terça-feira, 31 de março de 2015

Armando Guebuza, de guerrilheiro a político e empresário que marcou Moçambique




Com a demissão da liderança da Frelimo, Armando Guebuza deixa o palco político moçambicano, depois de ter sido Presidente da República durante dois mandatos, marcados pelo acentuar da tensão com a oposição e pelas descobertas de gás natural.

Nascido há 72 anos, em Murrupula, província de Nampula (norte), Armando Emílio Guebuza tem o seu percurso marcado pela guerra contra a colonização portuguesa, vida empresarial e liderança da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), tendo chegado à Presidência da República entre 2005 e 2015.

Apesar de ter nascido no norte do país, Guebuza veio jovem para a capital e durante o liceu juntou-se à rede clandestina da Frelimo.

Com 21 anos decide juntar-se ao movimento, mas é preso na antiga Rodésia (hoje Zimbabué) e entregue à polícia política portuguesa, que o tortura e o detém durante cinco meses. Depois de libertado e depois de fugir para a Suazilândia, consegue finalmente juntar-se à Frelimo na Tanzânia, onde recebe treino militar.

Foi depois secretário de Eduardo Mondlane, primeiro presidente da FRELIMO e desde 1966 assumiu um lugar do comité central do hoje partido mais votado em Moçambique.

Após a independência, foi ministro do Interior, tendo emitido a famosa ordem "24 20", que dava a todos os residentes portugueses em Moçambique 24 horas sair do país, com no máximo 20 quilos de bagagem.

Foi vice-ministro da Defesa, governador de Sofala (1981), de novo ministro do Interior (1983), ministro da Presidência (1984) e dos Transportes e Comunicações (1986).

Em 1990 foi nomeado o chefe da delegação do governo às conversações de paz de Roma com a Resistência Nacional Moçambicana (Renamo), que levariam ao acordo de paz de 1992.

Na ocasião, Guebuza disse que a "melhor forma de resolusão de um probema é através do diálogo" mas a sua gestão enquanto Presidente foi duramente criticada por Dhlakama, que o acusou o seu governo de o tentar liquidar pessoalmente.

Em 2002, foi eleito secretário-geral da Frelimo e dois anos depois eleito Presidente da República, ganhando as eleições, com 63 por cento dos votos, um resultado que aumentou em 2009, obtendo 75 por cento na sua reeleição.

Em paralelo, Guebuza é um conhecido empresário com negócios em áreas tão diferentes como a banca, produção de cerveja, importação/exportação, pescas, construção, turismo, consultadoria, comunicação social ou publicidade.

Durante os seus dois mandatos na Presidência do país, Moçambique passou a potência mundial de carvão e gás, com reservas estimadas de mais de 200 biliões de pés cúbicos.

Empresário assumido e que sempre incitou, nos seus comícios, os moçambicanos a "não terem medo de ficar ricos", Guebuza manteve Moçambique na mira dos negócios e investimentos, o que resultou num investimento direto estrangeiro de cerca de nove mil milhões de dólares (mais de sete mil milhões de euros) nos últimos 10 anos, 76% dos quais destinados ao setor extrativo, nomeadamente gás e carvão.

Num balanço pessoal do mandato, Guebuza destacou a importância do combate à pobreza no seu mandato. "Vemos hoje que os nossos compatriotas se sentem donos da luta contra a pobreza, emancipamos economicamente mais compatriotas, porque a nossa ação se centrou num desenvolvimento local, endógeno, inclusivo e participativo", afirmou o ex-Presidente da República.

No entanto, segundo o relatório "Análise da Pobreza em Moçambique", realizado para o grupo dos 19 principais doadores do Orçamento Geral do Estado moçambicano pela VU University, de Amsterdão, quando Armando Guebuza ascendeu à Presidência da República, em 2005, pouco mais de 54,7% dos mais de 20 milhões de moçambicanos eram pobres, e agora que se prepara terminar o último mandato a percentagem mantém-se quase inalterada.

Mas foi também no seu mandato que as relações com a Renamo se agravaram, com sucessivos boicotes do partido de Afonso Dhlakama e vários protestos, queixando-se da falta de legitimidade e de abertura política do Governo de Guebuza.

O conflito militar regressou ao centro do país e o líder da Renamo esteve vários meses desaparecido. Os acordos de paz só foram parcialmente assegurados já muito perto das eleições que deram o poder a Filipe Nyusi.

Guebuza é casado e tem quatro filhos.

Durante a abertura dos trabalhos do Comité Central na quinta-feira, Armando Guebuza criticou na quinta-feira os camaradas que publicamente procuram dividir e semear a confusão no partido.

"Preocupa-nos a postura e comportamento de alguns camaradas que publicamente engendram ações que concorrem para perturbar o normal funcionamento dos órgãos e das instituições e para gerar divisões e confusão no nosso seio", declarou.

Numa passagem não contida no seu discurso escrito, o antigo chefe de Estado moçambicano evocou o assassínio à bomba do fundador da Frelimo, Eduardo Mondlane, em 1969, e a morte em 1986 do primeiro Presidente de Moçambique, Samora Machel, num acidente de aviação que a organização atribui a um atentado do ex-governo do "apartheid" da África do Sul, como exemplos de tentativa de destruir o partido.

"Talvez seja útil recordar que o objetivo deles é abater a Frelimo, é acabar com a Frelimo, temos experiências muito infelizes que nós conhecemos, algumas das quais vale a pena recordar: quando assassinaram Eduardo Mondlane, era para acabar com a Frelimo, quando assassinaram Samora Machel, era para acabar com a Frelimo, e naturalmente quando alimentam crises internas é para a Frelimo não se reerguer, para continuar com o projeto comum de 1962", ano da fundação do partido no poder, afirmou.

Lusa, em RTP

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