Falta
de perfil negociador para lidar com o Congresso e restrições dentro do próprio
PT complicam situação da presidente no momento em que ela enfrenta escândalos,
crise econômica e até pressão por impeachment.
O
início do segundo mandato não tem sido fácil para a presidente Dilma Rousseff.
Mesmo com a base aliada sendo maioria no Congresso, ela não consegue aprovar ou
vê devolvidas suas propostas. Dentro do próprio PT há restrições à afilhada do
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva – e isso em meio ao escândalo da
Petrobras, da crise econômica e da pressão pró-impeachment, fruto de uma
eleição que deixou o país polarizado.
De
todas as derrotas que Dilma sofreu desde a eleição, a que poderá custar mais
caro veio da Câmara dos Deputados. Com um discurso de independência do
Executivo, Eduardo Cunha (PMDB), que liderou uma rebelião de parlamentares
contra o governo no ano passado, venceu por grande margem de votos (267 a 136)
o candidato do Palácio do Planalto, Arlindo Chinaglia (PT). De olho no posto
mais alto, o comando petista abriu mão de concorrer a outros cargos da Mesa
Diretora e, diante da derrota de Chinaglia, o partido acabou ficando de fora
dela.
O
cargo de presidente da Câmara é cobiçado por concentrar poderes que podem
facilitar – ou dificultar – a vida do Executivo. É o presidente, por exemplo,
que define a pauta de votação.
No
Senado, Dilma amargou outra derrota ao ver suas medidas de ajuste fiscal serem
barradas pelo presidente Renan Calheiros, também do PMDB – um partido da base
aliada. O fato de tanto Cunha quanto Calheiros estarem sendo investigados na
Operação Lava Jato piora ainda mais o clima entre eles e Dilma.
"Parte
da crise nas alianças deve ser creditada à incompetência do setor de
articulação política do próprio governo. O núcleo duro do governo Dilma não
possui nenhum político com perfil de negociador e articulador. Não que sejam
maus políticos, ou incompetentes – eles apenas não têm perfil e experiência
para fazer a política do 'varejo', do dia a dia das negociações com Congresso,
empresários e movimentos sociais", afirma o cientista político Pedro
Floriano Ribeiro, da Universidade Federal de São Carlos.
Mas
a equipe do governo não é a única responsável por esse distanciamento – a
própria presidente não participa muito do jogo político. Para o especialista
Pedro Arruda, da PUC-SP, a entrada tardia de Dilma na política e a resultante
falta de experiência no "varejo" das articulações políticas são
fatores que prejudicam o desempenho da presidente.
O
cientista político David Fleischer, da UnB, acrescenta que a participação dos
partidos da base aliada nas decisões do governo – um modelo da era Lula – caiu
no governo Dilma, o que ajuda a complicar a situação da presidente.
Às
deficiências na articulação política somam-se, ainda, os problemas de imagem e
carisma da presidente – cuja popularidade não para de cair. "Lula tinha
uma aprovação maior nas pesquisas de opinião. Apoio popular é muito
importante para um presidente comandar a sua coalizão de base", reforça.
Arruda argumenta na mesma linha. "Dilma, de fato, não tem o carisma nem a
desenvoltura para falar em público que o Lula tinha. E não ter essa capacidade
de retórica e articulação a prejudica muito", diz o cientista político.
Resistência
entre petistas
Além
das dificuldades com a base aliada no Congresso, a situação de Dilma dentro PT
também é delicada – principalmente se comparada à autoridade incontestável que
o ex-presidente Lula tinha. Dilma não é uma petista histórica – entrou no
partido apenas em 2000, vinda do PDT – e foi praticamente imposta por Lula como
sucessora. Agora, os questionamentos à sua habilidade política e modo de
governar começam a ficar mais fortes.
Alas
do PT têm mostrado resistência às medidas de ajuste fiscal propostas pela
presidente. A situação chegou ao ponto de os líderes no Senado, Humberto Costa,
e na Câmara, José Guimarães, terem que lembrar aos correligionários que o
partido apoia Dilma e não faz oposição ao governo. As opções de Dilma por nomes
como Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda e Kátia Abreu para a Agricultura
também desagradaram muitos petistas.
"O
PT é um partido de correntes, mas Dilma não integra de modo orgânico nenhuma
dessas correntes. Ela não tem inserção na máquina do partido, não possui
capital político e eleitoral próprio, além de ter uma legitimidade interna
'derivada', pois se assenta totalmente na designação feita em 2010 por Lula,
que a indicou como sua sucessora", diz Ribeiro.
E,
após a eleição, Dilma também não procurou reverter sua posição no partido.
"No governo, ela formou uma entourage muito reduzida para lhe
assessorar, sem buscar um apoio maior de grupos específicos dentro do PT",
acrescenta Ribeiro.
As
divergências partidárias internas ficaram evidentes durante a campanha
eleitoral, quando o nome de Lula foi cogitado para o lugar de Dilma, e se
acirraram em novembro, quando Marta Suplicy, ao deixar o cargo de ministra da
Cultura, criticou indiretamente a política econômica do governo Dilma.
Mas
os ataques não pararam por aí. Marta – uma petista histórica e ex-prefeita de
São Paulo – voltou a criticar Dilma e colegas de partido em diversos momentos,
chegando até a afirmar que Lula andava insatisfeito com a afilhada.
Para
o cientista político Peter Birle, do Instituto Ibero-Americano de Berlim, as
críticas abertas de Marta são um caso isolado – ao menos no momento, não
existem conflitos escancarados no partido. "No caso da Marta há uma grande
rivalidade e motivação pessoal, pois, como ela mesma disse, ela pensou que
poderia ser a sucessora do Lula. Mas esse episódio mostra que há uma decepção
na base", afirma Birle.
Já
Arruda lembra que "ninguém é unanimidade dentro do próprio partido".
É certo que Dilma ainda tem o firme apoio das lideranças do PT, e isso inclui a
maior delas. Lula continua ao lado da presidente – e agindo nos bastidores para
ajudar a fazer a articulação política com a base aliada que Dilma não está
conseguindo fazer.
Clarissa
Neher – Deutsche Welle
Sem comentários:
Enviar um comentário