Benjamim
Formigo – Jornal de Angola, opinião
No
final da semana passada, em Davos, dirigentes políticos e económicos
concordaram que a desigualdade social impede a retoma económica, fizeram um
diagnóstico quase unânime mas não passaram a escrito a receita.
As
reuniões inconclusivas dos fóruns internacionais que reúnem o poder (político
e/ou económico) começam a ser aberrantes. O poder de decisão mundial reúne dias
na mesma sala, debate os assuntos que domina e que tem uma capacidade única de
influenciar, faz um diagnóstico quase, senão mesmo, consensual, discutem as
receitas para uma saída da situação que se arrasta desde a crise de 2007/2008,
até fazem declarações públicas e voltam todos para casa sem que um conjunto de
recomendações – que teriam um peso político considerável – seja elaborado e
tornado público.
Isso obviamente forçaria Governos e a comunidade de negócios a tomar os remédios prescritos ou ignorando-os assumir a responsabilidade perante o público. O silêncio, pelo contrário, não ofende ninguém nem coloca interrogações incómodas. No encerramento do encontro chegou a notícia já esperada de que na Grécia o Syriza, um até aqui pequeno partido da esquerda radical, havia ganho as eleições com uma maioria confortável baseando a sua campanha na renegociação da dívida (e/ou eventual perdão de uma parte) com os credores internacionais.
A Grécia é um caso paradigmático do fracasso do dogma da austeridade que em Davos foi acusado de ser responsável pelo fosso crescente entre ricos e pobres, o aumento dos pobres e a estagnação da economia mundial mesmo com preços de petróleo a rondar os 50 dólares o barril, ou seja metade de Junho do ano passado.
Nos países sujeitos à austeridade, por força da imposição da troika (FMI, Comissão Europeia e Banco Central Europeu (BCE)) ou nos que a auto-impuseram por estarem à beira de uma situação grave, as taxas de juro dispararam e a dívida das famílias cresceu em flecha, arrastando para o fosso uma parte considerável da classe média de quem o consumo, e portanto o desenvolvimento da economia dependem.
Atenas poderá, se o Syriza se mantiver fiel às promessas eleitorais, fazer finca pé numa renegociação da dívida, juntar-se à Irlanda que fala nisso há semanas e levar consigo outros países europeus menos dominados pelo neoliberalismo, como a Itália e a Espanha, a França é um caso mais complicado e Portugal mantém-se, pelo menos na última semana, irredutível quanto a uma renegociação que a oposição defende.
Pior é que o BCE já vinha descendo as taxas de juro há meses sem que isso se reflectisse no aumento do consumo, na procura de bens, na retoma económica; nem a conjugação das baixas taxas de juro com a descida dos preços do crude estão a ter qualquer impacto positivo na economia mundial e arriscam arrastar para uma crise financeira os países produtores em geral.
A recente decisão do BCE conjuntamente com as descidas das taxas de juro e a queda nos preços do petróleo veio criar uma janela de oportunidade onde os Governos poderiam usar os fundos de 60 mil milhões de euros que o BCE injectará mensalmente na economia para investirem em infra-estruturas e outras obras com efeito directo sobre o emprego, a geração de riqueza, que permitiriam a retoma a médio prazo. Contudo nem todos os Governos europeus, e designadamente Espanha e Portugal, estão na disposição de usar aumentando os quadros do Estado e arriscando o crescimento da dívida, independentemente do retorno fiscal que os empresários envolvidos trariam tal como os postos de trabalho criados e o consumo por eles estimulado. Isso permitia também subir as necessidades de crude e pressionar a subida de preços, o que ao aumentar a riqueza dos produtores se iria reflectir nas exportações dos países ditos desenvolvidos.
Em Davos tudo isto ficou claro. Até Christine Lagarde ou Martin Sorrell concordaram que o dogma do FMI tinha mudado e que esta janela de oportunidade poderia estreitar o fosso entre ricos e pobres, fortalecer a classe média e ter reflexos positivos nos países em desenvolvimento.
Concordaram que o efeito multiplicador positivo na economia era maior se houvesse um enriquecimento dos desfavorecidos do que no actual contexto que continua a centralizar a riqueza numa minoria cujos impostos e consumo não têm impacto relevante na retoma económica mundial. Não menos importante a coordenação de políticas fiscais que garantissem uma estabilidade na competição fiscal tornando-se o “know how” o factor decisivo.
De igual modo o fim dos paraísos fiscais, segundo foi dito em Davos, faria entrar na economia 80 mil milhões (triliões na designação anglo-americana) de dólares que neste momento estão parados e escapam aos fiscos.
Outro princípio daria o de recompensar as empresas, porventura por via fiscal, pela sua iniciativa, resultados, investimentos e criação de emprego – não de postos de trabalho mal pagos. Segundo Sorrell as empresas têm parados nas suas contabilidades sete mil milhões de dólares sem estímulo para serem investidos.
O que se passa na Europa, como o que se passa, em menor grau nos EUA, tem
reflexos que podem ser de longo prazo nas economias emergentes e em especial
nas que dependem em grande medida do petróleo. A crise nestes países, em
especial na Rússia, Venezuela e Nigéria, pode ter um efeito multiplicador e por
isso são muitos os que neste momento apoiam o fim da austeridade e o aproveitamento
da conjuntura para pôr a máquina em movimento.
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