Rui
Sá* – Jornal de Notícias, opinião
O
meu amigo Eduardo, uma das pessoas que conheço que melhor pensam, associa a
essa característica uma grande desorganização. O que o faz provocar, sem
qualquer maldade, algumas confusões, que a sogra, apesar do enorme carinho que
nutre por ele, apelida de "eduardices"...
É
neste neologismo que me baseio para o título desta crónica. Sendo certo que,
apesar de ambos provocarem confusões, não atribuo a Cavaco Silva nenhuma das
características do meu amigo Eduardo que acima referi! E, confesso-o, também
não nutro pelo presidente da República o carinho que o Eduardo, embevecido,
recebe da sua sogra...
Cavaco
Silva terminará o seu mandato como o político que mais tempo esteve à frente
nos cargos mais importantes para o destino do país no pós-25 de Abril. Mais precisamente,
20 anos em 40 anos de democracia! Por isso sabemos bem que é um dos principais
responsáveis pelo estado em que o país se encontra, agora que se tornou
consensual que a sua atuação como primeiro-ministro, com a destruição de grande
parte do setor produtivo, foi um dos maiores erros que o país cometeu.
Vem
isto a propósito da rábula do disse-não-disse de Cavaco Silva sobre o BES.
Antes de a abordar importa fazer um ponto prévio. É evidente que os principais
responsáveis pela situação do BES são os seus administradores, com Ricardo
Salgado à cabeça e tudo o que se possa passar ao lado do processo, embora
relacionado com o mesmo, não nos pode distrair deste facto. Parece-me também
evidente que a divulgação, por Ricardo Salgado, das datas das diferentes
reuniões que teve com os personagens do costume não é mais do que uma mensagem:
"Atenção que eu sei muitas coisas e, se não me derem a mão, eu não cairei
só!...".
Mas
esta constatação não impede que se analise o papel de Cavaco no processo. E,
naturalmente, os deputados que integram a Comissão de Inquérito ao BES têm a
obrigação de, perante a confirmação de audiências de Ricardo Salgado com o
presidente da República para lhe expor a situação do Grupo BES, procurar
ouvi-lo sobre a matéria.
Cavaco
arma a confusão, dizendo que não se pronunciou sobre o BES mas sim sobre o
Banco de Portugal (BdP). Tive o cuidado de ouvir a gravação da sua intervenção
na Coreia do Sul, no passado dia 21 de julho e que transcrevo na íntegra:
"O BdP desde há algum tempo tem vindo a tomar medidas para isolar o banco,
a parte financeira, das dificuldades financeiras da zona não financeira do
grupo. O BdP tem sido perentório, categórico, a afirmar que os portugueses
podem confiar no BES, dado que as folgas de capital são mais do que suficientes
para cobrir a exposição que o banco tem à parte não financeira, mesmo na
situação mais adversa. E eu, de acordo com a informação que tenho do próprio
BdP, constato que a atuação do banco e do governador tem sido muito, muito,
correta".
De
facto, Cavaco atribui o voto de confiança ao BES às informações que recebe do
BdP. Mas será que um presidente se limita a receber informações dos organismos
oficiais? Será que a batelada de assessores não recolhe informações adicionais
nem estuda os dossiês de forma a que o presidente, com base em diversas fontes,
interprete, com mais conhecimento de causa, o que se passa? E, ainda mais
importante, será que nas audiências que Cavaco concedeu a Ricardo Salgado
(segundo este a 31 de março e a 6 de maio) não lhe deram mais informações? É
que, segundo o próprio Salgado, as suas audiências terão tido efeito, a julgar
pelo facto de a ministra das Finanças ter escrito ao governador do Banco de
Portugal informando que "responsáveis do grupo" já a tinham alertado
para "eventuais riscos para a estabilidade financeira" do BES! Ou
seja, bem pode Cavaco tentar virar o bico ao prego mas a sua intervenção sobre
o BES foi lamentável e terá contribuído para perdas de muitos investidores.
Diz
Cavaco que as audiências são reservadas. Compreendo que considere que Belém é
um confessionário. Mas quando é o "pecador" que refere, publicamente,
as linhas mestras da "confissão", até o padre fica liberto do pacto
de silêncio. Muito mais o presidente da República, que fala e diz o que não deve
e se procura calar quando tem explicações a dar...
*Engenheiro
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