Expresso
das Ilhas (cv), editorial
A
pena máxima em Cabo Verde
vai aumentar de 25 para 30 anos de prisão. O governo já tem a autorização da
Assembleia Nacional para fazer a revisão do Código Penal. A proposta de
autorização legislativa foi aprovada pela unanimidade dos deputados presentes
na sequência de uma discussão a que foi alocado um tempo que não ultrapassou as
2 horas. A principal alteração feita ao pedido de autorização legislativa foi
baixar a pena máxima proposta de 35 para 30 anos.
Com
essa decisão Cabo Verde rompeu com uma tradição quanto ao regime de penas que
vem do século XIX e do tempo colonial. Em 1884, Portugal foi o primeiro país do
mundo a acabar com a prisão perpétua e a adoptar a pena máxima de 25 anos. A
Constituição de 1992 consagrou esse ganho civilizacional e proibiu
explicitamente a prisão perpétua (artigo 33º). O Código Penal aprovado em 2003
confirmou a pena máxima em 25 anos de prisão. Uma alteração desse regime 12
anos depois deveria merecer justificação fundamentada e discussão aprofundada.
Parece que não se conseguiu fazer nem uma, nem outra.
Apesar
de na nota justificativa que acompanhou a proposta se reconhecer que “não é a
severidade das penas que afasta as pessoas dos ínvios caminhos da criminalidade
mas sim a certeza da condenação” aumenta-se, mesmo assim, a pena mais 10
anos. Pergunta-se porquê? A resposta na nota referida é que “isso vai ao
encontro das preocupações das pessoas”. Ou seja, em vez de focalizar os
esforços em investigar e conseguir a condenação dos criminosos, fica-se pelo mais
fácil mas menos eficaz e também custoso expediente de aumentar a pena. Posto de
outra forma: muda-se um regime de penas centenário simplesmente por razões de
política que alguns classificariam de populismo punitivo?
Há
algum tempo que se vinha discutindo uma revisão do Código Penal mas ninguém
pensava em mexer na pena máxima. O assunto só veio à tona em Janeiro deste ano,
na sequência do atentado ao filho do Primeiro-ministro e meses após a tentativa
de assassinato da mãe de uma inspectora da PJ. Foi a resposta mediática
encontrada para o sentimento generalizado de insegurança da população. Todos
desataram a discutir a questão e provavelmente outras discussões mais
pertinentes para a prevenção e combate à criminalidade e às incivilidades
múltiplas no país ficaram secundarizadas no processo.
Nos
meses que se seguiram, a proposta de aumento da pena máxima não conseguiu
muitos apoiantes fora do círculo governamental. O Presidente da República
pronunciou-se contra em várias ocasiões. Numa das suas intervenções disse que «Os
estudos indicam que não é com base na severidade das penas que se resolve o
problema, mas sim com a criação da capacidade de investigação para descobrir os
suspeitos, julgá-los em tempo adequado e aplicar uma pena justa. É assim que a
sociedade funciona com tranquilidade».
Recentemente,
em sede da Comissão Especializada dos Assuntos Jurídicos e Constitucionais,
foram ouvidas várias entidades ligadas à Justiça sobre a matéria. O Provedor da
Justiça e a Bastonária da Ordem dos Advogados declaram-se contra a proposta de
revisão da pena máxima. O próprio Procurador-Geral da República a quem cabe
dirigir a execução da política criminal diz que só aumentar a pena não
chega e que a resposta à “percepção de que as pessoas saem demasiado
depressa das prisões” poderá passar pelo cumprimento efectivo das penas.
É
tentador aumentar penas para passar uma mensagem de combate firme contra a
criminalidade. Na realidade não passa de um efeito mediático dirigido para
aumentar a sensação de segurança dos cidadãos. Para muitos especialistas do
Direito Penal o aumento não tem nenhuma eficácia nem nenhuma utilidade porque
não servirá para reduzir o número de delitos. Países como os Estados Unidos
foram por essa via punitiva: não conseguiram diminuir o crime mas criaram um
problema terrível com o aumento da população prisional e da violência nas
prisões. Estudos recentes citados neste jornal (nº 710) mostram que depois de
uma certa idade a capacidade de violência diminui consideravelmente. Manter as
pessoas presas por mais de vinte ou vinte e cinco anos anos não traz qualquer
ganho para a pessoa, para o sistema prisional ou para a sociedade. A eficácia
do sistema de justiça fica diminuído porque só consegue punir mas não
proporciona a reeducação nem incarna a possibilidade de reinserção social.
É
evidente que as duas horas no Parlamento foram insuficientes para se debater
adequadamente a revisão do Código Penal tendo em conta as suas implicações e a
necessidade que todos vêem em se ter leis funcionais que resolvam os problemas
com que a sociedade se depara. Aprovar nessas condições é quase como passar um
cheque em branco ao governo. Considerando as reservas manifestadas por várias
entidades da área da justiça e alguma preocupação vinda da sociedade civil
seria provavelmente proveitoso que o Parlamento chamasse a si a ratificação do
decreto legislativo que o governo vai aprovar ao abrigo do artigo 183 da
Constituição. Uma oportunidade para se aplicar um dos poderes do Parlamento na
fiscalização do governo adquiridos na última revisão constitucional de 2010. A
revisão do Código Penal pela sua importância devia voltar outra vez ao
Parlamento. Fundamental manter o elevado nível grau de consenso na sua
alteração de que beneficiou o primeiro Código Penal.
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