Em
1961, o dia 4 de Fevereiro marca o início oficial da luta armada. Depois de
mais de meio século, relembrar essa data não tem sido fácil para os angolanos.
Muitos preferem esquecer as histórias que reflectem dor e sofrimento, enquanto
outros orgulham-se da coragem que tiveram os seus antepassados, ao tornar
Angola livre da opressão e das inquietudes do colonialismo. Contudo,
independentemente de sentimentos de orgulho ou vergonha, sempre se demonstrou
impossível fugir à história de um povo.
Angola
e Portugal: Uma relação de séculos
Angola
foi a primeira colónia onde se iniciou a luta armada organizada contra o
domínio português. A data de início do conflito não é consensual para todas as
partes envolvidas, contudo, para o Governo angolano, só reconhece o 4 de
Fevereiro de 1961 como o dia oficial do início da Luta Armada de Libertação
Nacional. O contexto desses acontecimentos encontram-se numa linha do tempo
maior do que se possa imaginar. Portanto, para o interpretarmos com coerência,
é necessário dar alguns passos atrás.
Depois
de quatro séculos de presença em território africano, e de conseguir vencer
heróis nacionais e a sua oposição e resistência, como Nzinga Mbande e Mandume
ya Ndemofayo, Portugal reivindicou a soberania de Angola junto das outras
potências europeias na Conferência de Berlim em 1884.
Entretanto,
no início do século XX, Portugal, liderado por António de Oliveira Salazar,
olhava para Angola não só pela possibilidade de crescimento do seu regime mas
também pelas potencialidades económicas. Terra rica em recursos naturais como o
café, petróleo, diamantes, minério de ferro e algodão, este último recurso teve
um papel preponderante no decurso da história entre os dois países.
A
luta pela liberdade: Os primeiros passos e a revolta da Baixa de Cassange
Em
1961 mais de 126 mil colonos já residiam em Angola. Um número
demasiado elevado aos olhos de alguns, principalmente do MPLA (Movimento
Popular de Libertação de Angola) e a UPA (União dos povos de Angola),
"pai" da actual FNLA (Frente Nacional de Libertação de Angola) eram
exemplos disso. Um mês antes do famoso 4 de fevereiro, deu-se a revolta da
Baixa de Cassange em
Malange. Segundo fontes próximas aos acontecimentos, António
Mariano da UPA esteve por trás da "empreitada" e em muitos círculos o
acontecimento é também lembrado como “Guerra de Maria”. Milhares de
trabalhadores dos campos de algodão da companhia Luso-Belga Cotonang
revoltam-se pela constante repressão colonial e as duras condições de trabalho.
Deu-se
início a uma greve geral enquanto os trabalhadores armavam-se de catanas e
canhangulos, as famosas espingardas artesanais. A destruição de casas, pontes e
plantações trouxeram a ira portuguesa que respondeu de forma dura e
violenta: companhias de caçadores especiais e bombas incendiárias lançadas de
aviões da Força Aérea Portuguesa provocaram a morte de mais de 300 pessoas.
Neste caso as fontes divergem no número, alguns indicam chegar mesmo aos
milhares.
Este
dia foi o ponto de partida para o crescer do sentimento nacionalista, que
contribuiu para o despertar de uma consciência patriótica que impulsionou os
acontecimentos que viriam a seguir.
4
de fevereiro: O início do fim
Enquanto ainda duravam as operações de contenção da revolta de Cassange, chegava a madrugada de 4 de Fevereiro. Um foguete, accionado num bairro vizinho da Cadeia de São Paulo, rebentava às quatro horas da manhã, dando sinal para que mais de 250 nacionalistas, divididos em 10 grupos, e vestidos de camisolas e calções pretos e de catanas em punho, largassem os bairros a caminho das cadeias.
Atacam
simultaneamente a Casa de Reclusão Militar, em Luanda, a Cadeia da 7ª esquadra
da polícia, a cadeia da PIDE no bairro de São Paulo e tentam ocupar a sede dos
Correios e a Emissora Nacional de Angola. Dentro da prisão, os grupos de presos
que, há meses, preparavam a fuga, resolviam avançar, preparados com todos
objectos que fossem cortantes. Com o objectivo de libertar alguns detidos e sem
armamento adequado à situação real, o ataque foi um fracasso. 40 assaltantes
perderam a vida, juntamente com cinco polícias, um cabo e sete guardas
prisionais.
O
MPLA reivindicou os assaltos e os líderes dos grupos Paiva da Silva e Imperial
Santana ficaram conhecidos como os autores desse dia. É precisamente neste
parte que a história tropeça. Fontes ligadas ao partido afirmam que o
MPLA não teve peso suficiente nos acontecimentos e que muitos dos seus
militantes estavam na Guiné Conacry, na altura confrontados com as difíceis
condições políticas impostas pela vigilância policial e militar. A fonte revela
que um dos intervenientes principais desse dia foi o cónego Manuel Mendes das
Neves, “Neves Mendinha” que na altura tinha ligações à UPA juntamente com Raul
Deão.
O
Comité Director do MPLA concebeu um comunicado na altura, onde assume a autoria
do assalto, liderado à distância em articulação com a ala interna do movimento.
O comunicado foi divulgado em todas as rádios da época, tendo mobilizado a
comunidade internacional, os países africanos já independentes, os Estados
Unidos e alguns países do então bloco socialista do Leste Europeu. Desta
mobilização conseguiu-se obter meios financeiros e materiais, tais como
armamento e outros equipamentos, bem como meios referentes à assistência médica
e medicamentosa.
O
ataque coincidiu com a presença de jornalistas estrangeiros que aguardavam por
notícias do navio Santa Maria, que tinha sido desviado pelo capitão Henrique
Galvão e outros oposicionistas ao regime português, e que, supostamente, iria
atracar em Luanda. Desta
forma, o evento foi de conhecimento público.
O
ataque, ao combinar o “timing” certo com uma estratégia política nacionalista à
altura do poder colonial, dá passos sucessivos para afirmação do poder de
guerrilha e não-conformismo dos nacionais.
A
6 de Fevereiro, durante as cerimónias fúnebres dos polícias, mais de 20
angolanos foram mortos devido a uma suposta provocação. No mesmo dia, segundo
um missionário Metodista, as autoridades portuguesas e cidadãos brancos atacam
cidadãos angolanos que viviam nos musseques, matando cerca de 300 pessoas.
15
de Março: O que viria a seguir
No mês seguinte nada parecia ter acontecido. A acalmia demonstrou-se provisória com o primeiro ataque da UPA de Holden Roberto no dia 15 de Março, nas províncias do Uíge e do Zaire. O ataque foi orquestrado no Congo meses antes e disfarçado de evento festivo - “Dia do casamento da filha do Nogueira”. Durou três dias onde as forças da UPA invadiram fazendas e postos administrativos, tirando a vida a todos que encontrassem pelo caminho. Munidos de catanas e canhangulos, os homens da UPA acreditavam serem invencíveis e imunes às balas dos colonos, que a seu ver eram feitas de água.
Os
ataques estenderam-se até Kwanza-Norte, Luanda e Bengo, e estima-se que mais de
cinco mil pessoas tenham morrido. Portugal não consegue responder como em
situações anteriores. Foram os próprios colonos que se organizaram em conjunto
com o governo para criar a Organização Provincial de Voluntários da Defesa
Civil de Angola. A resposta foi violenta.
A
partir desta data, e depois de todos os acontecimentos registados desde o
início do ano, Angola e Portugal estão em guerra. Movimentos
anti-coloniais como o MPLA, a FNLA e a UNITA crescem e ganham força nos anos
seguintes. Nomes como Agostinho Neto, Lúcio Lara, Holden Roberto, Jonas Savimbi
são repetidos pelos quatro cantos do país em busca de liberdade nacional até à
luta entre si pela conquista do poder. Aliado a esta inevitabilidade estavam
factores externos como a ajuda internacional e a Revolução dos Cravos em
Portugal um ano antes da independência de Angola, 1974.
Angola
tornou-se independente a 11 de Novembro de 1975 e hoje é um dos maiores
parceiros políticos e económicos de Portugal
Sapo
- Ianick Fernandes
Fontes: Angop, Público, Observador, In Viagem a Angola de Daniel Metcalfe
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