Robotização
I - Em 1754, o filósofo francês Étienne Bormot de Condillac, para refutar a doutrina das ideias inatas, professada por Descartes, imaginou uma estátua de mármore, configurando o corpo de um homem. A estátua era residência de uma alma que nunca passou pelos processos do entendimento e que nunca pensou. Condillac conferiu um único sentido à sua estátua: o olfato. Um cheiro a jasmim foi o quanto bastou para iniciar a biografia da estátua. Por um breve instante esse foi o único cheiro do universo da estátua, ou melhor, esse foi o universo. Passado esse instante, vieram os odores da rosa e do cravo. O cheiro a jasmim passou a memória e a estátua começou a efectuar comparações e com estas vieram as analogias e as diferenças.
Desta
forma a estátua adquiriu o juízo. A repetição da comparação e do juízo originou
a reflexão. Pouco tempo depois a recordação de momentos agradáveis
proporcionados pelo odor do jasmim ou da rosa, levou à imaginação. Foram assim
criadas as faculdades do entendimento, às quais seguiram-se as faculdades da
vontade (atração, aversão, esperança e medo).
A
consciência proporcionada por estes estados deu à estátua a noção abstrata do número.
As impressões registadas na sua memória (foi cheiro de jasmim, mais tarde foi
cravo e rosa) deram-lhe a noção do eu. Depois a estátua adquiriu os restantes
sentidos e com eles a noção do espaço e do seu corpo. A estátua é, agora, um
homem.
A
esta alegoria da "estátua sensível" de Condillac, seguiu-se uma
outra, no século XIX: o "animal hipotético". Este tem na pele um
ponto sensível e móvel, na extremidade de uma antena. A capacidade de retrair
e/ou projectar a sua antena sensível é o suficiente para que o animal descubra
o mundo exterior e distinga um objecto estacionário de um em movimento.
II - Estas duas alegorias ilustram muitas das problemáticas relacionadas com dois dos mais emblemáticos e significativos progressos realizados nas áreas da microeletrónica, dos sensores e da inteligência artificial.
A
sua difusão na indústria aumenta vertiginosamente tanto nas tarefas produtivas
directas (por exemplo, o robot de pintura nas linhas de pintura de carroçarias
na industria automóvel), como nas tarefas de movimentação e armazenagem de
materiais (por exemplo, os veículos "inteligentes" que efectuam a
leitura das características de vasta gama de produtos, encaminhá-los para os
seus locais específicos nos armazéns, deslocando-os, acondicionando-os,
expedindo-os, etc., sem qualquer intervenção humana, física e/ou mental.
É
evidente que a introdução dos sistemas avançados automáticos (robots e
autómatos) provoca consequências diversas nas estruturas organizacionais
produtivas, no seu funcionamento e alterações nas componentes do capital.
Aumento de produtividade, melhor qualidade de execução e funcionamento
ininterrupto das linhas produtivas são a "front line" das vantagens
adquiridas pela sua implementação. Mas as vantagens não terminam por aqui:
ausência de quebra de rentabilidade, optimização da oferta e da resposta à
procura, máxima ocupação dos equipamentos com um mínimo de gastos em stockagens
intermédias, diminuição do factor humano, aumento de eficácia do controlo e dos
centros de decisão (a informação circula mais rapidamente e os fluxos
informativos transportam mais informação de qualidade, essencial para atempadas
tomadas de decisão), maior descentralização com maior integração.
De
facto estes sistemas resultam numa maior integração entre a transformação
das matérias-primas e a sua movimentação ao longo do processo de fabricação
(algo muito similar ao que acontece nas industrias químicas de processo - petroquímica,
gás, polímeros, etc. - onde a transformação e movimentação são um único e mesmo
processo). Verifica-se que com os processos avançados de robotização e de
automação deixaram de existir momentos sucessivos de maquinação, manipulação ou
montagens, alternando com momentos de repouso em stockagens intermédias ou
durante transportes improdutivos. A continuidade das transformações aumentou
assim como a simultaneidade de processos, sem pausas.
III - Se
o impacto da automação avançada nas organizações industriais obrigou a
profundas alterações organizacionais e nas componentes do capital (esta questão
será analisada posteriormente), o mesmo passou-se ao nível da força de trabalho
e da sua organização no processo produtivo.
Os
maiores impactos observaram-se nos seguintes factores: a) Afastamento físico
dos trabalhadores em relação ao objecto de trabalho e ao produto final, devido
à crescente importância da mediação técnica; b) Aumento dos postos de trabalho
tipo "vigilância e controlo" e aumento da preponderância do operador,
cujas intervenções são baseadas em informações "real-time" e sinais audiovisuais
codificados; c) A qualificação do trabalhador é associada ao posto de trabalho,
pesando na avaliação factores como a noção de responsabilidade, a capacidade de
decisão e qualidades como a atenção, tempo de reacção, autocontrolo, resistência
ao stress e capacidade de adaptação aos diferentes ritmos de produção (períodos
de inação seguidos de períodos de grande intensidade de trabalho), conhecimento
da tarefa, das fases do processo, do equipamento a utilizar e relação com o
mesmo; d) O reconhecimento das capacidades profissionais do trabalhador fica
limitado à empresa e ao equipamento. Em caso de alteração do equipamento, da máquina
ou do processo, ou em caso de mudança de emprego, essas capacidades são uma menos-valia;
e) Menor dispêndio de energia física e melhores condições ambientais no local
de trabalho; f) Tensões diversas geradas pelo espaço de trabalho asséptico
(isolamento, climatização artificial, etc.); g) Tensões diversas originadas
pelos novos horários e regimes de trabalho; h) Novas formas de sociabilidade, privilegiando
as redes de postos isolados ("ilhas") intercomunicáveis e equipas
restritas com elevados níveis de polivalência; i) Outsourcing; j) formação
geral avançada dos operadores para permitir processos de aprendizagem do
funcionamento dos equipamentos, em função das necessidades da empresa. Reciclagens;
k) A formação técnica e a experiencia são factores de menos-valia, ao nível dos
operadores e técnicos médios; l) Diminuição dos operários indiferenciados e semiqualificados.
Maior estabilidade dos operários qualificados e aumento da procura de operários
e técnicos altamente qualificados, engenheiros, gestores e especialistas das
organizações. O número de administrativos é aparentemente estável (o que
demonstra que a organização ainda está num estágio relativamente atrasado e
enfrenta contradições entre o processo tecnológico e organizativo, que a
longo-prazo revelam-se fatais); m) Novas clivagens entre as estruturas de
operação, concepção, preparação e controlo dos sistemas e as estruturas de manutenção
e conservação do equipamento produtivo.
Referidos
que foram alguns dos principais impactos dos sistemas avançados de automação na
produção industrial, no próximo texto será abordada a informatização
(tratamento automatizado da informação) e as implicações da sua aplicação na
produção de bens e serviços, assim como no comércio.
Literatura a consultar (e usufruir)
Borges, J. L. O Livro dos seres Imaginários Ed. Teorema, Lisboa, 2005
Coriat,
B. La Robotique Ed.
Découverte, Paris, 1989
von
Bertalanffy, L. Teoria Geral dos Sistemas Ed. Vozes, Petrópolis, 1973
Bright,
J. R. Automation and Management Harvard University Press, 1958
Leontief,
W. and Ducain, F. The future impact of automation on workers Oxford University
Press, 1986
Pollock,
F. The economic and social consequences of Automation Ed. Basil Blackwell,
Oxford, 1957
Du
Tertre, C. et Santelli, G. Automatisation et travail PUF, Paris, 1992
1 comentário:
Moi interesante este post!
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