Rui
Peralta, Luanda
I
- A morte, no passado mês de Outubro, de Christophe de Margerie, presidente
e Diretor-geral da TOTAL, foi motivo de unânimes e rasgados elogios e pêsames,
à pessoa do presidente e à TOTAL. Alias, elogios e manifestações de pesar são
os únicos elementos que encontramos, sobre este assunto, no discurso
jornalístico, que mais parece integrar uma enorme campanha de marketing e de
limpeza da imagem da TOTAL, uma tentativa simultaneamente ideológica
(escamoteando a relação entre imperialismo e capital) e de remodelagem da
Historia (esquecendo factos e alterando relatos e memorias, como por exemplo as
relações com o apartheid, a corrupção, influencia sobre legisladores, negócios
lucrativos com o Estado francês à custa dos contribuintes, etc.).
Ouvindo,
lendo e vendo os meios de comunicação ficamos com a sensação de que estão a
esconder-nos algo, pois deparamos, repentinamente, com "uma boa
alma", um "humanista", á frente da TOTAL, assim como descobrimos
a "importância da TOTAL para a humanidade". François Hollande refere
que o ex-presidente da TOTAL "defendia, com talento, a excelência e o êxito
da tecnologia francesa no estrangeiro". Valls, Macron e Chêvênement
qualificaram o malogrado de "grande capitão da indústria. Sarkozy afirmou
que o falecido tornou a "globalização mais sociável" e a MEDEF, a associação
patronal francesa, pela voz de Pierre Gattaz, considera Margerie um "visionário".
A
TOTAL (presidida por Margerie desde 2007) é a sucessora da CFP, formada em
1924, com o objectivo de explorar petróleo no Médio Oriente, mas que
diversificou as suas actividades aos sectores do gás, refinaria, distribuição e
química, implementando-se em mais de 130 países. Em 1985 a CFP transformou-se em
TOTAL-CFP e em 1991 assume-se como TOTAL. 8 anos depois transformou-se em
TOTAL-FINA (apos a fusão com a PETROFINA) e já no século XXI funde-se com a
ELF-AQUITAINE.
O
grupo é um das "majors", ou seja, uma das seis maiores
companhias petrolíferas privadas. O seu volume de negócios ascendeu, em 2013,
aos 288 mil milhões de USD, ano em que teve um lucro de 11mil e 200
milhões de USD e ocupa a posição 100 da lista das maiores 500, elaborada pela
Fortune. Mas a História da companhia não se limita ao mundo dos negócios e dos
mercados, encontrando-se ligada a acontecimentos de caracter geopolítico e geoestratégico.
Vejamos alguns factos que constituem esta actividade camuflada da TOTAL.
A
CFP implantou-se na Africa do Sul em 1956, nos sectores mineiro, carvão,
energia, caminho-de-ferro e na distribuição de combustível (detendo mais de 700
estações de abastecimento de combustíveis). Foi o principal fornecedor das
Forças Armadas e da Policia do apartheid, iludindo o embargo imposto pela ONU
em 1977.
Os
"oleodutos secretos" da TOTAL na África do Sul durante o regime do
apartheid transportaram petróleo para o país e no retorno levaram, para França,
uranio, via Marselha. Desta forma o apartheid contornava o embargo petrolífero
internacional, trocando, através da TOTAL-CFP, uranio por petróleo. Para o
apartheid o negócio constituiu uma tábua de salvação e para a TOTAL foi uma
lucrativa actividade, que permitiu-lhe uma importante posição no sector
mineiro.
II
- Os Camarões na década de 70 são submetidos a um dos mais repressivos regimes
neocoloniais, sob direcção de Paris. O presidente Hamadou Ahidjo (um títere da
França) tem na ELF um parceiro omnipresente em toda a vida económica e
financeira do país. A ELF controlava o sector petrolífero camaronês e
financiava o regime de Ahidjo, assim como o do seu sucessor, Paul Biya, que
ampliou as benesses dos seus parceiros (ou patrões?), concedendo-lhes isenções
fiscais e abrindo-lhes as portas a novas áreas de negócios no país.
Na
Republica do Congo (o "Petit Congo") em 1997 a ELF apoia
Sassou-Nguesso, apos 4 meses de guerra civil, financiando as milícias de Sassou
e utilizando as estruturas logísticas da empresa no fornecimento de armas,
munições e equipamentos a estas milícias. Aliás o tráfico de armas è uma
prática em que a multinacional francesa, sob o nome de CFP, ELF ou TOTAL,
parece ser experiente, se levarmos em conta as operações efectuadas pelo grupo
empresarial durante a guerra do Biafra. Know-how que foi, também, aproveitado
no Gabão, com a ELF a apoiar financeiramente Omar Bongo.
Em
1992 o grupo francês inicia a sua actividade na Birmânia, num período em que o
regime militar birmanês era acusado da prática de trabalho forçado pela
Organização Internacional do Trabalho. Em 2001, perante a continuidade das
acusações, o presidente do "Comité de Ética" da ELF declarou que
quando a empresa "tomava conhecimento de algum caso esforça-se por
compensar o trabalhador". Hoje a TOTAL é o principal investidor
estrangeiro no país, detendo 32% da massa de investimento estrangeiro, posição
que foi reforçada pela administração de Margerie que, em 2012, adquiriu 40% de
um bloco de exploração.
Na
Nigéria, país onde o grupo já tinha um historial de actividades diversas
(explorando as dinâmicas que conduziram á guerra do Biafra), a TOTAL, no início
deste ano, foi acusada de expulsar milhares de camponeses no Estado de Rivers
(Rivers State) e um colectivo de ONG's concedeu o prémio Pinóquio á empresa,
com o seguinte comentário: "Na Nigéria a TOTAL impôs o seu império
dividindo as comunidades locais e multiplicando os programas de
sustentabilidade e de responsabilidade social empresarial para melhor esconder
o desastre ambiental e a apropriação de terras (...) ". Este não foi o
primeiro prémio que a TOTAL recebeu. Em 2008, grupos ambientalistas concederam
á ELF o prémio "Mãos sujas, bolsos cheios" e em 2009 a ELF foi
"agraciada" com o prémio "Um para todos, todos para mim".
Na
Líbia, em Março de 2011, um representante da TOTAL foi enviado para Bengasi,
com o objectivo de "animar" os bandos armados, enquanto no Eliseu
enviados do grupo apelavam para uma intervenção militar francesa no país e
exigiam que o governo francês reconhecesse o Conselho Nacional de
Transição da Líbia (CNT). Alguns meses depois o ministro francês dos negócios
estrangeiros declarou: "(...) esta operação na Líbia é cara, mas é um
investimento para o futuro". Em Setembro o CNT anunciava que 35% do crude líbio
passaria a ter a França como destino. Um país desintegrado, um conflito que
causou mais de 60 mil mortos, eis o custo dos interesses da TOTAL na Líbia.
Existem
ainda os negócios do grupo no Mali, que abrangem as mais importantes reservas
de crude e de gás no país, na região de Taoudenni. O bolo foi partilhado com a Argélia,
a Mauritânia e o governo maliano. Também com a China foi efectuado um consórcio
para exploração de petróleo e gás maliano. A presença militar francesa levou o
governo maliano a conceder á França licenças de exploração, que acabaram nas
mãos da TOTAL, beneficiando a empresa de uma vasta área de exploração cujas
licenças foram gratuitas.
III
- A TOTAL é um império assente na sua actividade principal - o sector petrolífero
- com extensões robustas nos sectores mineiro e energia e uma forte componente
de sectores financeiros. As fusões sucessivas (ELF, AQUITAINE, PETROFINA) foram
efectuadas em conluio e sob protecção do Estado francês, reforçando o carácter monopolístico
do grupo. Em 2013 a
ELF detinha um capital de 204 mil milhões de euros, um volume de negócios de
190 mil milhões de euros e lucros de 8mil 440 milhões de euros. Os felizes acionistas
do grupo contam com nomes como o PNB-PARIBAS (que em 1924, quando surgiu a CFP,
denominava-se Banco de Paris e dos Países Baixos), um dos líderes mundiais no
negócio de matérias-primas, em particular de petróleo e gás, para além de ser o
banco de serviço da TOTAL, em todas as operações financeiras e bancárias do
grupo.
Os
lucros fabulosos da TOTAL (13mil e 900 biliões de euros em 2008; 7,8 milhões em
2009; 10 mil 280 milhões em 2010; 12 mil e 300 milhões em 2011 e 10 mil e 700
milhões em 2012) permitiram que pagasse aos seus acionistas cerca de 34 mil
milhões de euros entre 2005 e 2010, cerca de 45% dos seus lucros. A estes dados
devem-se acrescentar as benesses fiscais: em 2010 a TOTAL não pagou
qualquer imposto sobre as suas sociedades em França.
Sem
dúvida! São totalmente felizes os acionistas da TOTAL...mesmo que á custa dos
contribuintes franceses e dos povos cujos países são "mercados
promissores"...
IV
- Em Angola a produção petrolífera iniciou-se em 1955, na concessão terrestre
do Kwanza. Nos anos 60 começa a exploração na concessão offshore de Cabinda,
cuja produção teve início em 1968. Cinco anos depois, o petróleo assume a
primeira posição como fonte de receitas de exportação, ultrapassando o café.
Após
a independência o governo constituiu, em 1976, a Sociedade Nacional
de Combustíveis (SONANGOL) e em 1978 o Estado assumiu o monopólio da
propriedade dos recursos petrolíferos nacionais, por força da Lei 13/78, que
regula as actividades petrolíferas no país. Neste quadro a SONANGOL torna-se a
concessionária exclusiva para a pesquisa e exploração, com a capacidade,
concedida pela lei, de associar-se a parceiros estrangeiros para obter os
recursos necessários á pesquisa, desenvolvimento e produção. A SONANGOL cria
joint-ventures com as empresas petrolíferas estabelecidas no território desde a
época colonial: Cabinda Gulf Oil Company (CABGOC, que após 1984 torna-se
subsidiária da CHEVRON) PETROFINA (mais tarde fundiu-se com a ELF-AQUITAINE, na
TOTAL) e TEXACO (estas duas ultimas produziam em concessões terrestres nas
bacias do Kwanza e do rio Congo).
Nos
anos 80 e 90 a
CHEVRON, a ELF e a TEXACO realizam novos investimentos em águas rasas e, no início
da década de 90, iniciam a prospeção em águas profundas, após o governo ter atribuído
17 novos blocos demarcados a profundidades entre os 200 e os 1500 metros de
profundidade (blocos 14 a
30). Em 2001 a
CHEVRON-TEXACO, a EXXON-MOBIL, a BP e a TOTAL-FINA-ELF já tinham descoberto 35
campos petrolíferos nos blocos 14, 15, 17 e 18 (águas profundas).
Esta
bem-sucedida exploração e os relativamente baixos custos de produção da
indústria petrolífera nacional constituíram dois factores que, associados à
definição dos três primeiros blocos (31, 32 e 33) de águas ultra-profundas
(mais de 1500 metros
de profundidade) conduziram à intensificação da concorrência entre as
petrolíferas, que ofereceram ao governo angolano elevados "prémios de
assinatura" (prémios pagos de uma só vez e à cabeça, pela obtenção de
contratos de prospeção e produção). BP, ELF e EXXON (que lideravam os
consórcios vencedores dos concursos) pagaram, ao todo, 935 milhões de USD em
prémios, o que permitiu ao governo colmatar a crise de 1998/1999, causada pela
queda dos preços do barril.
O
desenvolvimento dos novos campos em águas profundas permite um novo impulso na
produção petrolífera em território nacional. O primeiro desses campos foi o do
Kuito, no Bloco 14, explorado pela CHEVRON, cuja produção iniciou-se em 2001,
seguindo-se o Girassol, no Bloco 17, da TOTAL-FINA-ELF, em finais de 2001. Em 2002 a produção de Angola
ultrapassava os 900 mil barris por dia (bpd), sete vezes mais do que na década
de 80. A
CHEVRON tornou-se a maior operadora em Angola, seguida da TOTAL.
V
- No período pós-independência o petróleo assumiu o comando da macroeconomia
angolana, afectando o aparelho de Estado ao nível político-militar e económico.
Relações internacionais, governação, quadro institucional, superestrutura
cultural e ideológica, nada escapa ao domínio do sector petrolífero (submetido
á lógica dos monopólios globalizadores), que transformou o país num
"mercado promissor" (apesar da guerra - embora tudo se tenha passado
em função desta - que, na segunda metade dos anos 80, é condicionada aos
interesses do sector a curto e medio-prazo, na dinâmica interna através das
elites beneficiadas pela expansão do sector e nas dinâmicas externas, com as
alterações de procedimentos dos USA, da França e do Reino Unido).
O
Estado controla receitas petrolíferas volumosas e sem paralelo na História
económica de Angola (pré-colonial, colonial e pós-colonial) e este facto está
na origem da extrema dependência do país em relação ao recurso petrolífero (o
sector diamantífero e/ou mineiro estão muito distantes de assumirem uma posição
comparável à do petróleo e a agricultura ou a agropecuária, devido á
inexistência de uma reforma agrária e á guerra, é um sector completamente
destroçado e esquecido, embora eternamente relembrado no discurso oficial). Esta
dependência em relação ao petróleo é nefasta e pode originar períodos
indefinidos de crise, que em caso de maior diversificação da actividade económica
poderiam não ter um impacto significativo, mas que na actual situação
revelam-se preocupantes, pelo menos em dois sentidos: obstaculizam o desenvolvimento
e incapacitam o aparelho produtivo.
As
crises de 1985/1986 e de 1998/1999, tal como a actual, foram provocadas pela
debilidade provocada pela dependência. Tudo vacila, no espaço económico
nacional, com a queda do preço do barril e isso é, no mínimo, gerador de
instabilidade, não no adormecido corpo económico e social, mas nas galáxias da
elite e nas orbitas em que decorre o seu aparente movimento.
A
economia nacional habituou-se a viver das receitas petrolíferas, ou seja, das
mais-valias geradas por um recurso não renovável, que no momento actual sofre o
efeito da queda da procura (o arrefecimento do crescimento chinês e da
industria indiana) e da concorrência dos sectores energéticos alternativos. Por
outro lado, os mecanismos de redistribuição das receitas favoreceram os
sectores ligados ao aparelho de Estado e as "famílias" historicamente
formadas na economia colonial (uma espécie de burguesia comercial autóctone,
que em alguns casos não se expandia devido ao colonialismo) que infiltraram o
aparelho político e militar e que terminaram por ter um papel de domínio no
aparelho económico, que não correspondia ao seu real peso e importância social.
VI - As
alterações provocadas pela Paz e os elevados investimentos efectuados continuam
a padecer de uma lógica que é inerente às elites parasitárias e predatórias,
alimentadas pelo desperdício das receitas petrolíferas num país mergulhado no
esforço de guerra. A diversificação das actividades económicas produtivas
nacionais irão demorar a surtir efeito até porque a lógica dominante ainda não
se enquadrou nessa perspectiva. Muita água passará sobre o moinho e muita
farinha será moída na sua mó até que as reformas necessárias sejam
implementadas.
A
realidade da economia angolana encontra-se distorcida e em muitos casos é um
truque de ilusionismo. As multinacionais globalizadoras que introduziram-se no
país através do sector petrolífero geraram grande parte destas
distorções, que assumem visibilidade na especulação imobiliária ou nos valores
fabulosos dos alugueres das casas e apartamentos, por exemplo. O auge da
distorção é o facto de viver em Luanda (uma cidade com infraestruturas
deficientes, sem transportes colectivos urbanos, rede de água e electricidade
extremamente precárias e péssimas condições de comunicação, parando por aqui
para não tornar a lista extensa) ser tão caro como viver em Tóquio.
A
conquista da Paz, a nova realidade constitucional, o esforço realizado no
fortalecimento das instituições democráticas foram passos importantes na
definição do rumo para um futuro melhor e para um presente mais digno. Mas
torna-se necessário alargar e apurar os mecanismos participativos e urge
democratizar a vida económica e social, sob pena de perdurar a lógica
neocolonial do Capital.
Da
opção entre lógica do Capital e lógica da Solidariedade dependerá o futuro de
Angola. A sua posição na economia-mundo como "mercado promissor"
(logo circo de ilusões) ou como espaço de Liberdade e de Justiça Social no
continente africano, depende da opção entre as duas lógicas, ou seja, a
subordinação aos interesses dos monopólios globalizadores ou a afirmação
da soberania popular.
Ao
Povo Heróico e Generoso só resta um caminho: estarmos juntos na
continuidade da Luta e na certeza da Vitória...
Fontes
Bouamama
S. TOTAL y de Margerie: Petroleos y gas del color da la sangre http://www.rebelion.org
11/2014
AFP
21/10/2014
Koula
Y. Petrole et violences au Congo-Brazzaville: Les suites de l'affaire ELF Ed.
L'Harmattan, Paris, 2006
Bureau
International du Travail Informes 2002-2003 OIT, Geneve, 2004
Pean,
P. Nouvelles affaires africaines: Mensonges et pillages au Gabon Ed. Fayard,
Paris, 2014
Hodges,
T. Angola: Do Afro-estalinismo ao Capitalismo selvagem Ed. Principia, Cascais,
2002
IMF
2002, Angola: Recent Economic Developments IMF, Washington D.C., 2003
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