
Silveira (1941-2009), importante militante do Movimento Negro, em nosso estado,
e professor. A elaboração dessa revista contou com o talento de um grupo de jovens,
coordenado pela brilhante jornalista Vera Dayse. A revista teve apenas duas
edições: uma circulou em 1978 e outra, em 1979. Tição foi uma tribuna de
resistência no combate ao preconceito racial e instrumento de luta em prol da
conquista da cidadania plena para a comunidade afro–brasileira. Verdadeiro
marco na Imprensa Negra.
As
datas de fundação e encerramento de alguns periódicos inventariados por
pesquisadores podem não ser precisas, pois continuam sendo alvo de estudos. Com
exceção dos jornais A Navalha e O Astro, os outros títulos já citados,
encontram-se sob a guarda do Museu da Comunicação Hipólito José da Costa que,
em setembro de 2014, completou 40 anos de existência, cumprindo o papel para o
qual foi criado: preservar e difundir a memória da Comunicação Social do Rio
Grande do Sul.
Ignorada,
por longos anos, pela historiografia oficial, a trajetória do negro está sendo
recuperada graças ao empenho de abnegados pesquisadores, que são conscientes da
importância deste legado às futuras gerações. Visando à construção de uma
sociedade mais justa e fraterna, a memória dos ancestrais pede passagem na
passarela da diversidade cultural....
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