Com
a demissão da liderança da Frelimo, Armando Guebuza deixa o palco político
moçambicano, depois de ter sido Presidente da República durante dois mandatos,
marcados pelo acentuar da tensão com a oposição e pelas descobertas de gás natural.
Nascido
há 72 anos, em Murrupula, província de Nampula (norte), Armando Emílio Guebuza
tem o seu percurso marcado pela guerra contra a colonização portuguesa, vida
empresarial e liderança da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), tendo
chegado à Presidência da República entre 2005 e 2015.
Apesar
de ter nascido no norte do país, Guebuza veio jovem para a capital e durante o
liceu juntou-se à rede clandestina da Frelimo.
Com
21 anos decide juntar-se ao movimento, mas é preso na antiga Rodésia (hoje
Zimbabué) e entregue à polícia política portuguesa, que o tortura e o detém
durante cinco meses. Depois de libertado e depois de fugir para a Suazilândia,
consegue finalmente juntar-se à Frelimo na Tanzânia, onde recebe treino
militar.
Foi
depois secretário de Eduardo Mondlane, primeiro presidente da FRELIMO e desde
1966 assumiu um lugar do comité central do hoje partido mais votado em
Moçambique.
Após
a independência, foi ministro do Interior, tendo emitido a famosa ordem
"24 20", que dava a todos os residentes portugueses em Moçambique 24
horas sair do país, com no máximo 20 quilos de bagagem.
Foi
vice-ministro da Defesa, governador de Sofala (1981), de novo ministro do
Interior (1983), ministro da Presidência (1984) e dos Transportes e
Comunicações (1986).
Em
1990 foi nomeado o chefe da delegação do governo às conversações de paz de Roma
com a Resistência Nacional Moçambicana (Renamo), que levariam ao acordo de paz
de 1992.
Na
ocasião, Guebuza disse que a "melhor forma de resolusão de um probema é
através do diálogo" mas a sua gestão enquanto Presidente foi duramente
criticada por Dhlakama, que o acusou o seu governo de o tentar liquidar
pessoalmente.
Em
2002, foi eleito secretário-geral da Frelimo e dois anos depois eleito
Presidente da República, ganhando as eleições, com 63 por cento dos votos, um
resultado que aumentou em 2009, obtendo 75 por cento na sua reeleição.
Em
paralelo, Guebuza é um conhecido empresário com negócios em áreas tão
diferentes como a banca, produção de cerveja, importação/exportação, pescas, construção,
turismo, consultadoria, comunicação social ou publicidade.
Durante
os seus dois mandatos na Presidência do país, Moçambique passou a potência
mundial de carvão e gás, com reservas estimadas de mais de 200 biliões de pés
cúbicos.
Empresário
assumido e que sempre incitou, nos seus comícios, os moçambicanos a "não
terem medo de ficar ricos", Guebuza manteve Moçambique na mira dos
negócios e investimentos, o que resultou num investimento direto estrangeiro de
cerca de nove mil milhões de dólares (mais de sete mil milhões de euros) nos
últimos 10 anos, 76% dos quais destinados ao setor extrativo, nomeadamente gás
e carvão.
Num
balanço pessoal do mandato, Guebuza destacou a importância do combate à pobreza
no seu mandato. "Vemos hoje que os nossos compatriotas se sentem donos da
luta contra a pobreza, emancipamos economicamente mais compatriotas, porque a
nossa ação se centrou num desenvolvimento local, endógeno, inclusivo e
participativo", afirmou o ex-Presidente da República.
No
entanto, segundo o relatório "Análise da Pobreza em Moçambique",
realizado para o grupo dos 19 principais doadores do Orçamento Geral do Estado
moçambicano pela VU University, de Amsterdão, quando Armando Guebuza ascendeu à
Presidência da República, em 2005, pouco mais de 54,7% dos mais de 20 milhões
de moçambicanos eram pobres, e agora que se prepara terminar o último mandato a
percentagem mantém-se quase inalterada.
Mas
foi também no seu mandato que as relações com a Renamo se agravaram, com
sucessivos boicotes do partido de Afonso Dhlakama e vários protestos,
queixando-se da falta de legitimidade e de abertura política do Governo de
Guebuza.
O
conflito militar regressou ao centro do país e o líder da Renamo esteve vários
meses desaparecido. Os acordos de paz só foram parcialmente assegurados já
muito perto das eleições que deram o poder a Filipe Nyusi.
Guebuza
é casado e tem quatro filhos.
Durante
a abertura dos trabalhos do Comité Central na quinta-feira, Armando Guebuza
criticou na quinta-feira os camaradas que publicamente procuram dividir e
semear a confusão no partido.
"Preocupa-nos
a postura e comportamento de alguns camaradas que publicamente engendram ações
que concorrem para perturbar o normal funcionamento dos órgãos e das
instituições e para gerar divisões e confusão no nosso seio", declarou.
Numa
passagem não contida no seu discurso escrito, o antigo chefe de Estado
moçambicano evocou o assassínio à bomba do fundador da Frelimo, Eduardo
Mondlane, em 1969, e a morte em 1986 do primeiro Presidente de Moçambique,
Samora Machel, num acidente de aviação que a organização atribui a um atentado
do ex-governo do "apartheid" da África do Sul, como exemplos de
tentativa de destruir o partido.
"Talvez seja útil
recordar que o objetivo deles é abater a Frelimo, é acabar com a Frelimo, temos
experiências muito infelizes que nós conhecemos, algumas das quais vale a pena
recordar: quando assassinaram Eduardo Mondlane, era para acabar com a Frelimo,
quando assassinaram Samora Machel, era para acabar com a Frelimo, e
naturalmente quando alimentam crises internas é para a Frelimo não se reerguer,
para continuar com o projeto comum de 1962", ano da fundação do partido no
poder, afirmou.
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