Bárbara
Ferreira – Carta Capital
A
intransigência da Prefeitura e de uma construtora podem causar uma
mega-desocupação e a destruição de centenas de casas; área é 7 vezes maior que
o Pinheirinho
Em
meio a um enredo que envolve Prefeitura, governo do estado, governo federal e
iniciativa privada, Belo Horizonte hoje é palco de um dos maiores conflitos
territoriais urbanos do Brasil: cerca de 30 mil pessoas podem ser despejadas e
ter suas casas destruídas. A reintegração de posse, pedida pela Prefeitura e
autorizada pela Justiça Mineira, está suspensa por decisão liminar do Superior
Tribunal de Justiça (STJ) expedida no dia 29 de junho (segunda-feira). A
decisão judicial não é definitiva. Se a liminar for derrubada no STJ, a
desocupação pode ocorrer a qualquer momento.
Batizada
de Izidora, a ocupação mineira é formada por 3 vilas interligadas (Esperança,
Rosa Leão e Vitória) e tem cerca de 20 mil pessoas a mais que a paulista, quase
todas morando em casas de alvenaria.
A
enorme área da Mata do Izidoro, na região norte da capital mineira, é sete
vezes maior do que o terreno onde ficava Pinheirinho, a ocupação em São José dos Campos,
interior de São Paulo, desocupada em 2012 em uma ação violenta da Polícia
Militar. O Pinheirinho tem 1,3 milhão de metros quadrados e Izidoro, 9,5
milhões. Na ocupação mineira há ainda cerca de 20 mil moradores a mais.
O
prefeito Márcio Lacerda, do PSB, pretende construir na área 13 mil apartamentos
populares com verba do Programa Minha Casa Minha Vida –a maioria tem dois
quartos e 43 m². As obras ficariam a cargo da Direcional Engenharia e a família
Werneck, antiga proprietária do terreno, receberia dividendos da construtora.
No
caminho do empreendimento imobiliário encontra-se, porém, gente como a
assistente de pedreiro Silvana Vitória da Silva. Sem emprego fixo, ela ganha
aproximadamente um salário mínimo por mês e viu na ocupação uma saída para
fugir do aluguel. “A gente conhece todo mundo. Criei uma nova família e não
quero deixá-la.”
Depois
de quase um ano de negociações tensas e ao cabo malsucedidas entre a
prefeitura, os moradores e a construtora, com intermediação do governo
estadual, o pedido de reintegração de posse chegou às mãos da Polícia Militar
no dia 18. Na iminência de verem suas casas destruídas, os moradores recorreram
ao governador Fernando Pimentel.
Tentam
estimular a gestão petista a repetir um gesto de Itamar Franco, que durante seu
governo, entre 1999 e 2002, impediu a PM de realizar despejos de populações
pobres. Parece pouco provável. “Aceitar a proposta do movimento, que é manter e
urbanizar a ocupação, não depende do governo do estado. Para ocorrer alguma
mudança, a prefeitura e o empreendedor têm de ceder”, afirma Claudius Vinicius
Leite Pereira, presidente da companhia estadual de habitação e um dos
mediadores na negociação.
Segundo
um dos coordenadores do Movimento Resiste Izidoro, Leonardo Péricles, a
prefeitura é a responsável pela situação e nunca se mostrou disposta a
negociar. “Eles fazem campanha contra as ocupações, criminalizam o movimento.”
Por
meio da assessoria de imprensa, a prefeitura informa ter encerrado as
negociações e não pretende retirar o pedido de reintegração de posse. Para Lacerda,
as ocupações Rosa Leão, Esperança e Vitória são coordenadas por grupos
políticos radicais que defendem uma moradia conquistada “na marra”. “Eles estão
orientados por pessoas equivocadas, de profissões religiosas, de gente da
universidade e eu acho que o governo do estado está no caminho certo ao cumprir
a reintegração de posse.”
Por
enquanto, a única proposta concreta na mesa é realocar as famílias nos prédios
a serem construídos na região. A ideia seria remanejar os moradores da Ocupação
Vitória para a área onde está instalada a Esperança, o que permitiria executar
a primeira etapa das obras. Durante o período entre a desocupação e a
construção do empreendimento, os moradores construiriam moradias temporárias
subsidiadas pelo governo estadual.
As
famílias se opõem. A comunidade, afirma Péricles, está consolidada e aceitar um
apartamento do programa seria um retrocesso. “O Estatuto das Cidades prevê a
realocação para locais com estrutura igual ou superior às instaladas
anteriormente, e não é isso o que vai acontecer. Além disso, alguns moradores
não se encaixam no perfil do programa. É o caso de quem mora sozinho. Queremos
contemplar a todos.”
Em
nota, a Direcional Engenharia afirmou que a estrutura para onde as famílias
seriam levadas é infinitamente superior àquela das atuais ocupações. “Teremos
lá toda a infraestrutura necessária, como abastecimento de água e esgoto,
implantação de sistema de drenagem, de energização e iluminação pública e
privativa, além dos equipamentos comunitários, como escolas, postos de saúde e
áreas de lazer.”
Professor
da Universidade Federal de Minas Gerais, o urbanista Roberto Andrés critica a
remoção. “São 8 mil famílias que em sua maioria não têm para onde ir e vão
lutar para permanecer no local. É uma verdadeira tragédia social, que o
prefeito parece ignorar, com conivência do governo estadual e da Justiça.”
As
famílias prepararam-se para o conflito. Os moradores estabeleceram um esquema
de vigília de 24 horas, para evitar serem pegos de surpresa pela polícia.
Organizações sociais e líderes do movimento montaram acampamento no local e
organizam a arrecadação de mantimentos e roupas.
As
ameaças de despejo não são recentes. No ano passado, a PM chegou a montar uma
operação. Um helicóptero despejou folhetos na ocupação com instruções para a
saída dos moradores. A ação acabou suspensa, talvez por se tratar de período
eleitoral. Uma tragédia, com mortos e feridos, afetaria as pretensões dos
tucanos Antonio Anastasia, então governador, e Aécio Neves, presidenciável. O
cenário agora é outro.
(colaborou
Victor Diniz)
Na
foto: A zona da mata do Izidoro, na zona norte de BH, abriga as três ocupações
que, juntas, ganharam o nome de Izidora
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