Andreia
Nogueira, da agência Lusa
Jacarta,
Indonésia, 04 jan (Lusa) - Centenas de 'portugueses negros' que vivem a norte
da capital indonésia, Jacarta, recebem hoje o novo ano com um "banho"
coletivo de pó branco em busca de perdão e santidade.
A
comunidade dos 'tugu', cristãos protestantes no maior país muçulmano do mundo,
terá nascido do cruzamento de escravos de portugueses na Índia, que foram
levados para a zona onde agora fica Jacarta, com comerciantes, artesãos e
aventureiros oriundos de Malaca, Ceilão, Cochim e Calecute, mas não há versões
definitivas da sua origem.
Os
cerca de 300 'portugueses negros' que vivem na aldeia de Tugu, a norte de
Jacarta, seguem a tradição centenária de colocar pó branco na face uns dos
outros, numa cerimónia realizada no primeiro domingo de janeiro.
Trata-se
de um dos eventos mais conhecidos da comunidade e tem o nome de
"mandi-mandi" (duche, em indonésio), que significa "literalmente
tomar banho para limpar o corpo 'sujo'", disse à agência Lusa Lisa
Michiels, uma das suas praticantes.
"Primeiro
vamos orar juntos, ouvir a palavra do Senhor, como gratidão por todas as
bênçãos de Deus. Depois, vamos almoçar juntos, antes de começar a
cerimónia", referiu.
Segundo
a indonésia, o branco ou branco sujo "é como um símbolo de santidade e de
perdão", mas entre os descendentes de portugueses em Malaca, na Malásia,
existe uma tradição semelhante na qual é usada "água em vez de pó".
É
também o perdão dentro das famílias que marca o momento das 12 badaladas e
ainda o primeiro dia do ano, quando a tradição local - conhecida como
'rabu-rabu' - convida a ir de casa em casa pedir perdão, cantar e beber.
Os
portugueses foram os primeiros europeus a chegar ao território atual da
Indonésia, em 1512, e, embora a posterior colonização holandesa tenha tentado
apagar as marcas da herança lusa, a língua papiá tugu, uma forma de crioulo,
resistiu durante séculos.
O
último falante deste crioulo faleceu em 1978, mas a língua continua a fazer
parte das canções do 'Keroncong', um estilo de música popular que resultou da
vinda do cavaquinho com os portugueses.
À
semelhança de anos anteriores, as canções do grupo Keroncong Tugu - que é
famoso na Indonésia e que reúne vários elementos da família de Lisa Michiels -
deverão ter um destaque especial no "mandi-mandi", que atrai
indonésios de outros lugares e também estrangeiros, incluindo portugueses.
A
comunidade - que conta também com alguns elementos noutros pontos da Indonésia
e no estrangeiro - preserva tradições lusas, como beber vinho no Natal e no ano
novo.
Até
à geração dos pais da família Michiels, os 'tugu' procuravam sempre casar entre
si, mas agora a situação é diferente, pelo que características físicas como o
nariz mais pontiagudo deverão desaparecer com as gerações futuras.
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APN
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