Sílvia
Caneco – jornal i
O
ex-chairman da Rioforte tem-se esquivado à maior parte das perguntas alegando
não saber ou não ter conhecimento. Mas já confirmou saber que sabia que
conversas do Conselho Superior do GES estavam a ser gravadas
Manuel
Fernando, ex-presidente da Rioforte, holding do braço não-financeiro do GES, e
ex-membro do Conselho Superior do GES, admitiu hoje no Parlamento que Salgado
“teve sempre a confiança total da família porque era um membro sénior com
provadas dadas”: “Apesar de já haver críticas relevantes em relação a Salgado
desde o segundo semestre de 2013, quando foram conhecidas as contas da ESI, o
Dr. Salgado apresentou ideias e soluções e o Conselho Superior confiou nele.”
O
ciclo de perguntas foi iniciado pela deputada do Bloco de Esquerda Mariana
Mortágua, que se apressou a tentar saber que conhecimento teria Manuel Fernando
Espírito Santo das contas da Espírito Santo International (ESI), a holding que
em Setembro de 2013 tinha um “buraco” de 1300 milhões de euros. “Eu não sabia
que o passivo tinha sido omitido ou que não estava todo nas contas. Só conheci
no fim de 2013 com o exercício do ETRICC.”
E
por que razão as contas não eram consolidadas, insistiu a deputada? “Sempre nos
foi dito pelo nosso comissaire aux comptes [Francisco Machado da Cruz] que não
era preciso consolidar a ESI.” As contas da Rioforte, lembrou, só começara, a
ser consolidadas em 2009, 2010, razão pela qual acreditava que “o caminho
natural” seria “que um dia a ESI também iria consolidar as suas contas”.
Mais
à frente, Manuel Fernando voltou a repetir não ter tido conhecimento da
ocultação do passivo da Espírito Santo International. “Eu não era responsável
pelas contas da ESI.” E Salgado, sabia?, questionou a bancada social-democrata.
“Não sei. Isso está a ser investigado no Luxemburgo e tudo isso se vai
deslindar rapidamente.” E o que lhe diz a experiência: um contabilista faria
isto tudo sozinho? “Às vezes há erros pontuais, mas o desvio é muito grande.
Acho um pouco estranho.”
Tendo
como ponto de partida uma notícia do i sobre uma reunião do Conselho Superior
do GES onde foi dito por Salgado que a Eurofin, empresa suíça especializada em
serviços financeiros, tinha lá escondidos “5% das acções da Financial (ESFG)”,
Mariana Mortágua perguntou se o antigo administrador do GES confirmava que tal
manobra servia para evitar uma OPA (oferta pública de aquisição).
Manuel
Fernando disse não saber. “A Eurofin era uma boutique financeira mas se ela
tinha acções da ESFG devia ser por razões de investimento.” Mas não se lembra
desta conversa?, devolveu a deputada Mariana Mortágua. “Lembro-me que foi
abordado ou mencionado, não me recordo bem qual era a percentagem, pelos vistos
era 5%.” Que tipo de negócios é que a Resources tinha com a Eurofin? O representante
do ramo Moniz Galvão não sabia responder.
“Não
sei”, “Desconheço”, “Não tenho conhecimento”, foram as respostas até agora mais
repetidas por Manuel Fernando. Nos últimos instantes, Manuel Fernando confirmou
ter tido conhecimento de que as conversas do Conselho Superior estavam a ser
gravadas e adiantou que teriam começado a sê-lo “a partir do momento em que o
Conselho aumentou o número de membros”. Recorde-se que durante a audição, na
semana passada, no Parlamento, Salgado disse que não sabia que as conversas
estavam a ser gravadas. O i, que começou a divulgar o conteúdo das reuniões da
cúpula em Outubro, mostrou então como as próprias gravações desmentiam as
declarações do ex-líder do BES.
Siga
a audição ao minuto:
10:15. Questionado
pelo deputado socialista José Magalhães sobre as circunstâncias que rodearam a
comissão paga pelos alemães à empresa do universo Espírito Santo, Escom, no
negócio dos submarinos, Manuel Fernando Moniz Galvão Espírito Santo disse na
comissão de inquérito à gestão do BES/GES não ter qualquer informação ou
documentação em sua posse porque "foi tudo confiscado" durante as
buscas. Confirmou que aderiu ao RERT -- programa que permite repatriar capitais
do estrangeiro a uma taxa de 5% - logo em 2004 ou 2005 depois de ter recebido
parte da comissão, mas não esclareceu o montante e disse desconhecer qual a
trajectória dos cerca de 30 milhões de euros pagos à Escom.
E
por que razão o Conselho Superior recebeu aquele montante, insistiu o deputado
José Magalhães? "O Conselho Superior não era remunerado. E decidiu-se uma
retribuição especial." Uma retribuição especial?, retorquiu o deputado.
"Pagamento a uma sociedade pelos resultados obtidos." E qual o
resultado obtido, insistiu José Magalhães? "Não tenho conhecimento do
negócio, isso não tenho." Que intervenção é que tinha tido no sucesso
desse negócio? "Eu não intervim nesse negocio, de maneira nenhuma. Quem o
fez foi a nossa sociedade, a Escom. Eles tiveram um resultado. E desse
resultado veio uma retribuição especial para o Conselho Superior."
10:44. Era
a vez da bancada do CDS fazer perguntas a Manuel Fernando. A deputada Teresa
Anjinho perguntou ao antigo chairman da Rioforte o que aconteceu ao
contabilista da ESI, Francisco Machado da Cruz, depois de ser conhecida a
ocultação do passivo no valor de 1300 milhões de euros. "Como as contas
não estavam certas acho que não se manteve no grupo. Se não me engano ele ainda
ficou numas empresas mas não teve mais nenhuma responsabilidade a partir de
Abril." De seguida, Manuel Fernando explicou que Machado da Cruz era uma
pessoa que tinha "muita informação": "Ele tratava das contas,
por isso ele sabia de muita coisa." Um dos problemas que teria tido na
ESI, quando fizeram o pedido de gestão controlada, recordou o membro do ramo
Moniz Galvão, foi ter de "trabalhar durante três meses com os peritos do
Luxemburgo" e constatar que "houve um historial que foi perdido.”
10:56.
Manuel Fernando disse aos deputados ter ido ao Banco de Portugal três vezes, a
primeira a 3 de Dezembro de 2013, no âmbito do Conselho Superior do GES. Sobre
o facto de Ricardo Salgado ter respondido, logo no dia 5 de Dezembro, que esse
plano era inexequível, o ex-chairman da Rioforte concordou com o ex-líder do
BES. "Davam-nos até ao fim do ano para reduzir um passivo que era praticamente
impossível."
11:09.
O deputado do PCP Miguel Tiago perguntou a Manuel Fernando se subscreveu o
célebre protocolo de José Maria Ricciardi. O antigo chairman da Rioforte
confirmou: "Subscrevi em Outubro de 2013. E depois na reunião do Conselho
Superior de 7 de Novembro demos o apoio ao dr. Ricardo Salgado." Até a
essa data, acrescentou o representante do ramo Moniz Galvão, "a gestão do
dr Ricardo Salgado nunca tinha sido posta em causa": "Foi sempre o
líder do grupo. Nunca pus em causa a sua liderança, a sua gestão."
Manuel
Fernando acrescentou ainda que durante o Verão de 2013 José Maria Ricciardi
teria tido várias conversas consigo e com outros membros do Conselho Superior
do GES revelando dados que até então não conheciam.
Seguiu-se
a fatídica reunião de 11 de Novembro de 2013, em que Salgado ameaçou
destituir Ricciardi do Conselho de Administração do BES e o líder do BESI
devolveu prometendo divulgar publicamente as razões por que não lhe dera um
voto de confiança. "Infelizmente no dia seguinte saíram muitas notícias
nos jornais e esse foi um fim-de-semana muito atribulado. Houve muitas
conversas. No próprio Domingo perguntei ao Dr. Ricardo Salgado se estaria
disposto a falar com José Maria Ricciardi. E à noite fui à casa do dr. José
Maria. Na manhã de segunda-feira falei com o presidente do grupo, comuniquei a
possível destituição e que seria bom haver um Conselho Superior prévio ao
conselho de administração do BES", contou.
11.44.
A deputada Mariana Mortágua quis saber de onde tinha vindo a "retribuição
extraordinária" para os membros da família no negócio dos submarinos.
"Veio através de uma sociedade do seio da Escom, veio para uma conta minha
declarada na Suíça." Manuel Fernando acrescentou ainda nunca ter tido
"qualquer ligação com a Akoya".
12.00. Na
segunda ronda de perguntas dos deputados, Manuel Fernando Espírito Santo teve
de explicar porque não lutou "até à exaustão" para salvar a Rioforte.
"Pus o chapéu no grupo e acreditei sinceramente que a Rioforte era a
solução para salvar o grupo. Era uma empresa relativamente jovem e limpa. O
plano de reestruturação previa logo um aumento de capital, não foi possível
pelas autoridades do Luxemburgo. Eu acreditei nesse plano."
12:15. O
deputado socialista José Magalhães tinha a dúvida recorrente. "E já agora,
quem é o sexto homem?", perguntou, numa alusão à conversa do Conselho
Superior do GES divulgada em Outubro pelo i, que dava conta de que Salgado
teria dito aos familiares que os ex-administradores da Escom teriam dito que
havia "uma parte [da comissão] que teve de ser entregue a alguém num
determinado". Como o deputado tem repetido a pergunta em todas as
audições, brincou: "É uma pergunta que se não a fizesse ficava cá."
Manuel
Fernando limitou-se a dizer: "Não sei quem é o sexto homem." E insistiu
na mesma defesa: o valor de cinco milhões de euros que terá sido repartido
pelos cinco membros mais velhos do Conselho Superior do GES (os únicos à data)
não foi "uma comissão" mas uma "retribuição
extraordinária". A carta que assinaram em 2013 serviria simplesmente para
falar de coesão e informar os novos membros do Conselho Superior que tinham
recebido aquela recompensa, alegou o presidente da Rioforte.
12:35. O
famoso protocolo assinado por seis membros da família no final de Outubro de 2013 a pedir uma série de
esclarecimentos e a alteração da liderança de Ricardo Salgado, e que José Maria
Ricciardi disse ter ficado guardado num cofre até Agosto de 2014, não foi
esquecido pela deputada Teresa Anjinho. "Devo dizer-vos sinceramente. O
documento ficou esquecido. Porque já tinha havido um debate entre o dr. Salgado
e o dr. Zé Maria, o documento nunca foi apresentado." De qualquer forma,
disse Manuel Fernando, este documento só seria apresentado com o acordo de
todos os membros.
Questionado
sobre se tinha alguma vez assinado de cruz documentos da ESI, Manuel Fernando
confirmou-o por outras palavras: "Assinei
muitos documentos à base da confiança."
13:30. Mesmo
no final da audição, Manuel Fernando Espírito Santo fez uma revelação. Em
resposta à pergunta do deputado Filipe Neto Brandão sobre qual o montante que
constava da carta que Salgado lhe pediu para assinar na reunião do Conselho
Superior do GES e qual o montante que efectivamente tinha recebido, o
presidente da Rioforte disse não se recordar dos montantes, mostrou-se
disponível para enviar depois o documento à comissão e explicou: "Houve
uma pequena divergência realmente. Era outro montante que também foi
extraordinário ao nível do grupo, não só dos submarinos. Daí a divergência."
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