"Hoje
senti que Portugal queria Humberto Delgado", afirmou a filha e
historiadora Iva Delgado, na sessão que assinalou a passagem dos 50 anos da
morte do general às mãos de PIDE. Iva Delgado falava no lançamento do seu livro
de memórias, "Meu Pai, o General sem Medo". Durante o evento, que
decorreu em Lisboa, foi desenvolvido o enquadramento do crime.
José
Pedro Castanheira - Expresso
A historiadora Irene Pimentel fez o enquadramento do crime que vitimou Humberto Delgado na tarde de 13 de Fevereiro de 1965, em território espanhol junto à fronteira com Portugal. Explicou que durante o julgamento, que se prolongou entre 1978 e 1981, estiveram em choque duas teorias explicativas da morte do general: a do assassinato e a do rapto, tendo sido esta a acolhida pelos juízes do 2º Tribunal Militar Territorial de Lisboa. Acentuou que o tribunal "atribuiu todas as culpas apenas a Casimiro Monteiro", o agente da PIDE condenado à revelia a 20 anos de prisão pela autoria material do duplo homicídio de Humberto Delgado e da secretária brasileira Arajaryr Moreira de Campos. Esta teoria, explicou, ilibou toda a hierarquia da polícia política, bem como o Governo de que ela dependia.
"Ainda
hoje, 50 anos depois, o que se passou é motivo de debate. Mas o certo é que
Delgado foi assassinado por uma brigada da PIDE", acentuou a historiadora
que mais tem investigado a atividade da polícia política da ditadura de Salazar
e Caetano. Irene Pimentel não acredita que a brigada que montou a armadilha,
chefiada pelo inspetor Rosa Casaco, tenha agido por motu próprio. "A PIDE
não atuava de forma autónoma, nem era um estado dentro do Estado",
afirmou, ao mesmo tempo que recordou que era o próprio Salazar "quem
despachava diretamente" com o diretor-geral daquela polícia, o major Silva
Pais. Cautelosa na interpretação do mais grave crime do salazarismo, Irene
Pimentel admitiu que "a PIDE terá interpretado a vontade do ditador".
O
livro de Iva Delgado, "Meu Pai, o General sem Medo", tem a chancela
da Caminho, que faz parte do conglomerado da Leya. "Este é o tipo de
livros que nós sempre gostámos de editar", lembrou Zeferino Coelho, o
histórico editor da Caminho, que recordou as circunstâncias em que conheceu o
general. Foi em Paredes, tinha apenas 13 anos, quando viu, espantado, "um
ajuntamento de muita gente junto à estrada". Foi durante a passagem do
candidato a Presidente da República no âmbito da campanha eleitoral de Maio de
1958. "Estava muita gente, até lá estava a Dona Preciosa..." - notou,
para enfatizar o enorme apoio popular que rodeou a galvanizante jornada
nortenha do "general sem medo", que dias antes prometera ao país
demitir Salazar da chefia do Governo.
A
obra foi apresentada pela arquiteta Helena Roseta, presidente da Assembleia
Municipal de Lisboa, que considerou "irrecusável" o convite nesse sentido
formulado pela autora, Iva Delgado. O ator André Gago leu algumas das cartas do
general à filha mais nova e que constituem um dos elementos mais ricos deste
volume de memórias.
Declarando-se
"muito emocionada", Iva Delgado contou um episódio que bem podia
fazer parte do livro, relacionado com o carro descapotável de fabrico
norte-americano, da marca Buick, em que o pai se fez transportar por todo o
país durante a campanha presidencial. Revelou que fôra o dirigente do Comité
Central do PCP, António Dias Lourenço, que ajudara a desencantar aquela
viatura. Muito mais tarde, depois do 25 de Abril, o então diretor do jornal
comunista "Avante!" convidou-a para um passeio. "Levou-me a casa
da pessoa que ainda tinha o carro escondido, algures no Alentejo." Após
agradecer à numerosa assistência que compareceu no Cinema São Jorge, em Lisboa,
a filha do general concluiu o seu breve improviso: "Hoje foi um dia em que
eu senti que havia um Portugal que queria Humberto Delgado!"
A
sessão foi encerrada pelo presidente da Câmara de Lisboa - a entidade que se
substituiu ao Governo e à Presidência da República na comemoração da efeméride.
António Costa lembrou o voto unânime da Câmara no sentido de o aeroporto da
Portela passar a chamar-se aeroporto Humberto Delgado. A propósito leu uma
carta recebida quinta-feira a apoiar vivamente a iniciativa e assinada pelo
presidente da TAP, Fernando Pinto. Revelou igualmente que a proposta já mereceu
o apoio de deputados de todos os partidos parlamentares. O autarca lisboeta
aproveitou para fazer um rasgado elogio à TAP, mas preferiu não entrar no
debate sobre a respetiva privatização. Antes, não deixou de lembrar que a morte
de Humberto Delgado foi "um crime de Estado".
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