domingo, 21 de dezembro de 2014

Portugal: RENASCER PELOS OLHOS DOS OUTROS



Miguel Guedes – Jornal de Notícias, opinião

Longe de ser uma novidade estatística é até um dado bem estável: o número de óbitos em Portugal mantém-se, como um longo rio tranquilo, em cerca de 100 mil pessoas por ano. Num país sobressaltado por más ou péssimas notícias, não deixa de ser irónico que um dos maiores e mais fiáveis índices de estabilidade em Portugal seja a morte. Se costuma dizer-se que à morte ninguém escapa, eu acrescento que também escusava de ser tão certinha. O saldo natural será negativo, portanto. À semelhança dos anos anteriores, continuaremos a perder população, tendo em conta que as mortes suplantam o total de nascimentos. Mas nem tudo é pouco fértil.

No âmago do amargo, uma pepita doce à revelia de todas as tendências quando se sabe que os números da natalidade no ano de 2014 serão semelhantes aos do ano anterior, bem próximos dos 83 mil bebés, sustendo a queda sucessiva, ano após ano. Em 1979, nasciam cerca de 160 mil crianças em Portugal. Hoje, quase todas as crianças são adiadas até ao limite do temporalmente possível e não restam dúvidas de que as relações intergeracionais serão afectadas pelo facto de cada vez mais se esperar até aos penúltimos ou derradeiros lampejos de fertilidade para se ter um primeiro filho. Na fertilidade e na idade, a tendência parece irreversível: anualmente, a idade média de quem tem o primeiro filho já está nos 29,7 anos e a taxa de fecundidade é a mais baixa dos países da UE. Há exemplos europeus que combateram com sucesso este tipo de indicadores e só uma sociedade com terra pouco arada não olhará para esses bons exemplos.

A cada ano em que adiamos enfrentar este problema, mais difícil será o diálogo entre gerações, nomeadamente entre pais e filhos que, na voracidade do tempo, aparentam mais e maior distância entre si. Este "gap" é vertido com toda a naturalidade para a sociedade nos seus mais pequenos "ses" e, se é para continuar a ser assim, alguém poderia ter avisado a natureza de que a idade biológica ideal para a maternidade e paternidade mudou. Não há idade para termos filhos se tivermos em conta todas as condicionantes e até alguns riscos acrescidos. Sem dúvida. Mas o reflexo de pais cada vez mais velhos na relação com os seus filhos cada vez mais adiados ainda vai ter o espelho sociológico que só o distanciamento do tempo permitirá avaliar.

Enquanto perdemos população, ganhamos turistas com afinco. Ao ponto de o número de turistas que anualmente nos visitam já ser superior ao nosso número de habitantes (estima-se em 11 milhões o número de estrangeiros que visitarão Portugal até ao fim do ano). Partindo do princípio de que quem cá vem não nos visita para nos sentir o pulso, mais débeis e pequeninos, enfraquecidos, é caso para dizer que fazemos das fraquezas forças quando se trata de mostrar o ouro ao bom bandido. Aumenta a procura (e não só pelo abaixamento da oferta turística nos países do mundo árabe), cresce o número de hóspedes estrangeiros, aumenta o preço médio por quarto ocupado, sedimenta-se no nosso "rating" turístico na comunicação estrangeira especializada. Há investimento mas há também um enorme retorno, não só nos (até agora) tradicionais destinos turísticos da "portugalidade" mas igualmente em novos pólos e rotas de conhecimento e lazer.

O caso do Douro e da cidade do Porto são exemplares. O esforço simultaneamente cosmopolita e agregador do "Porto.", a valorização do edificado e do monumental (veja-se o caso da Igreja dos Clérigos, há dias reaberta ao público após um ano de obras de restauro e conservação), uma visão integrada que valorize a cultura como retrato vivo de uma região, o respeito pelas idiossincrasias das várias populações dentro de uma população (os vértices da diversidade), a luta pelo nivelamento por alto das condições e acessos societários para todos, a defesa dos princípios basilares que devem continuar a fazer parte da carta magna de quem trata e gosta de viver numa região ou numa cidade feliz. Com uma cultura de maior proximidade e de maior autonomia. Que à semelhança do país se adia na fertilidade e enfrenta a morte como uma certeza inapelável, mas que não se resigna a ser um destino. Que quer o seu destino e de preferência nas mãos. Para já, pelo menos aos olhos dos outros.

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