Alberto
Castro* - Afropress, opinião
Todo
o aniversário clama por uma celebração, pequena e íntima que seja. No caso
da Afropress existem todos os motivos para celebrar em grande e eles
se resumem ao simples fato de há dez anos a esta parte a agência aparecer e se
manter no ar de forma permanente e estóica na luta por fazer da sociedade
brasileira um espaço livre dessa autêntica bomba nuclear chamada racismo que tantas
vítimas já causou e continua a causar à humanidade.
É
um decênio de participação na linha da frente de uma luta destemida e sem
tréguas de Davi contra Golias pela igualdade racial, justiça e inclusão social,
política e econômica no Brasil. Um decênio de derrota para os racistas e
fascistas que volta e meia a tentaram silenciar e que certamente espreitam uma
oportunidade de voltar à carga, com todos os seus fluxos biliares de ódio
racial.
Coincide o decênio da criação da Afropress com a o da proclamação da Década Internacional dos Afrodescendentes (2015-2024), instituída pela resolução 68/237 da Assembleia Geral da ONU no dia 23 de dezembro último. Aumenta assim a responsabilidade da agência e a de todos os que a fazemos na árdua e muitas vezes incompreendida tarefa de conscientização das sociedades em que estamos inseridos, dos respectivos governos, quanto à necessidade cimeira de luta sem concessões ao preconceito étnico-racial e ao racismo, à xenofobia e à demais formas de intolerância, principalmente nesta era de insanos extremismos.
Coincide o decênio da criação da Afropress com a o da proclamação da Década Internacional dos Afrodescendentes (2015-2024), instituída pela resolução 68/237 da Assembleia Geral da ONU no dia 23 de dezembro último. Aumenta assim a responsabilidade da agência e a de todos os que a fazemos na árdua e muitas vezes incompreendida tarefa de conscientização das sociedades em que estamos inseridos, dos respectivos governos, quanto à necessidade cimeira de luta sem concessões ao preconceito étnico-racial e ao racismo, à xenofobia e à demais formas de intolerância, principalmente nesta era de insanos extremismos.
No
restrito âmbito da luta contra o racismo, poucos são os países que mostram
inequívocos comprometimentos e avanços embora todos ou quase todos se
vangloriem de suas legislações avançadas neste domínio. Segundo a ONU, em todas
as Américas são cerca de 200 milhões as pessoas que se identificam como
afrodescendentes cujos antepassados de forma forçada e trágica fizeram
desenvolver as nações do norte envolvidas no processo contribuindo para a
acumulação primitiva de capital das suas elites enquanto eles e seus
descendentes se viam totalmente privados, destituídos de igual possibilidade.
A
par dos distintos traços de africanidade herdada, une a esmagadora maioria
afrodescendente o retrato da pobreza, da discriminação sociorracial e da
consequente marginalização. Une-os também a vontade e a determinação em honrar
a memória dos ancestrais, reescrever a narrativa histórica contada sobre eles
apenas na perspectiva de seus algozes de um lado e do outro do Atlântico,
resgatar e manter vivas as suas manifestações socioculturais que tanto
influenciaram o mundo, as Américas em particular, permitindo que resistissem.
Urge
por isso retomar o tão combatido debate reivindicativo sobre a reparação para
que a justiça seja feita aos que, cativos, foram destituídos de toda as
hipóteses de acumulação de riqueza para legar aos seus descendentes.
A
história não é um documento morto de importância como muitos, por conveniência
política ou ideológica, às vezes a tentam pintar, apagar ou reduzir. São tão
válidas as suas páginas mais belas que enaltecem os nossos feitos e que, por
isso, mantemos sempre abertas, como as suas páginas mais cruéis. Estas não
devem ser simplesmente fechadas e esquecidas para, de uma forma confortável e
cobarde, fugirmos para a frente pensando que assim nos libertarmos dela.
Acontecimentos recentes e bem presentes um pouco por todo o mundo demonstram que cedo ou tarde ela retorna e pode ser terrivelmente punidora quando não aprendemos as suas lições. Basta ver o insulto para toda a humanidade que são as tragédias quase cotidianas no mar Mediterrâneo enquanto políticos europeus egoístas, para dizer o mínimo, alguns com frescas responsabilidades históricas e morais, esgrimem entre si argumentos sobre quem acolhe quem e quem não acolhe ninguém.
Acontecimentos recentes e bem presentes um pouco por todo o mundo demonstram que cedo ou tarde ela retorna e pode ser terrivelmente punidora quando não aprendemos as suas lições. Basta ver o insulto para toda a humanidade que são as tragédias quase cotidianas no mar Mediterrâneo enquanto políticos europeus egoístas, para dizer o mínimo, alguns com frescas responsabilidades históricas e morais, esgrimem entre si argumentos sobre quem acolhe quem e quem não acolhe ninguém.
A
riqueza e o conforto que hoje desfrutam anestesiou-os, não os permite acordar e
olhar criticamente as páginas da suas própria história. Vale que ela,
implacável, acaba um dia por fazê-los acordar para a leitura de suas páginas
descartadas. E isso normalmente acontece à duras penas.
Voltando
ao decênio da Afropress, durante o mesmo o mundo viu os EUA elegerem por
duas vezes Barack Obama, sem dúvida um tremendo avanço num país de doloroso
caminho na luta pela igualdade racial. Mas os que se apressaram a enaltecer
apenas as grandes virtudes da América anunciando apressadamente o feito como
sendo a inauguração da sua era pós-racial desiludiram-se. Testemunharam
recentes acontecimentos com raízes em ódio racial em que o massacre numa igreja
de Charleston foi a tragédia maior. Como o próprio Obama reconheceu, os EUA têm
um problema com o racismo que não encontra paralelo em sociedades igualmente
desenvolvidas. Um problema que mostra a necessidade de um novo e revigorado
movimento pelos direitos civis dos negros.
Foi
um decênio em que o mundo viu o jovem britânico Lewis Hamilton quebrar as
barreiras raciais num desporto até então apenas branco e sagrar-se bicampeão
mundial de Fórmula 1. Viu o igualmente britânico Steve McQueen fazer
história com o filme ''12 Anos de Escravidão'', tornando-se no primeiro diretor
negro a ganhar o Oscar desde que a maior premiação do cinema mundial
foi instituída em 1929.
Mas, a mesma Inglaterra marcadamente multicultural que produziu Hamilton e McQueen ainda não erradicou atitudes doentias de gente como alguns adeptos do Chelsea que impediram um homem de entrar no metrô de Paris, por ser negro. A mesma Inglaterra generosa de abolicionistas e humanistas como William Wilberforce e Olaudah Equiano, tem hoje um primeiro ministro que se recusa a receber refugiados de suas outrora espoliadas colônias.
Mas, a mesma Inglaterra marcadamente multicultural que produziu Hamilton e McQueen ainda não erradicou atitudes doentias de gente como alguns adeptos do Chelsea que impediram um homem de entrar no metrô de Paris, por ser negro. A mesma Inglaterra generosa de abolicionistas e humanistas como William Wilberforce e Olaudah Equiano, tem hoje um primeiro ministro que se recusa a receber refugiados de suas outrora espoliadas colônias.
O
decênio viu também belezas negras como a angolana Leila Lopes (2011), a
queniano-mexicana Lupita Nyongo'o (2012) e a japonesa Ariana Miyamoto (2015)
quebrarem barreiras estéticas num universo fértil em preconceitos raciais ao
serem eleitas, respectivamente, Miss Universo, mulher mais bonita do mundo e
Miss Japão, pese embora todos os simbolismos, negociatas e marketing existentes
em torno desse tipo de controversos eventos.
A própria
África sub-subsahariana, ainda a braços com a cura de profundas feridas do
recente colonialismo, viu a Zâmbia ter um vice-presidente branco, Guy Scott
(2011-2014), que se tornou presidente interino (2014-2015) por falecimento do
titular Michael Sata. E ele não foi o primeiro africano branco a liderar um
país democrático na era pós-colonial do continente. Esta distinção vai para
Paul Bérenger, primeiro-ministro das Maurícias entre 2003 e 2005,
atualmente líder da oposição. Certamente nem um e nem o outro serão os
primeiros e últimos africanos brancos a assumir o topo do destino dos seus
países.
No
Brasil, o decênio da Afropress viu Joaquim Barbosa no comando da mais
alta Corte do país. Mas testemunhou também no governo Dilma o desaparecimento
de faces negras, ao contrário do que prometia o governo Lula que deu
visibilidade a quatro ministros negros: Benedita da Silva, Gilberto Gil,
Orlando Silva e Matilde Ribeiro.
Resta
agora Nilma Gomes que substituiu Luiza Bairros como titular da SEPPIR, uma
Secretaria de segundo escalão com categoria ministério, uma espécie de reserva
ministerial para negros. Algo vai muito mal num país de maioria negra que
produziu Barbosa mas não encontra negros à altura para ministérios de primeiro
escalão.
Enquanto
isso, países europeus como a França e a Grã-Bretanha cuja população negra ronda
mais ou menos 3%, respectivamente, vêm integrando mais representantes de
minorias étnicas que o Brasil em seus elencos governativos, incluindo o
primeiro escalão. A título de exemplo, Christiane Taubira, ministra da justiça
é simplesmente a terceira figura mais importante na hierarquia do governo
francês.
Foram
aqui apontados apenas alguns exemplos que mostram que foi possível driblar o
racismo e progredir um pouco por todo o mundo, outros que mostram o contrário e
outros que se apresentam muito preocupantes. A estes acrescento, no
caso brasileiro, a intolerância para com religiões de matriz africanas e o
número cada vez mais preocupante de jovens negros que, tal como nos EUA, têm
suas vidas ceifadas de forma prematura e brutal por forças de segurança que
refletem um racismo estrutural e institucional profundamente enraizado nas
respectivas sociedades e mais ou menos presente um pouco por todo o mundo.
À Afropress,
sua equipe de jornalistas e colaboradores nas mais diversas áreas, e ao Dojival
Vieira em particular, seu mentor e editor, uma palavra de reconhecimento,
agradecimento e incentivo à continuação da luta desigual e sem tréguas contra o
racismo, essa bomba nuclear de múltiplas consequências que faz perigar o futuro
da humanidade no seu progresso e na sua sã convivência.
Estamos
juntos e misturados para mais uma década de batalhas incessantes.
*Alberto
Castro (na foto) é correspondente de Afropress em Londres e colabora em Página Global
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