Carvalho
da Silva – Jornal de Notícias, opinião
O
que moveu o presidente da República (PR) para condecorar Teixeira dos Santos a
10 de junho deste ano? Não foi certamente a apreciação feita à sua carreira
profissional ou ao desempenho como ministro das Finanças até maio de 2011,
pois, se assim fosse, já o teria condecorado em ano anterior. Teixeira dos
Santos só pode ter sido condecorado pelo "mérito" de ter chamado a
troika sem praticamente ter dado cavaco a ninguém no Governo a que pertencia,
segundo rezam as crónicas. Aquela distinção tem assim, objetivamente, o mesmo
significado que condecorar a troika. Teixeira dos Santos recebeu uma
condecoração em nome do Estado, mas numa conceção de Estado não soberano e numa
vingançazinha contra o povo português.
O
PR achou apropriado prestar vassalagem ao ocupante - agradecer-lhe -, mesmo
depois de este, pelo menos formalmente, ter feito recuar o exército de
ocupação, passando a fazer periódicas incursões de observação. Cavaco Silva com
o seu ato vinca, perante o povo português, quem manda. E, em nosso nome,
"disse" que o PR de Portugal é submisso e agradecido ao poder dos
"mercados".
Os
portugueses não mereciam ter tido em 2011 um ministro das Finanças a quem
apenas ocorreu que "não havia dinheiro para pagar salários e pensões"
e que foi incapaz de, sequer, conceber que o dinheiro que não havia poderia ser
o dinheiro destinado a pagar juros e amortizações aos bancos alemães e
franceses por uma dívida tornada insustentável. A opção portuguesa ajudou a
desresponsabilizar esses bancos pelos graves problemas que haviam criado em
quase toda a zona euro e facilitou as políticas dicotómicas contra os
"malandros" do Sul.
Os
portugueses não merecem um presidente que, para além de já ter protegido e
condecorado as mais relevantes figuras de gestores que afundaram empresas,
bancos e interesses do Estado em negociatas vergonhosas, premeia agora o ato
que tanto nos fez e faz sofrer. As receitas da troika assentaram em mentiras e
humilhações, significaram um recuo, no plano social e económico, de mais de uma
década e impuseram a emigração de grande parte de uma jovem geração, sem a qual
não será possível concretizar um novo impulso de modernização e desenvolvimento
do país.
Cavaco
Silva merece o título de político português mais dissimulado e ronha que o
nosso regime democrático gerou. Ele é incapaz de conviver de mente aberta e
consciência tranquila com a pluralidade de projetos políticos que se expressam
na sociedade e, por isso, a sua nata inabilidade para interpretar e representar
todos os portugueses e o seu sistemático recurso a atos mesquinhos com cheiro a
vingança.
Já
meio mundo reconheceu o caráter partidário do discurso do PR proferido no
passado dia 10, mas o que mais nos deve preocupar - à generalidade dos cidadãos
- é a ausência de uma análise sobre os problemas concretos das pessoas, o
distanciamento do social enquanto dimensão estruturante das nossas vidas, o seu
determinismo em secundarizar as escolhas programáticas que os eleitores
quererão fazer nas próximas eleições legislativas e o distanciamento das implicações
da nossa condição de membros da União Europeia (UE), exatamente no tempo em que
se torna cada vez mais claro que as "soluções" em fabrico para a
Grécia contagiarão toda a UE e de forma muito mais direta e intensa, a situação
de Portugal.
A
questão da insustentabilidade da dívida pode tornar-se grande problema bem mais
cedo do que o previsto, as políticas económicas não podem situar-se meramente
nos tópicos que Cavaco Silva enunciou neste período de debate eleitoral em que
estamos, há que mobilizar todos os portugueses e portuguesas na busca de
políticas que combatam o desemprego e criem emprego, que garantam uma muito
mais justa distribuição de riqueza, que nos assegurem saúde, proteção e
segurança social, ensino e justiça.
Em
vez da obstinação em condecorar a troika e de querer antecipar um programa de
governo, o PR devia ter elencado, com verdade, os nossos problemas e desafios e
mobilizado os portugueses para os debater e assumir.
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