Expresso
das Ilhas , editorial
O
Banco de Cabo Verde reuniu-se com os bancos comerciais no dia 6 de Fevereiro e
uma semana depois adoptou um conjunto de medidas viradas para o aumento da
liquidez do sistema bancário. O objectivo declarado foi de aumentar a
capacidade dos bancos em conceder crédito ao sector privado. Supostamente a
melhoria da situação líquida dos bancos com a redução das várias taxas, em
particular, a taxa de disponibilidades de caixa e a taxa de redesconto irá
traduzir-se em mais crédito para o sector privado. A realidade é que
actualmente os bancos não têm problema de liquidez e mesmo assim não facilitam
o crédito. Justificam com os riscos macrofinanceiros do país a que não está
alheio à dívida externa que já ultrapassa os 100 por cento do PIB e a
persistência de défices orçamentais numa economia com anos sucessivos de
crescimento anémico.
O
BCV sabe perfeitamente que anteriores tentativas de transmissão monetária com
vista ao aumento de liquidez, designadamente a redução da taxa de concessão de
liquidez de Setembro de 2013 não resultaram em mais crédito para a economia.
Basicamente o seu único efeito foi baixar a taxa de juros paga nos Bilhetes de
Tesouro a 180 dias que o Estado emite para se financiar. O BCV ao repetir a
manobra de baixa das taxas, agora alargada às outras taxas directoras, não pode
desconhecer que provavelmente as suas acções estão condenadas ao fracasso. Nada
mudou significativamente: nem o quadro de referência dos operadores e
investidores privados no que respeita nomeadamente ao ambiente de negócios, à
competitividade da economia e às relações laborais, nem tão pouco a percepção
pelos bancos dos riscos existentes e do crédito malparado que vêm acumulando
com as crescentes dificuldades das empresas e das famílias.
É
evidente que com as novas medidas do BCV a atenção vai virar-se para os bancos.
Todos quererão saber se se verificarão aumentos no crédito à economia e baixas
nas taxas de juro. Se mudanças significativas não aconteceram, considerando que
não houve alterações significativas no ambiente de negócios, será mais fácil
apontar o dedo ao sistema financeiro. Aliás a narrativa oficial já vinha
culpando os bancos pelo aperto no crédito aos privados em contraposição com a
sua pronta disponibilidade em comprar dívidas do Estado. Com esta iniciativa do
BCV não fica margem para dúvidas quem deve ser responsabilizado em caso de
falhas em se obter crédito e subsequentemente não haver crescimento e não se
criarem mais empregos.
Esta
parece ser a nova era de cooperação entre o Governo e o BCV em que o Primeiro
Ministro e a Ministra das Finanças vêm insistindo nos últimos seis meses. A
“novela” do ano passado que foi a nomeação do governador do BCV compreende-se
que tinha como objectivo encontrar as pessoas certas e forçar uma convergência.
O problema nestes arranjos é quando a realidade provoca perda de sintonias e
força cada um a seguir caminho diverso daquele que a sua missão lhe
obrigaria.
É
o que aconteceu em Dezembro de 2011. O BCV aumentou as taxas de referência
quando se tornou evidente que o governo iria continuar a sua política
orçamental expansionista. Sentia-se na época a tensão entre a ministra das
Finanças e o governador do BCV. As medidas do BCV de então tiveram o lado
negativo de induzir uma contracção na procura interna com efeito no PIB que em
2012 foi de 1,2 por cento e em 2013 não passou de 0,5 por cento e um lado
positivo de ajudar na recuperação das reservas externas. Em 2013 as reservas
ultrapassaram os quatro meses de importações. O BCV realizava o que no seu
último comunicado de 13 de Fevereiro relembrou a todos: “A manutenção de
reservas externas em níveis que permitem sustentar a credibilidade do regime
cambial afigura-se como objectivo estratégico da política monetária do Banco de
Cabo Verde”.
Hoje
o BCV com o nível de reservas externas existentes está na posição de abrir
caminho para uma maior facilidade de crédito. A questão que se põe é se vai
realmente acontecer, em que condições, e com que impacto nas reservas externas.
Se for só crédito para consumo ou para investimento na produção de bens e
serviços não transaccionáveis tensões poderão voltar a ser sentidas ao nível
das reservas externas, forçando medidas de contenção. O ideal seria a aposta
nas exportações de bens e serviços mas aqui a falta de competitividade do país
não ajuda. Faltam mercados e é essencial o investimento directo estrangeiro.
Neste
último ano dos quinze anos de governação do PAICV paira no ar a sensação de que
muita coisa ficou por fazer e parte do que se fez poderá não ter a
sustentabilidade esperada. Aos problemas de crescimento económico e de falta de
emprego já conhecidos juntam-se de forma cada vez mais aguda os problemas de
segurança e de justiça. Outros problemas como por exemplo no sector da educação
e na saúde ameaçam a todo momento mostrar a sua real dimensão. Neste ambiente
de incertezas é fundamental que instituições como o BCV se mantenham fiéis à
sua missão mesmo que isso em certos momentos crie tensões com quem governa. Não
dá é para alimentar ilusões ou participar na gestão de imagem de quem, tendo os
recursos e o mandato para fazer as reformas que se impõem, desresponsabiliza-se
quando o país arrasta-se anos a fio com crescimento raso e com desemprego
excessivo.
Sem comentários:
Enviar um comentário