terça-feira, 28 de abril de 2015

A CONSTRUÇÃO DO FUTURO


Rui Peralta, Luanda

Robotização

I - 
Em 1754, o filósofo francês Étienne Bormot de Condillac, para refutar a doutrina das ideias inatas, professada por Descartes, imaginou uma estátua de mármore, configurando o corpo de um homem. A estátua era residência de uma alma que nunca passou pelos processos do entendimento e que nunca pensou. Condillac conferiu um único sentido à sua estátua: o olfato. Um cheiro a jasmim foi o quanto bastou para iniciar a biografia da estátua. Por um breve instante esse foi o único cheiro do universo da estátua, ou melhor, esse foi o universo. Passado esse instante, vieram os odores da rosa e do cravo. O cheiro a jasmim passou a memória e a estátua começou a efectuar comparações e com estas vieram as analogias e as diferenças.

Desta forma a estátua adquiriu o juízo. A repetição da comparação e do juízo originou a reflexão. Pouco tempo depois a recordação de momentos agradáveis proporcionados pelo odor do jasmim ou da rosa, levou à imaginação. Foram assim criadas as faculdades do entendimento, às quais seguiram-se as faculdades da vontade (atração, aversão, esperança e medo).

A consciência proporcionada por estes estados deu à estátua a noção abstrata do número. As impressões registadas na sua memória (foi cheiro de jasmim, mais tarde foi cravo e rosa) deram-lhe a noção do eu. Depois a estátua adquiriu os restantes sentidos e com eles a noção do espaço e do seu corpo. A estátua é, agora, um homem.

A esta alegoria da "estátua sensível" de Condillac, seguiu-se uma outra, no século XIX: o "animal hipotético". Este tem na pele um ponto sensível e móvel, na extremidade de uma antena. A capacidade de retrair e/ou projectar a sua antena sensível é o suficiente para que o animal descubra o mundo exterior e distinga um objecto estacionário de um em movimento.

II - 
Estas duas alegorias ilustram muitas das problemáticas relacionadas com dois dos mais emblemáticos e significativos progressos realizados nas áreas da microeletrónica, dos sensores e da inteligência artificial.

A sua difusão na indústria aumenta vertiginosamente tanto nas tarefas produtivas directas (por exemplo, o robot de pintura nas linhas de pintura de carroçarias na industria automóvel), como nas tarefas de movimentação e armazenagem de materiais (por exemplo, os veículos "inteligentes" que efectuam a leitura das características de vasta gama de produtos, encaminhá-los para os seus locais específicos nos armazéns, deslocando-os, acondicionando-os, expedindo-os, etc., sem qualquer intervenção humana, física e/ou mental.

É evidente que a introdução dos sistemas avançados automáticos (robots e autómatos) provoca consequências diversas nas estruturas organizacionais produtivas, no seu funcionamento e alterações nas componentes do capital. Aumento de produtividade, melhor qualidade de execução e funcionamento ininterrupto das linhas produtivas são a "front line" das vantagens adquiridas pela sua implementação. Mas as vantagens não terminam por aqui: ausência de quebra de rentabilidade, optimização da oferta e da resposta à procura, máxima ocupação dos equipamentos com um mínimo de gastos em stockagens intermédias, diminuição do factor humano, aumento de eficácia do controlo e dos centros de decisão (a informação circula mais rapidamente e os fluxos informativos transportam mais informação de qualidade, essencial para atempadas tomadas de decisão), maior descentralização com maior integração.

De facto estes sistemas resultam numa maior integração  entre a transformação das matérias-primas e a sua movimentação ao longo do processo de fabricação (algo muito similar ao que acontece nas industrias químicas de processo - petroquímica, gás, polímeros, etc. - onde a transformação e movimentação são um único e mesmo processo). Verifica-se que com os processos avançados de robotização e de automação deixaram de existir momentos sucessivos de maquinação, manipulação ou montagens, alternando com momentos de repouso em stockagens intermédias ou durante transportes improdutivos. A continuidade das transformações aumentou assim como a simultaneidade de processos, sem pausas.

III - Se o impacto da automação avançada nas organizações industriais obrigou a profundas alterações organizacionais e nas componentes do capital (esta questão será analisada posteriormente), o mesmo passou-se ao nível da força de trabalho e da sua organização no processo produtivo.

Os maiores impactos observaram-se nos seguintes factores: a) Afastamento físico dos trabalhadores em relação ao objecto de trabalho e ao produto final, devido à crescente importância da mediação técnica; b) Aumento dos postos de trabalho tipo "vigilância e controlo" e aumento da preponderância do operador, cujas intervenções são baseadas em informações "real-time" e sinais audiovisuais codificados; c) A qualificação do trabalhador é associada ao posto de trabalho, pesando na avaliação factores como a noção de responsabilidade, a capacidade de decisão e qualidades como a atenção, tempo de reacção, autocontrolo, resistência ao stress e capacidade de adaptação aos diferentes ritmos de produção (períodos de inação seguidos de períodos de grande intensidade de trabalho), conhecimento da tarefa, das fases do processo, do equipamento a utilizar e relação com o mesmo; d) O reconhecimento das capacidades profissionais do trabalhador fica limitado à empresa e ao equipamento. Em caso de alteração do equipamento, da máquina ou do processo, ou em caso de mudança de emprego, essas capacidades são uma menos-valia; e) Menor dispêndio de energia física e melhores condições ambientais no local de trabalho; f) Tensões diversas geradas pelo espaço de trabalho asséptico (isolamento, climatização artificial, etc.); g) Tensões diversas originadas pelos novos horários e regimes de trabalho; h) Novas formas de sociabilidade, privilegiando as redes de postos isolados ("ilhas") intercomunicáveis e equipas restritas com elevados níveis de polivalência; i) Outsourcing; j) formação geral avançada dos operadores para permitir processos de aprendizagem do funcionamento dos equipamentos, em função das necessidades da empresa. Reciclagens; k) A formação técnica e a experiencia são factores de menos-valia, ao nível dos operadores e técnicos médios; l) Diminuição dos operários indiferenciados e semiqualificados. Maior estabilidade dos operários qualificados e aumento da procura de operários e técnicos altamente qualificados, engenheiros, gestores e especialistas das organizações. O número de administrativos é aparentemente estável (o que demonstra que a organização ainda está num estágio relativamente atrasado e enfrenta contradições entre o processo tecnológico e organizativo, que a longo-prazo revelam-se fatais); m) Novas clivagens entre as estruturas de operação, concepção, preparação e controlo dos sistemas e as estruturas de manutenção e conservação do equipamento produtivo.

Referidos que foram alguns dos principais impactos dos sistemas avançados de automação na produção industrial, no próximo texto será abordada a informatização (tratamento automatizado da informação) e as implicações da sua aplicação na produção de bens e serviços, assim como no comércio.

Literatura a consultar (e usufruir)

Borges, J. L. O Livro dos seres Imaginários Ed. Teorema, Lisboa, 2005
Coriat, B. La Robotique Ed. Découverte, Paris, 1989
von Bertalanffy, L. Teoria Geral dos Sistemas Ed. Vozes, Petrópolis, 1973
Bright, J. R. Automation and Management Harvard University Press, 1958
Leontief, W. and Ducain, F. The future impact of automation on workers Oxford University Press, 1986
Pollock, F. The economic and social consequences of Automation Ed. Basil Blackwell, Oxford, 1957
Du Tertre, C. et Santelli, G. Automatisation et travail PUF, Paris, 1992

1 comentário:

Angolalove disse...

Moi interesante este post!

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