Em
entrevista à DW África, o ex-Presidente são-tomense assume que houve erros
desastrosos após a independência - cometidos por inexperiência governativa e
devido à fragilidade da estrutura económica.
Miguel
Trovoada, 78 anos, foi o segundo Presidente da República de São Tomé e Príncipe
(1991-2001), depois de Manuel Pinto da Costa.
O
fundador da Ação Democrática Independente (ADI) inaugurou em 1991 o regime
multipartidário, pondo fim aos primeiros 15 anos de partido único. Antes,
Trovoada, um dos históricos do MLSTP (Movimento de Libertação de São Tomé e
Príncipe), foi um dos nacionalistas que se envolveram, a partir do exterior, na
luta que conduziu à proclamação da República Democrática de São Tomé e
Príncipe, a 12 de julho de 1975.
O
ex-chefe de Estado faz parte da lista dos antigos associados da Casa dos
Estudantes do Império, recentemente homenageados em Lisboa. Mas , segundo
Trovoada, a Casa não teve, de uma forma direta, um papel decisivo no processo
para a independência do arquipélago. Ela contribuiu sim para a formação da
consciência política de muitos dirigentes africanos.
DW
África: Qual foi a importância da Casa dos Estudantes do Império na luta pela
independência?
Miguel
Trovoada (MT): A Casa dos Estudantes do Império teve um papel importante
na formação e consciencialização política de muitos estudantes africanos que a
frequentaram ao longo dos anos e que, depois, vieram a desempenhar um papel no
quadro da luta pela independência dos seus países.
DW
África: Qual era a ligação entre o MLSTP e outros movimentos nacionalistas
africanos?
MT: Nós
criámos em 1961 a CONCP [Conferência das Organizações Nacionalistas das
Colónias Portuguesas]. Já mostra que havia esta ligação. Eu próprio estive um
ano em Conacri, quando saí de Lisboa, e vivia com Mário Pinto de Andrade,
Amílcar Cabral, Aristides Pereira, que eram também dirigentes dos outros
partidos em luta pela independência nacional. Portanto, a ligação era estreita.
Mais tarde, quando ascendemos à independência, o MLSTP, o MPLA [Movimento
Popular de Libertação de Angola], a FRELIMO [Frente de Libertação de
Moçambique], todos, mantiveram este espírito de unidade, colaboração e
fraternidade.
DW
África: Por que razão não houve luta armada de libertação em São Tomé e Príncipe?
MT: Um
país isolado, a algumas centenas [de quilómetros] da costa africana, teria
muita dificuldade em desenvolver uma luta armada. O espaço geográfico e
territorial era muito pequeno e muito dificilmente podia sustentar uma
guerrilha sem que se criassem problemas logísticos ou de segurança. O mesmo
fenómeno deu-se em
Cabo Verde. Foram circunstâncias ditadas pela própria
geografia, mais do que pela História.
DW
África: Quais os países que mais apoiaram a causa da independência de São Tomé
e Príncipe?
MT: A
Guiné-Conacri, incontestavelmente. Deu emprego a todos nós para que pudéssemos
ter uma base de sustentação. Mas também Marrocos e a Argélia, que vinha de uma
luta revolucionária e entendia muito mais a necessidade de reforçar o processo
de libertação através de um apoio maciço aos movimentos independentistas,
inclusive militar. Toda a África, uns mais, outros menos, contribuiu para a
nossa libertação, o que não excluiu a continuação de ações bilaterais dos
países em prol da nossa luta de libertação nacional.
DW
África: Depois, como é que se explica o rápido declínio sociopolítico do país
nos primeiros anos após a independência?
MT: Não,
sabe, não foi um caso único. Foi um fenómeno que atingiu todos os nossos
países. Os dirigentes da luta de libertação não tinham experiência de
governação. Reproduzimos modelos na estruturação do Estado um pouco importados
e influenciados por aqueles que considerávamos os nossos aliados naturais, no
Leste, e que não estavam adaptados à situação nos nossos países. Não nos
esqueçamos também que os países ocidentais, na altura da Guerra Fria, ao ver
que tínhamos uma ligação muito grande com os países do Leste, não fizeram nada
para nos ajudar, claro. Pelo contrário. Quando eles nos pudessem complicar a
vida, não se privavam de o fazer. Sabíamos perfeitamente que a independência
não era a meta final, era uma etapa. Mas os mecanismos do desenvolvimento foram
mais difíceis. A estrutura económica baseada na agricultura tinha como
organização as roças que foram nacionalizadas, logo de início, com aquele élan nacionalista,
patriótico, e uns laivos de ideologia marxista. Tudo isso levou-nos a fazer
opções que, ideologicamente, tinham algum sentido, mas, na prática, se
revelaram desastrosas.
Miguel
Trovoada diz que esta fase marcou uma etapa, com erros que certamente não serão
repetidos. O antigo chefe de Estado afirma que hoje há que gerir o país com
outros olhos, utilizando todos os recursos fundamentais para o desenvolvimento
nacional. Trovoada sublinha que o poder deve ser um instrumento de realização
das aspirações do povo são-tomense e não para a satisfação de pequenos
interesses pessoais ou de grupos.
João
Carlos (Lisboa) – Deutsche Welle
Sem comentários:
Enviar um comentário