Expresso
das Ilhas (cv), editorial
Depois
de muita pressão do público na comunicação social, das intervenções de
deputados pela emigração de todos os partidos políticos e de uma viva discussão
na Assembleia Nacional, finalmente o governo resolveu reagir à problemática
criada pela decisão da TACV em impor as novas e caras tarifas inter-ilhas e nas
rotas para o exterior. Vários dias de protesto do público, de sinais claros do
braço de ferro entre a TACV e autoridade reguladora, a AAC, e da realidade de
imposição das novas tarifas não tinham conseguido tirar o governo da sua
inércia. Ninguém conseguia que se movesse e se colocasse claramente a favor da
legalidade na relação entre a entidade reguladora e a empresa regulada e se
mostrasse disponível, e pronto, para dar orientação estratégica para uma
empresa pública, a única que existe no sector dos transportes aéreos e por
conseguinte o principal instrumento das políticas do governo nesse sector chave
da economia nacional. Pelo contrário assistia-se a um espectáculo em que às
vezes o governo parecia querer desviar as culpas para os outros, outras vezes
mostrava-se renitente ou impotente para intervir na empresa tutelada e ainda em
certos momentos até fingia que tudo isso não lhe dizia directamente respeito e
que o eventual conflito entre as partes deveria ser dirimido nos tribunais.
Infelizmente
o que aconteceu na semana passada no sector dos transportes aéreos não é um
caso raro. Situações similares vêm acontecendo com preocupante frequência em
vários outros sectores da vida nacional. Recentemente o naufrágio do navio
Vicente pôs a nu o descomando que afligia o sector marítimo. Durante anos era
evidente que o sistema existente de ligação marítima entre as ilhas padecia de
vários males. Sem regulação adequada os operadores sentiam-se livres para escolherem
as suas rotas, para determinarem a frequência das viagens e cobrar preços
exorbitantes na movimentação de cargas entre as ilhas. Com a preocupação de
poupar tendiam a comprar barcos velhos, alguns não se mostravam muito rigorosos
na manutenção e até havia quem, na procura de lucro fácil, forçasse a
tripulação a fechar os olhos a exigências de segurança. Naufrágios consecutivos
de navios como Mosteru, Barlavento, Pentalina e Roterdão deviam ter constituído
um alerta para as autoridades. O mesmo alerta deveria ter sido o estado em que
se encontravam navios como o Praia D’Aguada e o 13 de Janeiro quando deram
entrada na CABNAVE para reparações.
Só
nos últimos meses é que se nota a azáfama do governo em adoptar estratégias
para os transportes marítimos com a definição de rotas e aventando a
possibilidade de concessões e subsídios para os transportes marítimos. Mesmo a
capacidade em busca e salvamento só agora começou a merecer o devido
tratamento. Foi preciso que acontecesse o acidente com o navio Vicente, com
perdas de vida, para que o governo saltasse para a acção. Naufrágios anteriores
não tiveram esse mesmo efeito catalisador. Mesmo assim, como aliás todo o país
pôde presenciar, não há uma clara e imediata responsibilização pelo desastre e
pelas perdas de vida. Pelo contrário, procuram-se bodes expiatórios e vai-se ao
ponto de acusar governos de décadas passadas pelo acontecido.
Porque
não se assumem frontalmente os problemas, e no tempo certo, as soluções
encontradas para os problemas pecam muitas vezes por serem desadequadas, mais
caras e de sustentabilidade duvidosa. Nesse sentido é paradigmática a solução
encontrada nos catamarans da Cabo Verde Fast Ferry para o transporte marítimo
como se viu na análise da empresa feita neste jornal no seu número de 17 de
Junho 2014. Na energia, o calvário percorrido com a Electra ao longo de vários
anos só ganhou algum alívio à custa das tarifas de electricidade e água das
mais caras do mundo. Nos transportes aéreos, a gestão desastrosa dos TACV ao
longo de anos obriga a que se pratiquem tarifas excessivamente elevadas. A
empresa até pode aliviar o seu sufoco financeiro mas a que custos: a circulação
entre as ilhas diminui com grande impacto na economia e o turismo interno que
podia beneficiar várias ilhas e diversificar o pacote turístico do país
torna-se extremamente difícil. As pesadas tarifas nas rotas étnicas para as
nossas comunidades emigradas deixam transparecer uma miopia impressionante. O
emigrante, com toda a sua relação afectiva com familiares e amigos, é potencialmente
um visitante ou turista dos mais valiosos e com maior impacto na economia
local. São Vicente, em vários períodos do ano, é prova eloquente desse facto.
Restringir o fluxo potencial de emigrantes com tarifas aéreas excessivas não
pode ser boa política.
Em
outros sectores como Segurança, Saúde e Educação ou em programas como o
denominado “Casa para Todos” notam-se as ineficiências, o desperdício de
recursos e a ineficácia. A atitude prevalecente de passar a culpa para outro,
ou de negar a existência do problema ou minimiza-lo considerando-o má-fé dos
outros não dá bons resultados. Pode conduzir a tragédias, como se viu, ou então
paga-se em custos mais elevados, oportunidades perdidas e sonhos frustrados.
Enterrar a cabeça na areia como avestruz não é sinal de liderança. Assim como
não é liderança responsável proclamar que se está blindado contra a crise,
fingir que se pode ficar incólume perante dívida pública muito acima dos 100%
do PIB ou não se preparar para os desafios que os tráficos globais ilegais
colocam ao país. Para o bem do país é preciso outra atitude tanto na cidadania
como na governação.
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