terça-feira, 28 de julho de 2015

Político indiano faz em Oxford defesa robusta de reparações e recebe apoio do primeiro-ministro



Colonialismo e escravatura

Político indiano faz em Oxford defesa robusta de reparações e recebe apoio do primeiro-ministro

Alberto Castro, Londres

O primeiro-ministro indiano, Narenda Modi, apoia as reivindicações para que a Grã-Bretanha pague reparações pelos danos causados durante o domínio colonial.

O posicionamento de Modi surge na sequência de um vídeo de Shashi Tharoor, político e escritor indiano, postado no YouTube no passado 14 de julho e que rapidamente se tornou viral, com mais de dois milhões de visualizações e provocando um vigoroso e debate online. No vídeo, de 15 minutos, Tharoor defendeu, em robusto argumento em favor da reparação, que o Reino Unido deve compensar economicamente as suas antigas colônias, para com as quais tem igualmente uma dívida moral. Ele foi um dos oradores convidados pela Oxford Union Society, uma associação de debates na cidade de Oxford, Inglaterra, para a defesa favorável da moção ''Esta casa crê que a Grã-Bretanha deve reparações às suas antigas colônias'', evento realizado em 28 de Maio último. 

"A ascensão da Grã-Bretanha por 200 anos foi financiada pelas suas depredações na Índia'', disse Tharoor argumentando que os indianos ''pagaram literalmente pela sua própria opressão'' na medida em que, sustenta, no final do século 19 a Índia tornara-se na maior vaca leiteira do Império Britânico, seu maior produtor e exportador de bens a nível mundial e fonte de empregos altamente pagos para funcionários britânicos.

Mas o assunto só ganhou destaque nas mídias britânicas e mundial quando em evento no parlamento de Nova Deli na última quinta-feira, o primeiro ministro Narendra Modi, com visita prevista para Londres no final do ano, elogiou assim a reivindicação do compatriota: '' O discurso de Tharoor refletiu os sentimentos de patriotas indianos sobre o assunto e mostrou quanta impressão alguém pode deixar com argumentos efetivos ao dizer coisas certas no lugar certo'', citado pela imprensa inglesa.

Quanto ao grande debate da Oxford Union, associação independente da famosa universidade mas cujos membros derivam primeiramente dela, ele foi justificado pela organização como necessário perante crescentes reclamações para compensações às antigas colônias por séculos de exploração e abuso. Lembrando posicionamentos prós e contras de políticos britânicos sobre o assunto, a Oxford Union perguntou: ''Devem os políticos britânicos mais do que suas palavras?'' 

A reivindicação de reparações aos países afetados pelo passado colonial da Inglaterra e pela sua participação no comércio transatlântico de escravos sempre foi um tema presente desde o fim do Império mas quase todos os governantes britânicos sempre se mostraram relutantes e mesmo desconfortáveis no tratamento do assunto. Poucos o abordam com firmeza e seriedade.   

Em 2007 o trabalhista Ken Livingstone, então prefeito de Londres, em um discurso emotivo alusivo ao aniversário dos 200 anos de abolição da escravatura, pediu sinceras desculpas pelo papel da cidade no comércio de escravos. ''É chocante que o nosso país tenha uma vez participado na venda de seres humanos em grande escala'', escreveu o conservador William Hague, autor da biografia sobre William Wilbeforce, famoso ativista pela abolição da escravatura, em um artigo publicado no ano passado no Evening Standard. No entanto, enquanto ministro dos Negócios Estrangeiros, não foi além das palavras quando em 2013 foi pressionado para o fazer pelos países do Caricom, bloco de cooperação política e econômica do Caribe. Em uma nota o seu gabinete nada mais fez do que lamentar as iniquidades da escravatura, considerando a mesma um assunto do passado fora da responsabilidade de governos de hoje.
    
Voltando ao debate, além do político indiano, o painel em favor da moção contou com Aloun Ndombet Assamba, advogado, político e diplomata jamaicano, George Ayittey, economista e autor ganense, fundador e presidente do Free Africa Foundation. Do lado oposto estiveram Richard Ottaway, político conservador inglês e ex-presidente do Comitê  dos Assuntos Estrangeiros, William Roger Louis, historiador americano do Império Britânico e John M MacKenzie, historiador britânico.

Contrariando o argumento que sugere que compensações não ajudariam as pessoas certas, que houve sacrifícios de ambos lados e que, pelo contrário, poderiam mesmo ser usadas como instrumentos de propaganda política e de encorajamento de ditadores como Robert Mugabe, Tharoor usou de humor para lembrar que antigamente no Caribe se costumava a assustar as crianças mal comportadas com o fantasma de Francis Drake, famoso corsário e pirata elisabetiano. ''Agora dizem que o Mugabe vem aí. Ele é uma espécie do Drake dos nossos tempos''. disse arrancando risos e aplausos da audiência, como em quase toda a sua fala.
  
Usou de uma analogia para criticar os que falam jubilosamente em sacrifícios de ambos os lados: ''O ladrão chega em tua casa, arromba a porta e despoja-a violentamente e você diz que o que aconteceu foi sacrifício de ambos os lados. Lamento dizê-lo mas esse não é um argumento aceitável'', disse obtendo mais ovações.

Dizendo-se preparado para aceitar o argumento de que ''não se pode calcular uma quantia exata'' para avaliar as formas de horror que as pessoas sofreram salientou porém a premissa de que as reparações não devem ser consideradas como uma "ferramenta para capacitar"alguém, mas sim como um instrumento através do qual os britânicos podem "expiar" pelos pecados do passado. ''O problema é que existe uma dívida e ela deve ser reparada'', salientou nas suas conclusões finais. Esgrimidos os argumentos prós e contras, a moção  terminou com uma votação de 185 contra 56 favorável ao lado de Thaoor.

Mas dois pontos do discurso do político indiano mereceram reparos de um conhecido compatriota seu, o editor, colunista e escritor Minhaz Merchant. Em um artigo de opinião publicado na passada quinta-feira (23) no DailyO, um portal de opinião online do conglomerado midiático India Today, ele subscreve a validade de quase todos os argumentos do compatriota mas defende que não basta um pedido de desculpas e que a dívida da Grã-Bretanha à Índia pode ser quantificada, rondando hoje a casa de três trilhões de dólares americanos.

Para o colunista, o comércio de escravos é ''um dos grandes segredos escondidos da colonização britânica'' e a África, atingida duas vezes pela rapacidade europeia (primeiro pelo comércio de escravos, depois pela divisão colonial do continente no século  19), ainda não desenvolveu estudos acadêmicos históricos para lidar com o assunto e expor os horrores completos do tráfico de escravos.  Merchant sustenta que a razão para que não seja pedida uma desculpa oficial aos africanos é que a mesma abriria comportas para imensas reparações financeiras e substanciais danos punitivos que levariam os europeus à bancarrota.

Eis alguns dos pontos da argumentação de Shashi Tharoor:

Economia e desindustrialização da Índia

Quando os britânicos chegaram à costa da Índia no inicio do século 18, a quota deste país na economia mundial era de 23%, tão grande quanto a de toda a Europa junta. No momento de sua saída ela diminui para menos de 4% pela simples razão da Índia ter sido governada para o benefício da Grã-Bretanha cuja ascensão nos 200 anos seguintes foi financiada à custa da depredação da ex-colônia. 

A Revolução Industrial britânica foi feita com a desindustrialização da Índia cuja industria têxtil foi destruída e substituída pela manufatura na Inglaterra usando matéria prima indiana e exportando o produto final de volta, à semelhança do que fez com outras ex-colônias. Tecelões indianos tornaram-se em pedintes e em vez de grande exportador de produtos têxteis acabados a Índia tornou-se em um importador de produtos britânicos ao mesmo tempo que a sua cota de exportação mundial caía de 27% para 2%. 

A desumanidade de Churchill 

Enquanto a Grã-Bretanha explorava impiedosamente a Índia, entre 15 a 29 milhões de indianos morriam de forma trágica, mortes desnecessárias em resultado da fome. A última fome em larga escala a ter lugar na Índia foi quando o país estava sob domínio britânico. Cerca de quatro milhões de bengalis morreram na Grande Fome de Bengala em 1943 depois de Winston Churchil ter deliberadamente ordenado o desvio de alimentos de civis indianos famintos para soldados britânicos bem equipados e para estoques europeus. ''A fome de uns bengalis mal alimentados é menos séria de que a de gregos resistentes''- disse o tão celebrado herói inglês. Quando alguns oficiais conscientes alertaram em telegrama o então primeiro-ministro sobre a escala da tragédia causada por suas decisões, a única resposta de Churchill foi perguntar irritadamente: ''Porque Gandhi ainda não morreu?''. 

O mito do despotismo iluminado

O imperialismo britânico justificou-se a ele mesmo com o pretexto de que era um despotismo iluminado, conduzido para  o benefício dos governados. A conduta desumana de Churchill em 1943 desmascarou este mito. Violência e racismo eram a realidade da experiência colonial. Não admirava que o sol nunca se punha no Império britânico porque nem mesmo Deus confiaria nos ingleses na escuridão. O imperialismo britânico triunfou não apenas por conquista e fraude em grande escala, mas por fazer explodir os rebeldes aos bocados das bocas dos canhões, massacrando manifestantes desarmados em Jallianwala Bagh e sustentando a iniquidade através de um racismo institucionalizado. Nenhum indiano na era colonial foi autorizado a sentir-se britânico, sempre foi um vassalo, nunca um cidadão.

Vangloriação de colonialistas e escravocratas

Um quinto da elite britânica victoriana deve o seu dinheiro ao transporte de 3 milhões de africanos através do Atlântico. Quando da abolição da escravatura nas colônias britânicas em1833, o que aconteceu foram compensações de 20 milhões de libras esterlinas pagas na altura pelo governo britânico como reparação aos que perderam suas propriedades, entre eles John Gladstone.(I)  Nenhuma compensação para os escravizados que sofreram, foram oprimidos e perderam suas vidas.

Por seu turno, colonialistas como Robert Clive (II) compraram ''burgos carcomidos'' na Inglaterra com o produto de suas pilhagens na Índia. Gabavam publicamente de sua autocontenção em não roubar mais do que fizeram. E os britânicos tiveram a ousadia de o chamar de ''Clive da Índia'', como se ele pertencesse ao país, quando o que ele realmente fez foi assegurar-se de que grande parte do país o pertencia.  

Estradas e Ferrovias 

A construção dos Ferroviárias e estradas é muitas vezes apontado como uma dádiva do governo britânico, ignorando o fato óbvio de que muitos países construíram estradas e caminhos de ferro sem terem de ser colonizados para o fazer. Não foram construídas para servir populações locais mas para servir os interesses britânicos, para transportar matérias-primas do interior para os portos e serem depois embarcadas para a Grã-Bretanha. A necessidade de movimento das populações locais eram acidentais, exceto quando servia interesses coloniais. Nenhum esforço foi feito para garantir que o transporte de matérias primas combinasse com a demanda de transporte para pessoas. Na verdade, as ferrovias indianas foram construídas com imensos incentivos oferecidos pelo governo britânico ao seus investidores e garantidos com impostos da Índia pagos pelos indianos. Em consequência o custo de uma milha de uma ferrovia indiana era o dobro de uma milha no Canadá e na Austrália porque havia muito dinheiro sendo pago para retornos extravagantes. A Grã-Bretanha obteve todos os lucros, controlou a tecnologia e forneceu todo o equipamento. Os benefícios resultaram da iniciativa privada britânica e do risco público indiano

Ajuda britânica e democracia 

Em anos recentes, mesmo com o debate sobre reparações a aumentar de tom, políticos britânicos têm, de facto, se perguntando se países como a Índia devem ainda receber ajuda econômica básica às custas do contribuinte britânico. Para começar, a ajuda recebida é de 0,4%, o que é menos da metade de 1% do PIB da Índia. A ajuda britânica, que está longe de montantes que um debate reparação lançaria, é apenas uma fração do subsídio de fertilizantes da Índia aos seus agricultores, o que pode ser uma metáfora apropriada para este argumento. Os britânicos podem ver o nosso amor pelo cricket ou pelo idioma inglês, ou até mesmo pela democracia parlamentar, evocando memórias do Raja como em séries de televisão como Indian Summers, com Simla, festas no jardim e indianos gentis. Para muitos indianos, no entanto, é uma história de pilhagem, massacres, derramamento de sangue, do desterro do último imperador Mogol em um carro de boi para a Birmânia. É um pouco enriquecedor oprimir, escravizar, matar, torturar, mutilar pessoas por 200 anos e no finalcomemorar o fato de que eles são democráticos. A democracia foi-nos negada, por isso tivemos de arrebatá-la, apreendê-la de vocês. 

A Índia nas guerras mundiais

A Índia contribuiu com mais soldados para as forças britânicas que lutaram na Primeira Guerra Mundial do que a Austrália, Canadá, Nova Zelândia e África do Sul juntos. Um sexto de todas as forças britânicas era indiana e 54 mil indianos perderam suas vidas. Apesar de sofrer recessão, pobreza e uma epidemia de gripe, as contribuições da Índia em dinheiro, pessoal e material diverso amontam para 8 bilhões de libras esterlinas em dinheiro de hoje.

Dois milhões e meio de indianos também lutaram pelos britânicos na Segunda Guerra Mundial. Do total da dívida de 3 bilhões de libras (em 1945) da Grã-Bretanha, 1,25 bilhão é devido à Índia. Ainda não foi paga.
Devolução do diamante Koh-i-Noor

Tanto quanto sei, a capacidade de reconhecer um erro do passado, o simples pedir de desculpas vai muito além de alguma percentagem do PIB em forma de ajuda. O que é importante não é o quantidade das reparações que o Reino Unido deve pagar, mas o princípio da expiação. Pessoalmente ficarei feliz com uma libra por ano pelos próximos duzentos anos como sinal de desculpas. E talvez a Grã-Bretanha pudesse gentilmente devolver o diamante Koh-i-Noor ao país do qual ele foi tirado!

Notas:
(I) Esclavagista e mercador escocês, pai de William Gladstone, político do século 19 que foi quatro vezes primeiro-ministro. Um estudo da UCL, Universidade de Londres, publicado em 2013 no The Independent com o título ''Vergonha colonial britânica'', mostra que cerca de 3,000 famílias britânicas beneficiaram de 20 milhões de libras em compensações pagas em resultado da abolição da escravatura. Entre elas, antepassados do atual premiê David Cameron. John Gladstone teria recebido o equivalente a 83 milhões de libras hoje como ressarcimento pela perda dos 2,508 escravos que tinha espalhados nas suas nove plantações na Jamaica e na Guiana, a maior de todas as compensações pagas pelo então governo britânico. O filho esteve fortemente envolvido nas reclamações do pai, segundo o estudo.
(II) Oficial inglês tido como o responsável por garantir a Índia para a Coroa Britânica. 

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