sábado, 19 de julho de 2014

Malaysia Airlines: O que estava a fazer um avião comercial numa zona de conflito?




Desastre do MH17 está a acender debate sobre segurança na aviação. Algumas companhias evitavam a região há algum tempo. Outras só agora estão a dar meia volta.

Uma das perguntas que se impõe perante o desastre do MH17 continua por responder: o que estava a fazer um avião comercial numa zona de conflito? Para uma parte da indústria, sobrevoar o Leste da Ucrânia era, até aqui, uma prática diária, até porque a região não estava oficialmente interdita. Para a outra parte, já há algum tempo que aquela área tinha sido riscada do mapa.

Hoje, porém, a primeira parte da indústria da aviação teve de se render às evidências, enquanto continua o jogo de atribuição de culpas que opõe o Governo de Kiev e os rebeldes separatistas pró-russos pelo abate do avião onde seguiam 298 pessoas e que voava a uma altitude de 10.000 metros na região de Donetsk.

Voos de companhias de aviação de todo o mundo foram e continuarão a ser reprogramados para evitar o espaço aéreo do Leste da Ucrânia. Só após o desastre, ocorrido nesta quinta-feira, esta tal parte da indústria riscou a região do mapa, que era até aqui uma zona “normal” de sobrevoo de muitas ligações entre a Europa e a Ásia.

A Lufthansa anunciou nesta sexta-feira que iria desviar os quatro voos que atravessariam os céus do Leste da Ucrânia. “Estamos a acompanhar a situação para planear a operação dos próximos dias”, referiu um porta-voz da companhia alemã, citado pela CNN.

Já a Emirates anunciou no seu site que um voo que deveria ter aterrado em Kiev ainda na quinta-feira regressou ao aeroporto de origem, no Dubai, por “preocupações de segurança”. A companhia decidiu suspender todos os voos para a capital da Ucrânia “com efeitos imediatos”.

A Ukraine International acaba de emitir um comunicado em que informa que “decidiu desviar todos os seus voos daquela região para assegurar a segurança dos passageiros, tripulação e aeronave”, a partir das 18h locais de quinta-feira. Os aviões da companhia estão, desde então, a voar a 200 quilómetros daquela área.

Também a norte-americana Delta Airlines tomou a mesma medida. Por razões de segurança, a transportadora anunciou que “não está a sobrevoar o espaço aéreo da Ucrânia e está a acompanhar a situação relativa ao voo 17 da Malaysia Airlines. A portuguesa TAP não utiliza o espaço aéreo ucraniano.

Normal, para alguns

A “normalidade” com que, até quinta-feira, sobrevoavam aquela região tem sido justificada pelo facto de não ter sido interditada pelas autoridades internacionais. O único aviso de segurança emitido, no início de Abril, pelo Eurocontrol, Agência Europeia para a Segurança na Aviação e Organização da Aviação Civil Internacional circunscrevia-se à área de Simferopol, na sequência da anexação da península da Crimeia pela Rússia.

O MH17 caiu no Leste da Ucrânia. Além disso, e mesmo que o alerta cobrisse essa área, tratava-se apenas de uma recomendação às companhias de aviação, sem carácter obrigatório.

Foi por isso que, quando questionado sobre os riscos de sobrevoar uma zona de conflito, o ministro dos Transportes da Malásia respondeu, nesta sexta-feira, que “é uma rota sobrevoada há muitos anos”, acrescentando que “é segura e é por essa razão que foi usada”.

Mas, para outra parte da indústria, os riscos falaram mais alto. Já há algum tempos que companhias como a Qantas, Cathay Pacific, Air Berlin, China Airlines e Asiana tinham decidido suspender os sobrevoos por todo o espaço aéreo ucraniano, noticiou a Reuters.

Um porta-voz desta última transportadora sul-coreana explicou à agência que, “apesar de o desvio aumentar o tempo e os custos do voo”, a decisão foi tomada “por motivos de segurança”. O mesmo responsável acrescentou que os aviões da companhia têm de percorrer mais 150 quilómetros para evitar sobrevoar o país desde 3 de Março.

Várias questões ficam por responder: a decisão de sobrevoar uma zona de conflito deve ser das companhias de aviação? As autoridades deveriam ter ido mais longe, na região sobre a qual emitiram o alerta e na obrigatoriedade associada ao aviso? E qual o papel dos governos nisto?

O jogo de culpas – agora da segurança

Perante o cerco à segurança da aviação que se montou com o desastre do MH17, a Associação Internacional do Transporte Aéreo emitiu nesta sexta-feira um comunicado em que assegura que “é a principal prioridade”. “Nenhuma companhia vai colocar em risco a segurança dos seus passageiros, tripulantes e aviões por questões de poupança de combustível”, lê-se na mensagem deixada pelo presidente, Tony Tyler.

Para o responsável, têm de ser “os governos e as autoridades de controlo aéreo a prestar aconselhamento sobre o espaço aéreo disponível para operar” e as transportadoras “fazem o planeamento de acordo com essas limitações”. “É muito semelhante à condução de um carro: se a estrada está livre, assume-se que é seguro. Se está fechada, encontra-se uma rota alternativa”, exemplificou.

No entanto, há quem aponte o dedo às próprias companhias. Geoff Dell, perito em segurança na aviação da Universidade de Queensland, disse à Sky News estar “estupefacto”. “Não deveriam colocar em risco, e sem necessidade, os seus activos mais preciosos: os passageiros, os funcionários e os aviões”, declarou.

Bruxelas anunciou, ao final da manhã desta sexta-feira, que activou a Célula de Coordenação de Crise da Aviação Europeia, na sequência do desastre. "Activei a célula de crise de modo a haver uma coordenação apropriada dos efeitos no espaço aéreo para garantir a segurança dos voos", anunciou Siim Kallas, comissário europeu para os Transportes e também vice-presidente da Comissão Europeia.

Dois acidentes em quatro meses e a sobrevivência da Malaysia Airlines parece estar em risco


A já instável companhia de aviação malaia dificilmente conseguirá reerguer-se do desaparecimento do MH370 e do acidente do MH17.

Longe de se recompor do embate causado pelo desaparecimento do voo MH370, a 8 de Março, a Malaysia Airlines parece ter definitivamente entrado em rota de crise. A companhia, detida maioritariamente pelo Estado, está a ser castigada a todos os níveis pelos dois acidentes que protagonizou no curto espaço de quatro meses. Os cenários de auxílio financeiro e de venda a privados estão em cima da mesa.

Na sexta-feira, assim que a bolsa da Malásia abriu, as acções da transportadora aérea caíram a pique, atingindo uma queda máxima de 17% e encerrando com uma perda de 11%. Uma tendência que, apesar de mais vincada, segue o movimento das acções da empresa desde o desaparecimento do voo que ligava Kuala Lumpur a Pequim, com 239 pessoas a bordo.

A maior perda, do ponto de vista financeiro, é sentida directamente nos bolsos dos contribuintes do país, visto que o Estado detém 69% do capital da companhia de aviação. Mas o impacte para os cofres públicos da Malásia pode não ficar por aqui: especula-se sobre um eventual auxílio financeiro, como já aconteceu no passado, aliás. O cenário de desmantelamento da transportadora, com a posterior venda a privados dos activos rentáveis, também é referido por alguns especialistas na imprensa internacional.

Um acidente, especialmente um que seja fatal, é o que de pior pode acontecer a uma companhia de aviação. Dois acidentes mortais, num espaço tão curto de tempo, levam a crer que a empresa terá muitas dificuldades reerguer-se. Até porque, tanto o desaparecimento do MH370, como o presumível abate do MH17 no Leste da Ucrância, estão envoltos num enredo muito particular e estão entre os piores da história da aviação comercial.

A tudo isto soma-se o facto de, mesmo antes dos desastres, a Malaysia Airlines já se apresentar como uma transportadora aérea em dificuldades, com anos consecutivos de prejuízos e uma aparente apatia face às investidas da concorrência. Desde 2012 que tinha em marcha um plano de reestruturação, que levou a profundos ajustes na oferta.

Os últimos resultados conhecidos, já depois do desaparecimento do voo MH370, mostraram um agravamento das perdas da companhia, que no primeiro trimestre deste ano registou um resultado líquido negativo de 137,4 milhões de dólares (cerca de 101,6 milhões de euros) – um agravamento de quase 60% face ao mesmo período de 2013.

Apesar de a empresa ter apostado numa estratégia agressiva de preços para manter o tráfego, os dados da procura comprovam os inevitáveis impactos do acidente de Março. Dois meses depois, e num momento em que a indústria está a crescer (especialmente em regiões como a Ásia), o número de passageiros caiu 4%, o que correspondeu à perda de quase 55 mil clientes.

Outro factor vai pesar no futuro da Malaysia Airlines: as eventuais indemnizações que poderá ter de pagar aos familiares dos passageiros do voo que se despenhou na Ucrânia na quinta-feira. Confirmando-se que o MH17 foi abatido, a aeronave estará protegida pelo seguro, mas não parece claro que assim seja no que diz respeito às pessoas que seguiam a bordo. E, neste momento, a companhia está a pagar a factura do desaparecimento de Março, já que, depois de ter oferecido compensações de cinco mil dólares, foi obrigada a subir a fasquia para 50 mil.

Foto: AFP

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RUMO AO ABISMO



Martinho Júnior, Luanda

1 – O Mundo não é “a nossa casa comum”e há causas profundas para que assim aconteça: a via capitalista desembocou num processo de globalização imposto por ordenamento dum império concentracionário e ultra egoísta, que procura a todo o transe uma hegemonia unipolar avassaladora, que vai atirando humanidade e planeta para um irreversível abismo!

Entrou-se na fase do capitalismo monopolista transnacional, base da hegemonia unipolar e também a tese que gera a antítese: a procura da multipolarização por via das emergências que procuram fugir à vassalagem e se inscrevem naqueles 99% alvo do domínio.

O fulcro do processo de hegemonia unipolar que se foi formando desde os alvores da Revolução Industrial é, com cada vez mais evidências, um poderoso estado que se convencionou chamar Estados Unidos da América!

Os Estados Unidos procuram a todo o transe a imposição de vassalagem a todos os demais estados, incluindo os seus próprios aliados e o carácter da União Europeia reflecte precisamente isso, numa altura em que a Alemanha e a França procuram fugir ao que se lhes está a ser imposto.

Está-se à beira do abismo, um abismo que poderá terminar numa guerra nuclear que poderá pôr fim à vida tal qual a conhecemos sobre a Terra!
  
2 – Os Estados Unidos da América tornaram-se decisivos, através dos processos de concentração económica, financeira e industrial, que implicaram nas linhas de definição dos contornos e dos conteúdos da “civilização moderna”, escolhendo e priorizando as vias científicas e tecnológicas dos conglomerados de interesses e“defendendo”os critérios escolhidos, de modo a tornar inviáveis os critérios alternativos “concorrentes”.

Ao mesmo tempo, ao providenciar para a sua moeda o papel de padrão a nível global, abandonou a indexação ao ouro, criando imensas possibilidades especulativas muito para além do que seria admissível através do lucro, explorando para o efeito um conjunto de instituições que instrumentalizou, desde alguns organismos componentes da ONU, até ao FMI, à Organização Internacional do Comércio, ao Banco Mundial e a uma miríade de “think tanks” onde geraram os “lobbies”a partir dos quais impõem a sua vontade visceral!

A Reserva Federal norte americana não tem mais ouro e até o que estava a seu cargo, proveniente de aliados diversos, desapareceu na voragem neoliberal.

Emergentes na Ásia e na América Latina ensaiam por isso trocas comerciais com base noutras moedas, com realce para os envolvimentos bilaterais, para o rublo e o yuan (entre a Rússia e a China).

No início do crescimento em direcção ao domínio, os Estados Unidos beneficiaram da trasladação das principais casas financeiras da Europa, que vieram a integrar, na esteira do que foi o império britânico, a quem se associou a fim de tirar partido da amplitude de implantação das culturas anglo-saxónicas.

Essas casas financeiras tomaram, na década de 30 do século passado, a Reserva Federal e de então para cá impuseram os seus interesses e conveniências “privadas”: deixou de haver concorrência e os conglomerados financeiros, económicos e industriais procuram a todo o transe pulverizar as resistências, neutralizá-las ou mesmo eliminá-las, dissipando o ouro da Reserva Federal e manipulando com o Dólar.

Esse processo tem amplas repercussões sócio-políticas nos próprios Estados Unidos e na corrente globalização, a ponto de concentrar a riqueza acumulada nas mãos de 1% da humanidade e gerar uma exploração desenfreada dos recursos, exaurindo por via da “civilização moderna” o planeta Terra…

Seria necessário um planeta do tamanho de Júpiter para alimentar o padrão de “desenvolvimento” implicado nessa “civilização moderna” que foi optada pelo processo de domínio hegemónico e unipolar que os 1% do“sonho americano” continuam a impor por via dos instrumentos que foram criados contra qualquer tipo de concorrência e muito para além da miragem de lucro tão propagandeados pelo capitalismo.

A insustentabilidade dum processo dessa natureza, ao esgotar a humanidade e o planeta, coloca o futuro num abismo que incorrerá em múltiplos fenómenos já em curso, que implicam já num exercício entre o fascismo e o nazismo, com a proliferação de tensões, conflitos e guerras de todo o tipo, atirando religiões e etnias umas contra as outras na ânsia de dividir e dividir para melhor reinar… e desagregando nações e processos integradores tidos como “resistências”!

Em relação a África, por via étnica e por via religiosa, decorre uma segunda edição da Conferência de Berlim, esta muito mais sangrenta que a primeira!
  
3 – Para a “civilização moderna” os padrões energéticos por que se optou e em relação aos quais tanta relutância há em os substituir, “obriga” os Estados Unidos a tomar as decisões em prol do seu domínio em relação ao petróleo e ao gás.

Os Estado Unidos, desde o final da IIª Guerra Mundial que procuram a todo o transe o domínio sobre as regiões produtoras de petróleo e gás barato, (sobretudo onde ele tem baixos custos de produção)… até por que nessas regiões se encontra à superfície das areias “onshore”…

Os Estados Unidos trataram de se aliar às casas monárquicas da Arábia e com elas desenvolver os expedientes mais retrógrados de ingerência e intervenção de carácter fascista e neo nazi, que agora se estenderam desde o espectro sócio-político das nações que professam religiões islâmicas sunitas, àquelas que professam o cristianismo (uma parte delas suas “aliadas” na NATO, na verdade nações avassaladas e submissas, autênticas ”repúblicas bananas”)…

Simultaneamente ao reforço da segurança das monarquias arábicas, os expedientes de desagregação são multiplicados, na Líbia, na Síria, no Iraque, no Afeganistão, no Paquistão, no Iémen, no Sudão, na Somália e no espectro envolvente onde se vai contaminando inexoravelmente tudo e todos…

Quando por efeito de sua acção alguns produtores de petróleo e gás desencadeiam processos emergentes, perseguindo opções multipolares, como o caso dos componentes dos BRICS e de outros como a Venezuela Bolivariana, os Estados Unidos desencadeiam todo o tipo de demónios que controla, através de processos de ingerência, manipulação e desagregação, com vista a neutralizar as resistências, mesmo que “do outro lado”hajam razões éticas, morais e geo-estratégicas que respondam a padrões que socorrem a humanidade e o planeta, na tentativa de tornar o Mundo efectivamente em “nossa casa comum”!
  
4 – O inventário em curso da autoria de William Blum, relativo a manipulações, ingerências, tensões, conflitos e guerras atribuídas aos Estados Unidos, fica muito aquém da realidade, por que a esse autor falta o resultado último da existência persistente do conglomerado de interesses: o facto da indústria de armamento, do tráfico de droga e da indústria energética terem consolidado laços comuns por via da “alta finança”, aproveitando aliás a abertura de portas propiciadas pelo mercado neo liberal que se expande com a globalização.

Países inteiros, como a Colômbia e o Afeganistão, tornaram-se em coutadas produtoras de cocaína e de ópio!

Enquanto houve socialismo o caminho do abismo foi sendo trilhado em periferias como as do “quintal” latino-americano, mas mal Gorbatchev assumiu o início da desarticulação socialista, o neo liberalismo anglo-saxónico com vocação para a hegemonia unipolar, assentou arraiais quer no Reino Unido (Margareth Thatcher) quer nos próprios Estados Unidos (Ronald Reagan).

A implantação de investimentos e transferência avassaladora de tecnologias, com a deslocalização massiva de fábricas que isso gerou, transformando imensas regiões como a Ásia, estiveram e estão na base dos processos de emergência, com reflexos na conjuntura actual: os emergentes fortalecem o caminho para a multipolarização, concedendo espaço inovador para as alternativas, enquanto a hegemonia unipolar cristaliza-se em seus nexos e procedimentos, recorrendo cada vez mais a métodos radicais ultra conservadores, em conformidade com o seu próprio carácter.

O anseio pelo lucro desmedido, explorando mão-de-obra barata e procurando garantir os “mercados” das nações com o grosso da população da Terra, está na base da deterioração das capacidades da hegemonia unipolar, um processo que não pode ser travado pela via do músculo militar, nem por qualquer outro processo de domínio, incluindo o que recorre à “inteligência”.

O músculo militar passou a fazer parte de seus ingredientes de manipulação e ingerência, pelo que o império assim formado disseminou mais de 600 bases espalhadas pelo mundo, em função de suas geoestratégias energéticas, enquanto simultaneamente tirava partido, em termos de inteligência, do seu domínio em relação às novas tecnologias entretanto desenvolvidas, com incomensuráveis implicações em relação ao sector das comunicações e das possibilidades de conhecimento sobre o planeta e a humanidade.

A inteligência foi manipulada com vista a tornar-se num processo elitista, sob controlo do domínio.

A especulação transferiu-se assim muito rapidamente de sectores estritamente financeiros e económicos para outros, pelo que, em relação aos media, os conglomerados de interesses ficaram com terreno desbravado, expandindo as mensagens da conveniência da hegemonia unipolar em doses intensas, persistentes e continuadas, pois os 99% sobre os quais se exerce o domínio, precisam de se tornar dóceis carneiros, insensíveis aos riscos do abismo que se vai indiciando.

Os media controlados pela hegemonia, injectam a droga anestesiante que dão curso ao domínio dos 1% sobre o resto da humanidade e não há acontecimento algum que escape ao olho clínico desse critério!

Essa geo estratégia provocadora de tensões, conflitos e guerras está, (e cada vez há mais sinais disso), condenada a fazer proliferar resistências: é impossível a esse poder militar, assim como os processos de inteligência que desencadeou em nome da globalização neo liberal, chegar a toda a parte ao mesmo tempo, subvertendo culturas e velhas nações com seus próprios vínculos identitários forjados durante séculos.

Perante a subversão da história, as resistências culturais e sócio-políticas arvoram-se no campo multipolar, sobretudo com os emergentes e à sua volta!

Ao divisionismo artificioso da hegemonia unipolar, arma de enfraquecimento e jugo perante a concorrência, os emergentes procuram a integração como método de defesa e resistência.

Na América Latina o recurso à integração mobiliza já grande parte da América ao sul do México.
  
5 – É evidente que se está perante um processo dialéctico que dá sequência à síntese capitalista neoliberal que se tornou dominante após a volatilização do bloco socialista durante a última década do século passado: a transferência de investimentos, tecnologias e de fábricas, assim como as alternativas, criando espaço para as emergências, gere imensas capacidades para a multipolarização.

Entre a tese da globalização capitalista neoliberal promovida pelo império anglo-saxónico e a antítese cada vez mais evidente das emergências, as tensões crescem e vão-se reflectindo com cada vez mais ênfase na evolução sócio-política da humanidade e do estado em que se encontra o planeta.

Com a persistência do capitalismo e a formação de dois campos que tendem para o antagonismo, as alternativas socialistas renascem com outro vigor e a América Latina assume a vanguarda, na tentativa última de que o mundo se torne, de facto, em “nossa casa comum”!

Na Ucrânia, para citar um dos mais acabados exemplos últimos, a resistência contra o fascismo e os oligarcas, ganha corpo num espaço que não esqueceu as lições do passado, forma consciência e capacidade e está a demonstrar que a luta poderá ser longa, mas é tão legítima quão irreversível, como forma última de sacudir o jugo. 

Imagem: Mapa referente às exportações dos Estados Undos e de dois de seus mais intrínsecos periféricos: o Canadá e o México. O poder que os Estados Unidos exercem sobre essas duas de suas periferias mais próximas, torna-se vidente com a interpretação que se faz através deste mapa.

O DIA ANTES DE MANDELA



Jornal de Angola, editorial - 19 de Julho, 2014

Ontem o mundo comemorou o Dia de Mandela para homenagear o político que personifica a luta contra o apartheid, regime que reinou na África do Sul durante décadas, alimentado aberta ou envergonhadamente por países que ontem como hoje se apresentam como modelos democráticos insubstituíveis e de adopção obrigatória.

Enquanto Nelson Mandela penava numa prisão da África do Sul, políticos de países democráticas faziam negócios com Pretória. E os seus países nem sequer hesitaram em apoiar abertamente as invasões a Angola, numa guerra não declarada.

O Dia de Mandela teve um momento anterior que até agora tem sido ignorado pela comunidade internacional e por isso mesmo pelas centrais de propaganda que gostam de individualizar o que é de todos. Na África do Sul há muitos heróis que se distinguiram na luta contra o apartheid. A escritora Nadine Gortimer, agora falecida, é uma das mais importantes. Mas podemos fazer desfilar outros  sul-africanos que se bateram contra o apartheid como Oliver Tambo, Walter Sisulu, Jo Slovo, que foi comandante do braço armado do ANC, Winnie Mandela e obrigatoriamente o Presidente Zuma.

O Dia de Mandela foi antecedido pelo Dia do Tumpo. E esta data gloriosa que marca a derrota do apartheid no Cuando Cubango, à vista do Cuito Cuanavale, só existiu porque Agostinho Neto disse que Angola só seria livre quando fosse esmagado o apartheid que oprimia os povos da Namíbia, Zimbabwe e África do Sul. Quando os angolanos foram surpreendidos e magoados com a sua morte, o jovem político que lhe sucedeu, José Eduardo dos Santos, agarrou no testemunho e comandou os mais exaltantes combates do Povo Angolano até à derrota do regime de Pretória, forçando os chefes do hediondo regime a assinarem o Acordo de Nova Iorque.

A Batalha do Cuito Cuanavale, no Triângulo do Tumpo, libertou o mundo do mais grave crime que alguma vez foi cometido contra a Humanidade. Mas os angolanos que se bateram heroicamente contra as tropas nazis de Pretória e os seus aliados têm mais vitórias a celebrar. Em primeiro lugar, o fim da agressão estrangeira à Pátria Angolana.
 Depois, a Independência da Namíbia. E a sua luta heróica também ajudou a abrir de par em par as portas do cárcere de Nelson Mandela. Por isso, o dia do grande herói sul-africano teve um momento anterior de extraordinária importância para todos os que se batem pela liberdade e a democracia: O Dia do Tumpo.

O mundo tarda em compreender que o Presidente José Eduardo dos Santos foi o comandante supremo das forças que derrubaram o apartheid e levaram à libertação de Nelson Mandela. A Batalha do Cuito Cuanavale é um marco na História da Humanidade mas é também uma das mais importantes batalhas mundiais na luta pela democracia e contra o nazismo. Hitlter e a ideologia nazi não acabaram no dia em que as tropas alemãs foram derrotadas na Frente Russa. Nem depois da vitória dos Aliados nas praias da Normandia. o nazismo não ficou decapitado no momento em que o Exército Vermelho entrou em Berlim e esmagou a cabeça da cobra.

O nazismo, com outros métodos e matizes, continuou na Península Ibérica. O regime fascista de Lisboa impôs práticas claramente nazis e esclavagistas em Angola e nas restantes colónias africanas. A África do Sul adoptou o regime de apartheid e uma política expansionista, de dominação e submissão dos países vizinhos. Angola não se submeteu. Mas mais do que a insubmissão, os angolanos enfrentaram as forças de defesa e segurança de Pretória, na época das mais poderosas do mundo. E o Dia de Mandela é a prova universal de que Agostinho Neto e José Eduardo dos Santos tinham razão. A Humanidade deve-lhes esse momento anterior à data que homenageia o mais popular herói da luta contra o apartheid. Esse momento mágico que é o Dia do Tumpo. Aquele triângulo no solo sagrado da Pátria onde as tropas do regime de Pretória foram esmagadas, depois de meses de combates.

O Dia do Tumpo está na base do Dia de Mandela. E essas duas datas significam horas, dias, meses e anos da guerra que o heróico Povo Angolano travou até esmagar as forças do apartheid. O mundo precisa de conhecer o Cuito Cuanavale e aquele triângulo na confluência de vários rios do Cuando Cubango. Porque ali triunfou a democracia e a liberdade, sobre a ditadura dos nazis do apartheid.A Humanidade foi libertada pelos heróis da Batalha do Cuito Cuanavale da vergonha do apartheid na África do Sul e na Namíbia. E hoje só celebramos o Dia de Mandela porque os angolanos derrotaram o regime e abriram as portas de todas as suas prisões, puseram fim aos campos de concentração baptizados de bantustões e levaram a democracia a toda a África Austral. Por isso o Dia do Tumpo é do mundo e também de Mandela.

POBREZA CAI PARA METADE



Garrido Fragoso – Jornal de Angola

Os membros da recém criada Confederação Empresarial dos Estados Africanos de Língua Oficial Portuguesa (CE-PALOP) transmitiram ontem, em Luanda, ao Vice-Presidente da República, Manuel Vicente, a vontade da organização em que existam mecanismos legais que permitam melhorar e expandir o ambiente de negócios entre os Estados africanos que falam português.

A delegação de empresários entregou a Manuel Vicente as conclusões e recomendações saídas do Primeiro Fórum Económico dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa, que decorreu na quinta-feira.

Em declarações à imprensa, no final do encontro, que decorreu na Cidade Alta, o porta-voz do fórum, o angolano Francisco Viana, que assumiu um mandato de quatro anos na presidência da CE-PALOP, defendeu que tudo deve ser feito para que \"a comunidade tenha um pilar económico forte e sustentável, e relance uma nova era na cooperação entre os Estados africanos que falam português\".

“Foi-nos dito que existem condições e oportunidades claras de negócios entre os diferentes Estados dos PALOP\", afirmou o empresário angolano, ao eleger como prioridade a formação dos agentes das associações empresariais dos Estados, para assegurar competitividade numa economia global.

Para garantir um ambiente saudável em termos de negócios entre os Estados, defendeu a revolução de mentalidades e o fim do \"afro-pessimismo\", ao mesmo tempo que considerou que o desenvolvimento de África tem de contar com empresários africanos. Se houver mil empresas no continente, 600 devem ser de africanas, sublinhou.

Francisco Viana falou ainda da mobilidade que deve existir entre os países africanos, permitindo a livre circulação de pessoas, bens e capitais, e da necessidade de se aumentar o conhecimento do agro-negócio. 

A (CE-PALOP) é composta por todos os Estados africanos de expressão portuguesa, mais a Guiné Equatorial, cuja adesão à comunidade lusófona deve ser formalizada na próxima cimeira da CPLP, marcada para Timor-Leste. A organização tem por objectivo aproximar e fortalecer a rede de contactos entre os empresários de Angola, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Guiné Equatorial e Cabo Verde.  

O primeiro Fórum Económico dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa, uma promoção da Confederação Empresarial da CPLP, debateu os mais diversos assuntos relativos ao desenvolvimento económico dos Estados membros.

O Vice-Presidente da República, Manuel Vicente, recebeu ontem em audiência o secretário Executivo da Comissão Económica das Nações Unidas para África, Carlos Lopes, com quem abordou assuntos de interesse continental e relacionados com a integração regional e o papel que pode desempenhar Angola no fortalecimento do intercâmbio comercial no continente africano. 

À saída da audiência, Carlos Lopes disse à imprensa que Angola é uma potência em termos económicos, que tem feito um esforço de investimento muito grande em várias áreas, em especial nas questões de âmbito social. “Angola conseguiu reduzir a pobreza para quase metade depois da guerra e fez um grande investimento nas infra-estruturas. Mas ainda há distorções económicas importantes, como é o facto de o país continuar a depender da exportação de petróleo”, notou Carlos Lopes. 

O Executivo, acrescentou, tem consciência desta realidade e sabe que chegou o momento de assumir a diversificação da economia. Na visão de Carlos Lopes, a diversificação da economia deve passar por uma transformação estrutural. 

Para dar resposta às questões sociais, Carlos Lopes defendeu a criação de emprego, para o país poder ter um desenvolvimento sustentável. 

O especialista em economia ao serviço da ONU mostrou-se satisfeito com o facto de o Executivo estar a ter uma grande preocupação com a criação de infra-estruturas que vão desencravar um número considerável de países africanos sem acesso ao mar. Um dos mais importantes é o Corredor do Lobito associado ao CFB.

Ao referir-se à diplomacia activa do Presidente José Eduardo dos Santos, disse que “só temos de felicitar”, e referiu que, dado o peso demográfico e económico de Angola e a sua ambição estratégica de querer representar um conjunto de interesses dentro de África, é necessário que se empenhe mais nas questões regionais e sub-regionais. 

O facto de estar a presidir a uma série de mecanismos e poder vir a integrar o Conselho de Segurança da ONU vai permitir que o nome e o papel de Angola sejam cada vez maiores, salientou o economista Carlos Lopes.

Foto: Mota Ambrósio

A ESTEPE (1)



Rui Peralta, Luanda

I - Entre os anos 1000 e 1500, três grandes blocos integravam o sistema  mundo: a China, a India e o Medio Oriente (que compreendia o Egipto, a Grécia e os territórios que constituem hoje a Síria, o Líbano, Israel, Jordânia, Iraque, Irão e Turquia). As "rotas da seda" (como são conhecidos estes intercâmbios) atravessavam a região meridional da Eurásia, a Ásia Central (do mar Cáspio à China) e pelo Sul a estepe cazaque (actual Cazaquistão e parte da China) e a Mongólia. A esta intensidade de intercâmbios juntar-se-ia a Europa, um pouco mais  tarde, afirmando-se como um quarto bloco em muito rápido crescimento contrastando com a estagnação relativa do Médio Oriente, factor que levou á decadência destes intercâmbios, o que teve duas consequências: a) o Medio-Oriente passou a ser considerado, pelos Europeus, como região de passagem e não como um objectivo; b) A China e a India deixaram de considerar o Ocidente como mercado de interesse, privilegiando o Oriente e constituindo periferias na Península Coreana, Japão, Indochina e Sudeste asiático.

Os dois polos Orientais (China e India) não reatam os intercâmbios com o Médio Oriente e alheiam-se da Europa e esta, por sua vez (com a França à cabeça), busca a sua penetração no Medio Oriente através das cruzadas (1100-1500), defrontando-se com Bizâncio e com o Califado árabe-persa. Derrotados, os europeus são expulsos da região e obrigados a contorná-la, mas as cruzadas são um factor importante e de peso na decadência do Medio Oriente, acabando por facilitar a transferência de poderes para as tribos turcomanas, que destroem Bizâncio e o Califado, substituindo-os (1400-1450) pelo Império Otomano. Tiveram, as cruzadas, ainda um efeito positivo para as cidades italianas que com o enriquecimento obtido pela sua função de intermediários, acabam por dominar o comércio marítimo mediterrânico.

II - A Eurásia toma um papel determinante entre 1250 e 1500 (preenchendo o vazio deixado pelo Médio Oriente) e a sua crescente importância marginaliza as rotas da seda - que ligavam o  Médio Oriente à China e à India - em benefício de uma rota directa à China através da Eurásia dominada pelo Império Mongol (rota de Marco Polo). A nova dinâmica euroasiática conduz à intensificação dos conflitos entre os russos  (habitantes dos bosques) e os turco-mongóis (vindos das estepes) para controlo da região. Destes conflitos advém a formação do Estado russo, liberto do jugo mongol.

Os russos expandiram-se rapidamente através da Sibéria, conquistam as estepes do sul até aos mares Negro, Cáspio e Aral, chegando ao Cáucaso, dai enveredando para a Transcaucásia e Ásia Meridional. Nessa fase a Eurásia é a ponte entre a Europa e a China, função que termina em 1500, quando a Europa inicia a rota do Atlântico. Os russos respondem á marginalização da Eurásia de uma forma original: o monge Philopheus proclamou a Terceira Roma em Moscovo, no ano de 1517, ou seja, pouco depois da abertura da via marítima europeia para a Ásia, desempenhar um papel exclusivo na História da região, substituindo Bizâncio ao proclamar-se como "centro espiritual" da Igreja Ortodoxa (este papel messiânico alternativo foi, séculos depois, reivindicado pelo Estado Soviético, considerado "farol da humanidade"). 

A Rússia foi, assim, construída numa síntese eficaz que alternava entre o encerramento em si própria e a abertura ao Ocidente. Este processo construtivo auto centrado evitou que a Rússia se tornasse periférica (tanto em relação à China como da Europa) mantendo, simultaneamente as suas periferias intactas e "russificadas". Neste sentido a construção do Estado russo é comparável á dos USA, dois espaços que se organizam como continentes e que obedeciam a um poder político único (opção trilhada pela China de Mao). Esta comparação dos processos de criação do Estado (a solução auto centrada) não deve, no entanto, conduzir á especulação ideológica acerca dos resultados obtidos por ambos os Estados (Rússia e USA), devido a três factores principais: a) os USA não tinham uma herança feudal; b) os USA, "isolados" a norte do Novo Mundo, estavam afastados das querelas europeias; c) os USA, no continente americano, apenas tiveram um adversário, o México, débil, rapidamente tornado em presa fácil e perdendo para o seu vizinho do norte metade do território. 

A Rússia, por sua vez, tinha uma forte herança feudal (que a acompanhou até ao século XX), não escapou - nem evitou - aos conflitos europeus e teve que defrontar fortes adversários, sendo evadida pela França napoleónica, sofreu a afronta da Crimeia e as invasões de 1914 e 1941. Desde a sua fundação como Estado, a Rússia, opta por cruzar a sua História com a da Europa, nunca se encerrando na Eurásia (o que seria fatal para o seu desenvolvimento) e pretendendo ser tão moderna (europeia) quanto possível. Aliás não foi por acaso que a águia bicéfala - símbolo do império russo czarista - tinha uma das suas cabeças viradas para o Ocidente e que a URSS optasse pelo marxismo como ideologia...

III - Aos olhos da Europa a Rússia foi a sua antítese ideológica. A ideologia europeia fundamentava-se no binómio "liberdade europeia / despotismo oriental" e as suas origens remontam a Aristóteles, que caracterizava o despotismo (o poder dos senhores) como uma forma de governo assente nas relações de servidão e própria do Oriente. Aristóteles considera que o despotismo é legítimo, uma vez que predomina nos povos "naturalmente servis" do Oriente, súbditos que aceitam o poder das suas senhorias sem se lamentarem.

Este pressuposto de Aristóteles atravessou toda a teoria politica ocidental até aos nossos dias, passando por Tomás de Aquino, Maquiavel, Bodin, Montesquieu e Hegel. Nos séculos XVI e XVII Moscovo foi considerado o exemplo da monarquia despótica, oposta ao modelo de monarquia régia que afirmou os Estados europeus.  Com Pedro o Grande e depois com Catarina, a Rússia aproxima-se da Europa, mas não ao ponto desta a tirar da "lista" dos estados despóticos. Durante as guerras napoleónicas a Rússia participa de pleno direito no concerto das nações europeias (ao ponto do seu exército entrar em Paris) mas nem mesmo assim a Europa colocou reservas, considerando a Rússia um parceiro passivo que entrou tarde no convívio das nações europeias. Na época os escritores políticos europeus que apoiavam a Rússia eram da escola da contrarrevolução, para quem o binómio liberdade / despotismo era já despropositado, propondo no seu lugar o binómio "legitimidade / revolução", criticando a Revolução francesa, gente para quem Napoleão era o anticristo e o czar Alexandre  um "salvador místico".

No século XX a revolução russa reformulou o binómio liberdade / despotismo. A teoria da natureza servil dos povos do Oriente   é abandonada e o seu lugar ocupado por pressupostos mais elaborados e análises mais coerentes. Factores como a necessidade de regulamentar a irrigação das grandes planícies asiáticas, ou como Bizâncio influenciou a formação do Estado russo trouxeram á ideologia ocidental outra compreensão da Rússia e do Oriente. O termo despotismo é abandonado e em seu lugar foram considerados conceitos como os de autocracia, totalitarismo ou regime burocrático. No entanto o modelo bipolar Ocidente / Oriente permanece nos binómios reformulados: mundo livre / comunismo ou liberdade Ocidental / autocracia Oriental.

IV - Em Agosto de 1991 Boris Ieltsin subiu a um tanque para proclamar o fim da URSS que tombava por efeito das suas contradições internas e das intensas dinâmicas externas da época. As reformas de Gorbatchev desencadearam uma série de mecanismos que acentuaram a decadência  do socialismo real, desnecessário para os novos processos de reprodução de capital, que dispensavam os modelos de competitividade implementados na II Guerra. A economia da URSS foi transformada num monte de escombros, sujeita a um controlo estatal destroçado, em avançado estado de desintegração.

O vazio deixado pelo colapso do controlo estatal foi ocupado pelo mercado informal, por ladrões e contrabandistas. Três anos depois a economia russa encontrava-se num caos absoluto. As fábricas fechavam por falta de matérias-primas ou de produtos intermediários, de componentes, de mercado, de capital ou de todos estes factores e elementos em conjunto. A extracção petrolífera diminuiu por falhas no fornecimento de produtos essenciais na actividade e a agricultura foi negligenciada, votada ao abandono. O sector mineiro estava paralisado devido às constantes greves dos mineiros que revindicavam melhores condições de trabalho e de segurança das minas (factor completamente negligenciado pelas novas autoridades, o que transformava as minas em enormes túmulos), pelo fim dos atrasos constantes nos pagamentos de salários e prémios e melhores salários.

A produção e os rendimentos eram inferiores aos de 1991 e a inflação consumia pensões e salários. O desemprego aumentava de forma incontrolável, a precariedade do trabalho era norma e os russos tinham menos que comer, vestir e um nível de consumo muito inferior ao de 1987 - ano em que Gorbatchev iniciou as reformas - e a 1985, ano em que Gorbatchev chegou ao poder. As empresas privadas foram vendidas por valores irrisórios, o exército estava em desintegração e o material bélico e equipamento militar era inserido no mercado informal. A corrupção contaminou todo o tecido social e foi responsável por cerca de 100 milhões  de USD transferidos para contas bancárias no exterior do país, entre 1990 e 1995, privando a economia russa de moeda corrente.

Traficantes, proxenetas e prostitutas louras passeavam-se em carros desportivos, marcavam presença em restaurantes luxuosos, trajando fatos Armani, com contas bancárias em Viena de Áustria, apartamentos em Manhattan e bons amigos no Kremlin (muitos deles - e delas - íntimos amigos de Ieltsin. Por todo o país "homens de negócios" fazem tráfico de matérias-primas roubadas, desviados para exportações privadas e os gestores roubavam as empresas onde trabalhavam, transferindo a propriedade das mesmas para o seu nome. Outros colaboravam com estrangeiros, importando bens de consumo, contrabandeando e exportado armas. Milhares compram e vendem sem pagar impostos. As jovens empresas privadas sofrem a concorrência desleal de empresas ineficientes, suportadas por funcionários públicos corruptos e pelas mafias locais.

Esta foi a Rússia que o Ocidente considerou - pela segunda vez na História (a primeira vez foi a Revolução liberal de Fevereiro de 1917) - como "amiga", sendo Ieltsin visto pelo Ocidente como um "bêbado simpático"…E o Ocidente regozijou-se ao ver Ieltsin, ridículo, a dançar "rock n'roll" nos comícios eleitorais... 

Continua

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