segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Portugal – BES: A CULPA NÃO É MINHA. E EU NÃO SEI DE NADA



Pedro Ivo Carvalho – Jornal de Notícias, opinião

Ao ver a forma brava, quase justiceira, como alguns deputados espicaçaram os tubarões do BES - numa sessão parlamentar que animou as tardes de tantas donas de casa com televisão por cabo -, dei por mim a pensar: será que a missão desta comissão de inquérito devia ficar reduzida à diabolização da culpa? É isto que nos interessa realmente saber, com mais ou menos detalhes rocambolescos? A culpa, de quem é a culpa?

Pela amostra conhecida, suspeito que teremos mais entretenimento do que esclarecimento. Ora vejam: Ricardo Salgado não instruiu ninguém para ocultar o passivo nem se apoderou indevidamente de um tostão; José Maria Ricciardi passava o ano em viagens e está "cansado de pagar" por erros que não cometeu; Morais Pires, braço-direito de Salgado, apontou o dedo a Ricciardi e negou ser o "faz-tudo", e Pedro Queiroz Pereira, presidente da Semapa e detentor de uma participação no Grupo Espírito Santo (GES), exibiu uma soberba ainda mais requintada, ao garantir ter previsto a tragédia no "início do século".

Quanto à culpa, estamos conversados. As versões dos intervenientes foram, no essencial, desencontradas, umas mais ricas em metáforas do que outras, é certo. Todas, sem exceção, exaustivas ao ponto de nos cansar e de nos deixar aturdidos. Como convém quando há muita coisa por esclarecer e muita coisa para esconder.

Também por isso, não acredito que os que ainda vão sentar-se na cadeira mais famosa da história recente do Parlamento consigam ser definitivos na identificação da raiz dos males que, durante tantos anos, vieram por bem. Nem que lhes injetem um soro da verdade.

Portanto, sabermos de quem foi a culpa só é fundamental se isso contribuir para revelar o impacto coletivo da solução encontrada. No fundo, preocupa-me mais saber se, mais uma vez, o Estado não vai ser um dano colateral da borrasca; se o desfecho imposto ao BES foi o menos lesivo dos interesses públicos e se o regulador do setor vai, finalmente, agir mais como polícia de choque e menos como consultor sentimental.

O resto, quer parecer-me, sendo importante esclarecer, não passará de boa televisão. Basta notar que as primeiras campainhas sobre a exposição do BES ao GES soaram em 2001, espraiadas numa auditoria interna. Sim, isso foi há 13 anos.

Se o poder não se tivesse esboroado de dentro para fora, resultado de uma zanga entre primos, ainda hoje Ricardo Salgado era o "dono disto tudo". E nós continuaríamos inocentemente vigilantes. Não havia culpados. Nem culpa.

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